Lester Brown

Lester Brown

Por Juliana Lopes

Para Lester Brown, um dos mais importantes pensadores ambientais do mundo, a injeção de recursos dos governos norte-americano e europeus não será suficiente para tornar mais sustentável a combalida economia internacional. O momento urgente sugere um plano B. A transição para a sustentabilidade passa, segundo ele, por taxar atividades baseadas na queima de combustíveis fósseis, incentivar o desenvolvimento e uso de energias renováveis e, com isso, criar novos empregos.

Em seu mais recente livro, “Plan B 3.0: mobilizing to save civilization”, Brown mostra que evitar o declínio da economia significa impedir o colapso da civilização.

“As corporações precisam reconhecer que seu futuro é inseparável do futuro da civilização e que elas também são responsáveis pela manutenção da vida na Terra. Devem, portanto, contribuir com a construção de uma economia global sustentável. Sem isso, vamos enfrentar um colapso.  Nenhuma companhia terá lucro avançando na escalada rumo à destruição. Precisamos rever rapidamente a economia global e particularmente a matriz energética por meio de políticas econômicas que reestruturem taxas e pressionem o mercado a contar a verdade ambiental”, ressalta o especialista.

A “verdade ambiental” a que se refere Brown diz respeito à inabilidade do mercado em incorporar impactos indiretos — também conhecidos como externalidades — causados ao meio ambiente e à sociedade pelas atividades econômicas. A inversão dessa lógica, que seria favorecer as tecnologias e práticas mais limpas em detrimento das baseadas na queima de combustíveis fósseis, representa uma oportunidade para criar novos postos de trabalho.

Apresentar a visão de um futuro sustentável e também os meios práticos para construí-la tem sido a missão de Brown ao longo de 40 anos dedicados à militância ambiental. Em 1974, ele fundou o Worldwatch Institute, uma organização sem fins lucrativos especializada na análise das questões ambientais globais. Em 1984, lançou a série de relatórios “O Estado do Mundo”. Traduzido para as principais línguas, os documentos alcançaram status semi-oficial, tornando-se uma espécie de “Bíblia” do movimento ambiental. Em 2001, Brown criou a Earth Policy Institute, do qual ainda hoje é presidente. A organização passou a disseminar informações na área ambiental utilizando, como suporte, uma rede mundial de editores, principalmente na Internet.

Apesar de entusiasta do termo desenvolvimento sustentável, Brown acredita que ele não seja muito empolgante. Em sua opinião, a associação de aspectos sociais e políticos à discussão – inicialmente apenas ecológica – esvaziou de certa forma o sentido do conceito. “Ao se tornar tão ampla, a sustentabilidade passou a significar pouco. O termo não mobiliza as pessoas”, ressalta Brown.

Em entrevista exclusiva à repórter Juliana Lopes, da Revista Idéia Socioambiental, Brown falou das medidas necessárias para reverter a tendência de destruição e colocar a economia nos trilhos da sustentabilidade, entre outros temas que o leitor confere a seguir.

Idéia Socioambiental: Como o senhor avalia a evolução do conceito da sustentabilidade? A popularização do termo está contribuindo para o desenvolvimento de novos modelos econômicos e mentais para uma sociedade sustentável?

Lester Brown: O conceito de desenvolvimento sustentável evoluiu nos últimos 35 anos. A princípio, falávamos apenas de sustentabilidade ecológica, mas o termo tem sofrido mutações para incluir a sustentabilidade social e política. Em alguns pontos, isso é tão amplo que não chega a significar muito.

Embora  intelectualmente útil, o termo sustentabilidade parece não empolgar e mobilizar as pessoas. Por isso, no Earth Policy Institute, começamos a falar sobre salvar a civilização ao invés de desenvolvimento sustentável porque é disso que realmente se trata. Assim, a discussão adquire um senso de urgência muito maior quanto ao que está em jogo.

IS: De que maneira a crise econômica, ambiental e social que vivemos atualmente está relacionada com a teoria econômica de base mecanicista?

LB: O modelo mental por trás da crise financeira é o mesmo que criou a crise ambiental e a insustentabilidade da economia – em termos ambientais. Esse modelo valoriza o presente em vez de se expandir para o futuro. Isso nos leva não apenas a déficits econômicos –a parte central dessa crise – mas também aos déficits ecológicos, que são parte central da crise ambiental hoje vivida.

