Aprendendo a ensinar

Aprendendo a ensinar

Currículo, pedagogia, missão, valores… São muitas as mudanças necessárias às escolas de negócios diante dos desafios dos novos tempos. Protagonistas na formação dos que estarão à frente das empresas, essas instituições buscam, mais do que nunca, se reinventar

Por Cristina Tavelin

 

O líder sul-africano Nelson Mandela costumava dizer que “a educação é a arma mais poderosa que se pode usar para mudar o mundo”. Num planeta em transformação, o manejo dessa “arma” carece, portanto, de aprendizado constante. A humildade em reconhecer as próprias deficiências e a disposição de assumir compromissos emergem como imperativos dos novos tempos, sobretudo nas instituições cuja missão é formar as lideranças do futuro.

Nesse sentido, universidades e escolas de negócios do mundo todo mostraram, na recente Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, que estão fazendo a lição de casa. Convocadas pela Agência da ONU para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco), a Universidade das Nações Unidas, o Pacto Global, com apoio dos Princípios para a Gestão da Educação Responsável das Nações Unidas (PRME) e do Programa Ambiental das Nações Unidas (UNEP), cerca de 300 instituições de ensino superior assinaram no Riocentro, durante a Rio+20, uma declaração de apoio ao desenvolvimento sustentável, com o compromisso de inserção do tema no cerne de suas faculdades e dos currículos universitários. E discutiram-no amplamente no Fórum de Sustentabilidade Corporativa, evento paralelo à Conferência, organizado pelo Pacto Global das Nações Unidas.

De amparo para enfrentar o desafio, afinal, elas já dispõem. Desde 2008, os PRME – iniciativa nascida no âmbito do Pacto Global – vêm sendo trabalhados para incentivar as instituições de ensino superior a atuar de maneira responsável e de acordo com um conjunto de valores aceitos internacionalmente como fundamentais para o alcance da sustentabilidade.

Diante da necessidade de formação de novos líderes empresariais, mais conscientes dos impactos de suas escolhas nos diversos níveis, os PRME apoiam-se na mesma lógica estabelecida pelo Pacto Global para suas empresas signatárias, que devem cumprir 10 princípios – baseados nas Metas do Milênio – relacionados a direitos humanos, boas condições de trabalho, preservação do meio ambiente e combate à corrupção. Além de prestar contas sobre o cumprimento desses compromissos a seus stakeholders.

No caso das universidades e escolas de negócios, propõe-se a adoção de seis princípios, com a intenção de promover um aprimoramento contínuo da gestão educacional de modo a possibilitar a formação desse novo perfil de liderança.

Para facilitar o trabalho, os PRME foram reunidos no Inspirational Guide – Implementing the PRME in Executive Degree Programs, documento que traz, ainda, as melhores práticas das instituições signatárias.

Com base no Inspirational Guide, em entrevistas com líderes de escolas de negócios e nos debates realizados durante a Rio+20, Ideia Sustentável procura analisar, nesta reportagem, os principais desafios e tendências para as instituições de ensino, que terão papel primordial na mudança da forma de fazer negócios e, consequentemente, na preparação de uma nova sociedade.

Mudando o fluxo

No mundo moderno, indivíduos habituaram-se a basear a própria vida no fluxo do mercado. O que, já se sabe, não resultou necessariamente em melhorias para a sociedade.

“Como conciliar família e negócios, por exemplo? Muita gente está sofrendo por causa disso e essa discussão diz respeito à sustentabilidade”, diz Marcelo Paladino, reitor da IAE Business School, da Universidade de Austral (Argentina).

Nesse contexto, líderes inspirados devem ter a ousadia de começar a mudar as empresas, provocando um efeito em cascata que chegue às escolas de negócios. Assim como as demais instituições de ensino, elas exercem um papel fundamental, no sentido pleno da palavra: servem de fundamento e alicerce para a ética corporativa.

