Nossas reações diante das mudanças climáticas

Nossas reações diante das mudanças climáticas

Banqueiros ou camponeses? Nossas reações diante das mudanças climáticas

Por Fabián Echegaray

Dois planetas se encontram para bater um papo. O planeta A pergunta: “E aí? Tudo bem com você?” O planeta B responde: “Mais ou menos… Peguei uma doença complicada, a Homo Sapiens”. O planeta A retruca: “Nem esquenta, eu também a contraí uns tempos atrás e resolveu sozinho… Ela não dura muito mesmo.”

Confesso que essa é uma das poucas piadas que conheço sobre as mudanças climáticas, uma forma ainda ignorada de sensibilização da opinião pública entre os engajados no tema.

A inclinação por assustar ou inundar com inúmeras informações o grande público tem prevalecido. E, infelizmente, segundo as últimas medições sobre como as pessoas estão reagindo diante do assunto, essa preferência se defronta com claros sinais de ineficácia.

A rápida extinção da doença na piada encontra, hoje, seu correlato nas quedas de preocupação com as mudanças climáticas. Será que elas sumiram realmente do radar das pessoas?

É paradoxal, mas ao mesmo tempo em que cidades como Rio de Janeiro e Porto Alegre atingiam os 50 graus de temperatura no início de 2013, os brasileiros esfriavam sua apreensão pelo fenômeno do aquecimento global e suas consequências para a humanidade. De fato, várias pesquisas, dentro e fora do Brasil, vêm mostrando, desde meados de 2010, um enfraquecimento do interesse e da consternação com as mudanças climáticas.

Na sequência de 2007, ano da consagração do trabalho do IPCC, ganhador do Nobel da Paz, e da glamourização do debate com o Oscar para Al Gore e seu documentário Uma Verdade Inconveniente, a atenção pública atingia seu pico. Cinco anos depois, em 2012, parecemos ter retornado ao clima social anterior a todo esse esforço divulgador. Ciência falha ou escolhas erradas na maneira de apresentar o tema e mobilizar a população?

Dos 65% de cidadãos do mundo que em 2009 concordavam que as mudanças climáticas eram um problema muito sério (só perdendo por menos de três pontos percentuais para os problemas econômicos e a pobreza), apenas 55% persistem nessa opinião – uma redução de 10 pontos percentuais em pouquíssimo tempo. No Brasil, não tem sido muito diferente. A intensidade da nossa preocupação sempre se apresenta mais elevada do que no exterior – mas isso é verdade com a grande maioria dos temas com visibilidade pública. A questão é que, entre nós, também se registra uma peculiar curva de inquietação que ascende, até 2010, e encolhe de lá pra cá.

O estranho de tudo isso não é que as pessoas mudem de opinião, mas sim que o façam bem no momento em que se registram recordes de desastres naturais cujos efeitos econômicos e humanos dão as caras imediatamente. Só no Brasil, de 2008 até 2011, esses eventos custaram R$ 15 bilhões. No mundo, apenas no ano de 2011, os desastres naturais ocasionaram perdas de quase R$ 370 bilhões. Os 50 graus recordes atingidos no Sul e Sudeste e a série de inundações, secas, tempestades e furacões, chuvas fortíssimas e oscilações abissais nas temperaturas às quais estamos expostos nos últimos anos parecem indicar que o problema não está no prognóstico científico.

A prolixidade e proficuidade da ciência para acumular evidências sobre a mutação do clima é hoje ponto pacífico. Contamos tanto com uma pluralidade de indicadores alarmantes como com cenas pavorosas para chocar o grande público. Entretanto, a persuasão pelo apelo cognitivo ou pelo espanto coletivo parece disparar o tiro pela culatra.

Seguindo um ritual de todo final de ano, o escritório das Nações Unidas para a Redução de Riscos por Desastres (UNISDR) consolidou recentemente informações sobre catástrofes climático-ambientais. E os números têm ficado tão convincentes quanto verdadeiramente assustadores. Nos últimos 20 anos, após a Rio-92 ter colocado o tema no centro da mesa e convocado para a ação coletiva, ocorreram nada menos que 395 casos de temperaturas extremas, 470 secas arrasadoras, 2.689 tormentas ferozes e 3.455 inundações que varreram vidas humanas e economias regionais. Sem dúvida, números tão apavorantes quanto ineficazes para manter viva a chama da atenção do público. A queda contínua nas preocupações da população mundial com as mudanças climáticas certamente não reflete um clima mais ameno ou uma certeza de que a ciência estava errada. Então, o que está por trás dessa queda?

Há várias respostas possíveis. Pode essa queda refletir a decepção com os contínuos fracassos governamentais em progredir rumo a uma agenda de mitigação e adaptação? Bem provável. Se bem que isso não tem reduzido as expectativas de que, apesar do pobre desempenho, sejam os governos os líderes na implementação de soluções. Há, por trás da menor preocupação, um ceticismo sobre as afirmações da ciência ou danos colaterais do escândalo dos e-mails prévio à COP-15, conhecido como Climagate? O primeiro supõe o alastramento do ceticismo sobre outras constatações ambientais dos cientistas, tais como a poluição do ar e da água, extinção da biodiversidade e diminuição dos recursos naturais – algo que não ocorre. O segundo assume um alto grau de informação por parte das pessoas sobre as controvérsias e detalhes do debate político ao redor das mudanças climáticas – um suposto pouco realista.