Mudança climática, desmatamento, erosão do solo,  colapso de algumas indústrias de pesca ou a queda de aqüíferos dizem respeito, de um jeito ou de outro, a déficits ecológicos. Em suas origens, a crise econômica mundial está muito ligada à crise ambiental que estamos experimentando já há algum tempo.

IS: Qual deveria ser a base de novos modelos econômicos e mentais capazes de nos conduzir para uma sociedade sustentável?

LB: Na verdade, o único modelo que pode salvar a civilização é aquele que satisfaz as necessidades atuais sem prejudicar a capacidade das futuras gerações atenderem as suas próprias. Se continuarmos, por exemplo, a queimar combustíveis fósseis em larga escala, aumentando a temperatura da atmosfera, as camadas de gelo da Groenlândia e da Antártida derreterão. Com isso, veremos um aumento enorme no nível do mar e, por conseqüência, um enorme caos.

Em uma região como a Ásia, por exemplo, o derretimento dos glaciais nas montanhas do Himalaia, ao norte da Índia, ou do planalto do Tibete, alimentará os rios da região fora dos períodos das monções. Se essas camadas de gelo derreterem completamente com o aumento da temperatura, os rios desaparecerão na época de seca, prejudicando fazendeiros que dependem desses cursos d’água para irrigação. Isso não é apenas importante para países como a Índia e China, mas para todo o mundo, na medida em que poderemos viver a escassez de alimento em uma escala inimaginável.

IS: Um estudo recente do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente mostrou que combater o aquecimento global pode ajudar a criar novos empregos. Partindo dessa premissa, o senhor acredita que a crise financeira atual, de alguma forma, pode ser uma oportunidade para rever o nosso modelo econômico e tornar mais sustentável a economia?

LB: Claro que sim. Com as fontes renováveis de energia em desenvolvimento, como a eólica, a solar e a geotérmica, há uma oportunidade enorme de criar novos postos de trabalho. Posso citar um caso recente, que vi na Alemanha, onde se divulgou que o número de postos de trabalho criados por capacidade de produção de megawatt de energia elétrica, decorrente de energia eólica ou solar, é dez vezes superior ao de usinas termoelétricas de carvão ou nucleares.

As novas fontes de energia têm um potencial muito maior de geração de emprego do que as de combustíveis fósseis. E isso é bom, pois, para sair da crise atual,  precisamos criar empregos em todo o mundo e em uma escala monumental. Vale observar a situação dos Estados Unidos. Só na transição de fontes de energia, saindo dos combustíveis fósseis, a projeção é de geração de sete milhões de empregos.

IS: No seu último livro, Plan B: 3.0, o senhor lança o desafio de reduzir as emissões de dióxido de carbono em 80% até 2020. Na sua opinião, quais são os principais desafios para construir uma economia de baixa emissão de carbono?

LB: O mercado faz várias coisas bem, mas uma das coisas que não faz é incorporar impactos indiretos da queima de combustíveis fósseis. Por exemplo, ele não inclui o custo da mudança climática no preço da energia gerada pelo petróleo ou no preço da gasolina. Assim, os preços seriam muito mais altos do que são e, portanto, mais honestos e verdadeiros. Quando compramos um galão de gasolina nos EUA, pagamos pela extração do petróleo, o transporte do produto para uma refinaria, a produção da gasolina e então, o transporte da gasolina para uma estação servil. Não se contabiliza o custo da mudança climática.

Se reestruturarmos os tributos, reduzindo o imposto de renda e aumentando a taxação de atividades ambientalmente destrutivas, podemos levar o mercado a contar a verdade ambiental. Ao fazermos isso, a economia energética começará, muito rapidamente, a se reestruturar e a responder aos sinais de preço do mercado. Essa é a medida mais importante para nos mover em direção a uma economia de baixa emissão de carbono. Enquanto isso, precisamos subsidiar o desenvolvimento das fontes renováveis de energia – eólica, solar e geotérmica – com impostos atraentes.

Ideia Socioambiental: E como fica o Protocolo de Kyoto nessa perspectiva?

Lester Brown: Há mais de uma década, houve a negociação do Protocolo de Kyoto. Agora estamos próximos de negociar um sucessor para o acordo que expira em 2012. Minha conclusão é que acordos climáticos, negociados internacionalmente, não dão certo. A razão para isso é simples: nenhum governo concorda em fazer mais do que os outros países se dispõem a fazer. O resultado é um acordo com padrões mínimos. O próprio Protocolo de Kyoto constitui um bom exemplo disso. Deveríamos ter nos afastado dele com algumas metas de cortes de emissões dramáticas, mas não o fizemos. Concordamos que os países industrializados cortassem as emissões em torno de 7%. O fato é que a maioria deles não está nem perto de atingir essa meta de percentual.

