A nova linguagem da sustentabilidade

A nova linguagem da sustentabilidade

Por John Elkington

Um número crescente de pessoas no mundo dos negócios vem aprendendo a utilizar a nova linguagem e os conceitos da sustentabilidade. Enquanto alguns incorporam rapidamente, outros se complicam. Nesse sentido, uma pessoa que sabe exatamente o que está dizendo é Peter Bakker, presidente do World Business Council for Sustainable Development (WBCSD). Da maneira como o faz, ele consegue envolver mesmo as pessoas mais comuns do mundo corporativo.

“Comprar um Porsche é uma emoção” – eu o ouvi dizer recentemente. “Mas não chega a ser comparável à compra de seu primeiro Boeing 747” – algo que ele realizou enquanto CEO da empresa de logística TNT. O problema com o 747, porém, é sua enorme pegada de carbono, algo que Bakker só foi descobrir mais tarde. Ele contou essa história enquanto falava no workshop interno que coorganizamos na sede da gigante companhia alimentícia Nestlé, em Vevey, na Suíça. O objetivo autodeclarado de Bakker era transformar o público no que chamou de “revolucionários do mercado”.

O WBCSD publicou seu ambicioso estudo Visão 2050, há alguns anos. Reconhecendo-se tanto a importância de sua agenda flexível como as dificuldades em levá-lo para o mainstream – o centro dos debates -, um dos primeiros atos de Bakker, ao assumir a organização, foi iniciar os trabalhos para se criar uma versão mais atualizada e melhorada do estudo.

O objetivo é claro: chegar aos nove bilhões de pessoas no mundo, até meados do século – todas vivendo bem -, dentro dos limites planetários. Contudo, pressões de curto prazo, agravadas pela crise atual, conspiraram para atrasar o rumo do progresso. Esses desafios foram destacados na última rodada da pesquisa Riscos Globais, do Fórum Econômico Mundial.

Para esquentar o assunto, Bakker decidiu testar a trajetória da pesquisa Visão 2050 conforme os nove limites planetários identificados pelo Centro de Resiliência de Estocolmo (são eles: aquecimento global, extinção de espécies, ciclo do nitrogênio, uso da água doce, conversão de florestas em plantações, acidificação dos oceanos, ciclo do fósforo, contaminação química e carga de aerossóis na atmosfera). O mundo, ele advertiu, está “pegando fogo” – e a falta de progresso real até agora é “assustadora.” Ele observou ainda que, segundo prevê a Agência Internacional de Energia (AIE), usinas a carvão, que serão construídas até 2017, nos levarão a uma inconcebível trajetória de cinco graus de aquecimento da Terra.

De acordo com as evidências atuais, os governos não poderão resolver isso tão rapidamente, embora não signifique que – pelo menos alguns deles – não reconheçam a importância do desafio. Mas a lição é clara: “Os negócios são agora a única força com capacidade de romper essa trajetória.” Dito isso, as empresas precisam encontrar formas de trabalhar com os governos para resolver problemas, uma área-chave na qual o WBCSD se concentra. E os negócios devem agir, portanto, desenvolvendo soluções em escala e, sobretudo, para mudar as regras do jogo mercadológico. Em vez de tentar trabalhar com todos os países ao mesmo tempo, o WBCSD planeja priorizar iniciativas com alguns principais – os “de ponta” – com uma prioridade especial: as cidades.

Autointitulando-se um contundente “capitalista holandês”, Bakker reconhece sua defasagem de diplomacia – pois descreve a realidade como ele a vê, mesmo que corra o risco de desapontar muitos de seus colegas no C-Suite Global (rede social para networking entre pessoas de negócios). E uma coisa que ele disse pode ter perturbado um pouco os colegas da Nestlé: “Não acredito em soluções ganha-ganha (win-win) como principal resposta para os desafios sistêmicos que estamos enfrentando.” O incômodo decorre do fato de que a Nestlé foi fonte do movimento Valor Compartilhado (Modelo de negócio que se propõe a gerar lucro, porém atuando diretamente no foco dos problemas sociais), propagado por Michael Porter e Mark Kramer.

Na época, havíamos convidado Mark Kramer para fazer uma apresentação em vídeo para o Workshop Zero Nestlé – nele, Kramer aceitou que, embora o “valor compartilhado” seja uma poderosa maneira de enquadrar os desafios de estratégia dos negócios – ao mesmo tempo em que cresce o espectro de ferramentas para ajudar líderes empresariais a alcançar soluções win-win -, o objetivo nunca foi o de enfrentar desafios sistêmicos, como as mudanças climáticas, com a urgência necessária à “emergência global” que Peter Bakker enxerga.

Portanto, em vez de permitir disputas territoriais entre defensores do “valor compartilhado” e “comunidades de sustentabilidade”, os participantes do workshop concluíram que o caminho mais indicado a seguir deveria ser o de “hibridizar” o melhor de ambos os mundos. Dando início à sessão, eu tinha oferecido minha própria abordagem: que o “valor compartilhado” deve ser estendido para a agenda da sustentabilidade, e ??que a sustentabilidade deve basear-se em “metas-zero” (entre elas, resíduo zero e construções autossustentáveis em energia), temas que se apresentaram nas últimas décadas no mapa da Visão 2050 do WBCSD.