Será a queda fruto do conforto trazido pelas soluções tecnológicas, cada vez mais acessíveis? Dificilmente. De fato, o que o monitoramento da opinião pública mundial nos revela é que, embora se reconheça e celebre a disseminação de tecnologias verdes, a suspeita de que elas sozinhas não poderão dar conta do recado é cada vez maior. Paradoxalmente, estudos acadêmicos encontram que, quanto mais desenvolvida uma sociedade, mais se diminui essa confiança, fruto da exposição das pessoas aos efeitos não previstos e outros riscos do avanço tecnológico.

Seria a queda uma consequência da falta de atenção pela grande mídia? Somente até certo ponto. É verdade que o número total de matérias relativas às mudanças climáticas como assunto experimentou um retrocesso em 2012, mas isso refletiu, antes, uma migração de foco do que uma perda de interesse pelo assunto. A mídia e a atenção do público migraram do debate conceitual ou técnico para as consequências concretas. Houve menos notas usando o aquecimento global como chamada e, portanto, menos visibilidade pública dessa nomenclatura; porém, cresceu o número de notícias ao redor das expressões concretas das mudanças climáticas, tais como chuvas, temperaturas altas ou baixas demais, secas, tempestades e inundações.

Então, para onde olhar em busca de respostas? Talvez a suspeita mais popular sobre a queda aponte para a economia. Pressionados pelo desemprego, uma renda menor ou perdas financeiras vultosas, os cidadãos do mundo sacrificam rapidamente seu interesse por temas de médio e longo prazo, como as mudanças climáticas, e só conseguem focar no curtíssimo prazo: sua situação econômica. É a dicotomia entre o que a ciência política postula como agir seguindo a lógica do banqueiro (isto é, pensando no amanhã sem deixar de ver a conexão com os interesses tanto materiais quanto imateriais) ou agir seguindo a lógica do camponês (ou seja, fazendo escolhas apenas em função do passado e dos impactos imediatos). A hipótese em tempos de crise parece plausível, contudo, podemos afirmar que ela é também verdadeira?

Analisando a evolução da opinião pública de 13 países diante das duas questões, encontramos pouco sustento para a hipótese do sacrifício da preocupação ambiental no altar do determinismo econômico. Em seu conjunto, levando em conta o ocorrido nos últimos sete anos, a correlação é quase nula. Ou seja, as curvas tendem a caminhar paralelas uma à outra, com raríssimas exceções.

Mais ainda, entre os países emergentes, por exemplo, em que a relação de ambas as preocupações é contrária ao esperado: em vez de uma preocupação crescer em detrimento da outra, ambas sobem e descem juntas! Somente nos países desenvolvidos existe uma relação negativa, mas o desconforto com a economia mal chega a explicar 22% das reações diante das mudanças climáticas durante o período analisado. Em poucas palavras, a atenção ao aquecimento global está pouco condicionada pelo aperto financeiro.

Esse achado tem algumas implicações importantes: para começar, os cidadãos do mundo não enxergam as prioridades econômicas e as mudanças climáticas como opções mutuamente excludentes. Essa leitura só tem servido para justificar omissões e a descontinuidade nos esforços para adotar uma política séria de mitigação e adaptação ao aquecimento global, ou para superlativizar os custos da transição para uma economia de baixo carbono.

Outra implicação é, portanto, a da aceitação tácita de que uma nova economia verde pode representar tanto uma resposta à crise atual quanto aos desafios das mudanças climáticas. E, claro, existe também a implicação que devolve uma imagem de todos nós agindo menos como “camponeses”, obcecados pelos problemas de bolso no curto prazo, e mais como “banqueiros”, capazes de conciliar preocupações materiais com imateriais, de curto e longo prazo.

Por último, esse quadro mantém acesa a pergunta central deste artigo: o que está levando a opinião mundial a expressar uma menor inquietação com o tema da crise ambiental em termos genéricos? Se as respostas ancoradas na existência de alguma racionalidade objetiva nos desapontam, será que devemos insistir com interpretações de cunho racional? Se algo nos sugere essa discussão é que a queda das preocupações não tem relação com a falta de informação. Tampouco parece contagiada por um senso economicista nem por um otimismo ingênuo na tecnologia. Ela é pouco influenciada pelo fraco desempenho dos grandes atores do debate climático. E não há como atribuí-la a uma desatenção da mídia que, na prática, reflete um foco menos conceitual e mais cotidiano.

É por isso que, voltando ao impacto reflexivo e sensibilizador que as piadas costumam provocar, sugiro pensar que uma possível explicação esteja em algo tão trivial quanto a maneira como estamos abordando o tema diante do grande público. A persuasão ancorada na ironia e no senso de vergonha tem funcionado sempre bem melhor do que o afogamento em números, a exploração da culpa ou o apavoramento imobilizador, isso tanto na difusão de certos temas e valores quanto na promoção de atitudes e condutas diferentes. Talvez seja hora de tentar convencer a opinião pública de que as mudanças climáticas não são piada, apostando na utilização de uma abordagem mais espirituosa e cúmplice sobre o que elas representam.

Fabián Echegaray é Ph.D em Ciência Política pela Universidade de Connecticut (EUA) e diretor-geral da Market Analysis, instituto de pesquisas especializado em sustentabilidade e responsabilidade social.

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