Acredito que não temos tempo para continuar negociando novos acordos climáticos para reduzir as emissões de carbono. Por isso, temos que pensar em uma maneira de diminuir drasticamente as emissões, como apontamos no Plan B: 3.0. Se quisermos ter uma chance decente de salvar a civilização, teremos que cortar as emissões de carbono algo em torno de 80% até 2020. Isso soa ousado, mas está começando a gerar uma mobilização semelhante a dos tempos de guerra para reestruturar a economia energética dos EUA e mudar a matriz.

IS: E qual o caminho alternativo aos acordos internacionais?

LB: Acredito em ações locais. Muitos governos começarão a cortar rapidamente as emissões de seus países. Na Nova Zelândia, por exemplo, a primeira ministra Helen Clark tomou decisões importantes, independentemente de qualquer negociação internacional. Seu país se comprometeu a aumentar o uso de fontes renováveis para geração de energia elétrica dos atuais 70% para 90% até 2020. Também assumiu o compromisso de reduzir pela metade o uso de combustível para carros por habitante até 2040. Vai plantar cerca de 200 mil hectares de árvores, algo em torno de 31 árvores por habitante, número significativo para o seqüestro de carbono.

Nos EUA, observa-se um extraordinário movimento político, especialmente nos últimos 18 meses, de oposição às novas usinas termoelétricas alimentadas com carvão. E esse movimento tem influenciado Wall Street. Alguns dos maiores bancos, como o JP Morgan, o CitiBank e o Morgan Stanley, entre outros, criaram os “Carbon Principles”.

Com base neles, afirmaram que não financiarão mais empresas de energia para a construção de novas usinas termoelétricas a carvão, a não ser que esses projetos possam demonstrar a viabilidade econômica das plantas, depois que o governo americano impor restrições às emissões de carbono. Mas como ninguém sabe quais seriam essas restrições e os custos para atendê-las, não há como mostrar a viabilidade econômica dos projetos.

IS: Grandes companhias têm lançado linhas de produtos sustentáveis como, por exemplo, a General Electric, com a Ecoimagination. Como o senhor enxerga o movimento corporativo nessa área?

LB: Praticamente toda grande corporação, em todo o mundo, está tentando se tornar verde de um jeito ou de outro. Mas as empresas têm a obrigação de gerar retorno aos seus acionistas. Por isso, para tomarem decisões, dependem dos preços como sinais do mercado. O problema é que o mercado está fornecendo má informação e, consequentemente, as corporações vêm tomando más decisões. Precisamos pressionar o mercado a contar a verdade ambiental, a partir da reestruturação do sistema tributário. Essa é a chave para se criar um futuro sustentável ou, de forma mais clara, salvar a civilização.

IS: Qual o papel dos consumidores na promoção de uma economia mais sustentável? Iniciativas como a rotulagem de produtos de acordo com as emissões de carbono, prática que tem avançado na Europa e nos EUA, são importantes para promoção de padrões mais sustentáveis de consumo?

LB: Os consumidores, é claro, têm um papel muito importante. No entanto, quando me questionam sobre o que podem fazer, quase sempre esperam que eu responda sobre mudanças no estilo de vida, sobre alterações no sistema de iluminação da casa ou no descarte adequado de lixo. Essas e outras tantas atitudes são importantes. E a rotulagem ajuda os consumidores a tomarem melhores decisões. Mas estamos agora em uma situação muito grave na qual necessitamos reestruturar rápido a economia global, principalmente a economia energética. E isso exigirá novas políticas econômicas.

Nós, do campo ambiental, falamos nas últimas décadas sobre salvar o planeta. Mas o que está em jogo agora é a própria civilização. Se quisermos salvar a civilização, precisamos nos tornar politicamente ativos e isso significa não apenas votar nas eleições, mas também atacar algumas questões importantes. Salvar civilizações não é um esporte para expectadores.

Todos precisamos tomar parte no futuro. Precisamos encarar desafios específicos, como, por exemplo, banir a construção de novas usinas termoelétricas de carvão, criar programas de reciclagem na nossa comunidade ou ainda trabalhar para ajudar a estabilizar a população mundial.

Caso não façamos isso, fracassaremos. Acredito que vamos testemunhar uma degradação contínua do sistema de serviços ambientais, das florestas, dos solos e dos açudes. Como conseqüência, a economia global começará a se deteriorar, pois depende desses sistemas naturais. Se os destruirmos, a civilização terá o mesmo desfecho dos Sumérios e dos Maias.