“Se as escolas de negócios – que desempenham um papel importante no desenvolvimento dos gestores – não estiverem comprometidas ativamente com a condução da agenda da sustentabilidade, estaremos prestando um grande desserviço à sociedade. Esse comprometimento deve ser visto claramente não apenas no currículo, mas também nas práticas, encorajando outras instituições, corporações e indivíduos a pensar e se mover nesse sentido”, avalia Enase Okonedo, reitora da Lagos Business School, na Universidade Pan-Africana (Nigéria).

A formação do educador

A mudança na pedagogia das escolas de negócios começa pelo educador. E, nesse ponto, a autocrítica do próprio profissional muitas vezes representa um tabu a ser ultrapassado. “Quando questionados se ensinam de forma responsável, todos os educadores respondem de forma afirmativa”, destaca Kai Hockerts, diretor de pesquisa da Copenhagen Business School (Dinamarca).

Para ele, a questão exige metas claras para o desenvolvimento efetivo dos professores. Assim como outros temas envolvidos na forma de repensar negócios, precisa-se ouvir mais em vez de somente expor os próprios conceitos. “Atualmente, há muita imposição de ideais e pouca escuta. Devemos deixar a pretensão de lado e pensar em como ajudar aqueles que estão se desenvolvendo”, enfatiza.

Nesse sentido, conduzir uma abordagem mais horizontal deve ser uma possibilidade a se considerar, evitando a repetição dos mesmos erros já cometidos na economia de mercado. “Antigamente se dizia: ‘o que é bom para a GM é bom para a América’. O mesmo se aplica às escolas de negócios, no sentido de ‘o que é bom para o professor é bom para o estudante’. Precisamos repensar essa lógica”, declara Roger Huang, reitor interino do Mendoza College of Business, da Universidade de Notre Dame (Estados Unidos).

A sensibilização do educador para o tema, portanto, é um primeiro passo a ser dado. Além disso, levar a mensagem apreendida de forma clara a estudantes e executivos torna-se essencial para gerar um efeito em escala. Huang acredita que o fato de sua universidade ser ligada a uma instituição religiosa facilita a tarefa de recrutar e sensibilizar os profissionais em relação à responsabilidade socioambiental. “Quando selecionamos alguém, queremos pessoas comprometidas com a missão de realizar um bem maior, que realmente acreditem que estão aqui para ajudar o mundo a se tornar um lugar mais próspero por meio de ideias inovadoras. Mas esse pode não ser o caso em outras instituições, onde talvez haja necessidade de mais esforço para unir as pessoas envolvidas”, avalia.

Mesmo que no início os educadores não estejam completamente “prontos”, a universidade procura auxiliá-los nessa formação. “No meu caso, ao longo do tempo fui aprendendo mais sobre a minha própria instituição e seu comprometimento em fomentar um bem maior. A instituição muda você. Inicialmente, a inspiração está mais voltada a promover atividades sociais em vez de repensar modelos de negócios, algo que precisa ser transformado com o passar do tempo”, acredita Huang.

Na Fundação Dom Cabral (FDC) – classificada como a oitava melhor escola de negócios do mundo, de acordo com o ranking 2012 de Educação Executiva do Financial Times – há um processo interno para a contratação de profissionais alinhados à sua missão. Professores de diversas áreas são convidados a assistir e questionar o candidato durante uma aula de apresentação, e sempre há a presença de algum integrante da área de sustentabilidade. “Buscamos em um professor ao menos uma predisposição, uma sensibilidade para pesquisar o assunto. Ainda não há um profissional pronto no mercado, não vamos encontrar um professor de finanças, por exemplo, com uma noção completa de sustentabilidade. Mas, como o tema está na estratégia da fundação, o professor acaba aderindo porque isso está pressuposto em suas metas; ele começa a nos procurar e pesquisar mais a respeito”, conta Maria Raquel Grassi F. Marques, gerente do Núcleo de Responsabilidade Social e Sustentabilidade da Fundação Dom Cabral.