Quando inicialmente sugeri um “workshop zero” para a Nestlé, perto da época em que lancei meu livro mais recente (2012), The Zeronauts: Breaking the Sustainability Barrier (algo como Os Zeronautas: Quebrando a Barreira da Sustentabilidade, ainda não lançado em português), confesso que eu tinha medo de que a proposta estivesse longe demais para a maior empresa de alimentos do mundo. Em vez disso, descobri que o seu COO, José Lopez, passou anos trabalhando no Japão, e estava totalmente convencido do “poder do impacto zero” – que está no coração das abordagens japonesas de qualidade total e produção enxuta. Na verdade, ele prontamente se ofereceu para cossediar o primeiro Workshop Zero.

Antes, permitam-me explicar o que queremos dizer com a palavra “zeronauta”. A ideia, claro, é baseada nos Argonautas, o conto mítico sobre 50 antigos marinheiros gregos que tomaram o navio Argo e, liderados por Jason, foram ao mar em busca de tesouro, riqueza e fama. Como geralmente acontece em tais aventuras, as coisas não saíram bem como eles esperavam, nem sairiam para muitos zeronautas. Então isso é o que queremos dizer com o termo (ver ao lado).

O contexto dessa aventura é o seguinte. Um mundo de nove bilhões de pessoas, até meados do século, exigirá mudanças fundamentais em nossas mentalidades, comportamentos, culturas e paradigmas abrangentes. Assim como a humanidade rompeu a barreira do som durante os anos 1940/50, agora uma nova geração de inovadores, empreendedores e investidores irá se alinhar para quebrar a “barreira da sustentabilidade”.

Os zeronautas estão inovando em uma surpreendente gama de áreas, abordando extremos desafios econômicos, sociais, ambientais e de governança. Para dar um exemplo desse progresso até aqui, já existem organizações que se propõem cinco zeros como desafios-chave (5 Ps, em inglês): zero crescimento populacional, zero pandemias, zero pobreza, zero poluição e zero proliferação de armas de destruição em massa.

A potência da redução de impactos a zero por muitas vezes foi alardeada no passado, notadamente em relação aos “defeitos zero”. Os zeronautas destacam as principais lições aprendidas no campo da gestão da qualidade total – e introduzem um modelo de cinco fases, os “caminhos para o zero”. Estes atravessam desde o momento Eureka! (da descoberta) até o ponto no qual uma nova maneira de fazer as coisas torna-se endêmica na economia.

A fim de se fazer avançar da mudança incremental para uma mudança transformadora, devemos adotar enquadramentos mais amplos, percepções mais profundas, metas mais altas e escalas de tempo mais longas. O livro investiga algumas maneiras em que alguns líderes zeronautas estão avançando em direções relevantes, em casos provenientes de um amplo espectro da atividade humana – desde o desperdício de água até a mutilação do genital feminino, ainda praticada por algumas culturas. Se conseguirmos aprender com esses zeronautas pioneiros, o século XXI ainda poderá ser o melhor dos tempos.

O desperdício de água tem sido uma das três grandes questões que a Nestlé vem priorizando, juntamente com o desenvolvimento rural e a nutrição. O presidente da empresa, Peter Brabeck-Letmathe, tem sido um campeão, e vem conquistando maior atenção pública para a questão da segurança da água.

Mesmo assim, a sessão da Nestlé em Vevey provou-se bastante reveladora, com os colegas de José Lopez apresentando uma série de projetos e programas “rumo ao zero” para toda a empresa, como zero bruto, zero a zero ou além do zero. A fábrica da empresa em Iorque (Reino Unido), por exemplo – lar do chocolate KitKat -, já alcançou o “resíduo zero”.

Em seguida, há o Diamante de Excelência, agora usado em algumas áreas do negócio. O programa ostenta cinco facetas (entre elas, acidentes, custos e resíduos), cada uma claramente ligada às metas do zero. Curiosamente, essa abordagem foi inspirada pelas companhias aéreas, que – com muito sucesso – tiveram como alvo o “zero acidentes” em suas pistas de voo. Testada primeiramente em um pequeno número de fábricas, a abordagem Diamante está sendo estendida agora aos 400 (ou mais) locais de produção da Nestlé.

Outro relato interessante de progresso veio da iniciativa Zereau, nome que combina a palavra zero com eau (a expressão francesa para água). Isto é, projeta-se retirar completamente a água das fábricas de leite, por meio da exploração do recurso contido no alimento cru entregue nos pontos de coleta da Nestlé. Afinal, “por que diabos precisamos de água em uma fábrica de leite?”, perguntava-se o engenheiro-chefe, depois de seu momento Eureka: “88% do leite é água!” Agora, o objetivo é alcançar um impacto de água positivo, não somente reduzir a demanda do recurso subterrâneo a zero.

Após a sessão, José Lopez falou sobre a necessidade de “pretendermos consequências não intencionais” sobre o que negócios fazem, e não há dúvida de que embora empresas como a Nestlé busquem melhorias por meio do valor compartilhado, precisarão manter sua visão de longo prazo intimamente focada à expansão da agenda de sustentabilidade.

Mas eu também sai com uma suspeita de que as empresas que adotam essa mistura SharedValue-Sustentabilidade-Zero (valorcompartilhado-sustentabilidade-zeroimpacto) irão tropeçar em todos os tipos de consequências positivas inimagináveis. Seria a melhor maneira de olhar para tudo isso tão simples como zerar o valor compartilhado entre as gerações? No longo prazo, saberemos que fomos bem-sucedidos quando muito desse jargão cair e voltarmos à simples linguagem dos negócios – objetiva e fácil de entender.

John Elkington (www.johnelkington.com) é executivo-chefe da Volans (www.volans.com), cofundador e diretor não executivo da SustainAbility (www.sustainability.com) e membro do Conselho Consultivo da Nestlé.

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