IS: Na sua opinião, quais são os principais desafios para um estilo de vida mais sustentável nas cidades?

LB: Pela primeira vez na história da humanidade existem mais pessoas vivendo nas cidades do que fora delas. Em decorrência disso, estamos vivenciando crises em questões fundamentais como a mobilidade. As tecnologias de transporte funcionam em comunidades-modelo. Cresci em uma comunidade de fazendeiros onde sem os carros teríamos enorme dificuldade de locomoção. Mas à medida que os carros se multiplicam nas cidades, descobrimos que eles promovem, na verdade, a imobilidade. Em Londres, por exemplo, a velocidade média de um carro é menor do que a de uma carruagem do século 20. Ainda sim, investimos grandes quantias de dinheiro em carros que podem andar mais rápido. Por isso, as grandes cidades de países ricos e em desenvolvimento estão repensando os transportes.

A melhor alternativa é o transporte público rápido. A experiência do sistema de ônibus de Curitiba é um modelo inspirador para prefeitos de vários lugares do mundo. Observo com interesse o que as cidades estão fazendo para abrir espaço ás bicicletas. Na China, por exemplo, houve um movimento na direção de substituir as bicicletas pelos carros. Mas, diante das evidências de que isso não daria certo, já se planeja seriamente como restaurar o equilíbrio entre os dois tipos de veículo.

IS: Qual é o papel de florestas tropicais, como a Amazônica, na redução das emissões de carbono?

LB: O desmatamento está se tornando a maior causa da mudança climática porque também lidamos com as queimadas das florestas. Acredito que na Indonésia, por exemplo, está acontecendo o mesmo. Aquela região é a terceira ou talvez a quarta região com maior emissão de dióxido de carbono no mundo. Isso não se dá por conta do número de automóveis, mas em decorrência do desmatamento. Pelo mesmo motivo, o Brasil também está em uma posição alta nesse ranking. O que precisamos ter em mente é que as florestas tropicais desempenham um papel muito importante. Elas seqüestram carbono e, no Brasil, “reciclam” as chuvas que vêm do litoral para o interior do país.

Uma das preocupações dos ecologistas é que o desmatamento continue na Amazônia, o que eventualmente fará com que a floresta comece a secar e fique vulnerável ao fogo natural, causado por raios, por exemplo. Se isso ocorrer, poderemos assistir ao completo desaparecimento da floresta tropical. O planeta teria uma paisagem muito diferente da que existe hoje. No lugar de densa vegetação, nasceria um ecossistema de savana ou talvez de deserto.

Estamos nos aproximando de um ponto em que o futuro da Amazônia está em xeque. E não vai demorar muito para chegarmos a um outro ponto, em que não seremos mais capazes de salvar o que restará da floresta. Nada, então, poderá ser feito. Isso será um desastre não apenas para o Brasil, mas para todo o mundo.

IS: Qual é a principal tendência para uma economia mais sustentável nos próximos 10 anos e como as corporações deveriam se preparar para essa nova realidade?

LB: Bem-estar e sobrevivência são essenciais no longo prazo. As empresas não podem sobreviver em um mundo no qual a civilização está em colapso. As companhias que enxergam um futuro sustentável começam a desenvolver seus produtos a partir dessa perspectiva. Elas serão as vencedoras no longo prazo.

No início dos anos 1980, a Dinamarca começou a construir turbinas eólicas para as primeiras fazendas de energia eólica no mundo, que ficavam na Califórnia, nos Estados Unidos. Alguns anos depois, os EUA perderam o interesse em energia eólica e removeram os incentivos. A Dinamarca criou incentivos para as suas próprias fazendas e continuou a construir, redesenhar e melhorar os geradores e turbinas. Há alguns anos, este pequeno país de cinco milhões de habitantes estava produzindo e licenciando quase metade das turbinas eólicas vendidas no mundo.

Existe um campo emergente de postos de trabalho no segmento das energias renováveis. Precisaremos de um enorme contingente de carpinteiros, encanadores e eletricistas para instalar aquecedores de água solares e células de energia solar. No lugar dos geólogos de petróleo, precisaremos de geólogos geotérmicos, mineralogistas e arquitetos solares.

Temos aí uma enorme oportunidade para desenvolver e expandir a economia. Os potenciais são enormes. Basta que os países e as empresas tenham a capacidade de enxergar mais longe.

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