O programa Educação Transversal da FDC possui um módulo focado em conversas, no qual os professores falam sobre o próprio entendimento sobre o tema, suas principais dúvidas e preconceitos. “Ouvimos e apresentamos nosso conteúdo para um alinhamento conceitual e chegamos a uma conversa sobre líderes sustentáveis. Se não oferecemos esse apoio para os docentes se envolverem, sempre vão acreditar que sustentabilidade é algo difícil de abordar em sala de aula”, pontua Maria Raquel.

Estudantes com visão holística

Uma das recomendações do Inspirational Guide dos PRME indica a necessidade de desenvolver as capacidades dos estudantes para tornarem-se futuros geradores de valor para negócios e sociedade em geral, trabalhando por uma economia global inclusiva e sustentável. Mas indivíduos e empresas já estariam preparados para isso?

De acordo com o documento, a função desses gestores como agentes de mudança pode ser realizada em dois níveis. Primeiramente, levando práticas mais sustentáveis e inclusivas para dentro das empresas nas quais atuam – gerando um efeito exemplar no sistema econômico como um todo. Em segundo lugar, esses executivos também podem e devem estar a par da situação econômica e participar de fóruns setoriais e organizações que fomentem negócios mais sustentáveis. Dessa forma, exercem uma influência direta sobre a transformação de regras, padrões, normas e cultura.

A fim de cumprir essas duas funções, os alunos precisam de um conjunto específico de capacidades e recursos que a educação clássica da administração é incapaz de fornecer completamente, destaca o documento. “Essas capacidades podem ser incluídas sob três conjuntos de competências: personalidade e caráter; habilidade de gerenciamento de tarefas de responsabilidade; e habilidade para cargo de alto impacto.”

Para trabalhar nesse sentido, a Lagos Business School desenvolve o Student Empowerment Project, que incentiva o empreendedorismo e a autodescoberta entre os jovens, com o objetivo de capacitá-los. “Os estudantes de MBA envolvidos nesse projeto trabalham com alunos de escolas secundárias da comunidade e abordam tópicos de discussão que incluem construção de carreira, aquisição de competências e capacitação para o trabalho. O projeto visa inculcar boas ferramentas de tomada de decisão e um trabalho ético forte para a carreira dos futuros executivos”, destaca a reitora.

A questão de gênero também é trabalhada na instituição. O projeto Educating Young Female Minds pretende engajar estudantes do sexo feminino da comunidade em relação a várias questões pertinentes ao seu desenvolvimento como membros responsáveis da sociedade. Os temas abordados incluem desenvolvimento de carreira, empreendedorismo, ética, nutrição e sensibilização sobre o HIV. O lema do projeto é ancorado no axioma: “Quando se educa um homem, educa-se um indivíduo; mas quando se educa uma mulher, educa-se uma nação.”

O Mendoza College of Business, da Universidade de Notre Dame, também tem buscado gerar uma visão ética de negócios em seus alunos. “Uma das capacidades mais importantes está no engajamento com o que chamamos de ‘essência’ da ética nos negócios”, avalia Huang. Na instituição, o programa Asking More from Business indica que os negócios precisam fazer sentido em três níveis: individual, corporativo e social. No individual, por meio da promoção da ética nos negócios, fomento à integridade e honestidade nos indivíduos e percepção de que uma empresa não deve simplesmente ‘ganhar’, mas ganhar da forma certa.

No nível organizacional, indica-se que a empresa deve ter noção de sua responsabilidade social e estar envolvida em questões de governança para alcançar um bem maior para a sociedade. No âmbito social, há programas de administração e graduação para gestão de organizações sem fins lucrativos. “Muitos estudantes do Mendonza vão para ONGs aplicar o conhecimento adquirido na universidade. Mas também levam esse espírito social para dentro de empresas comuns, as quais ainda não possuem metas estabelecidas de sustentabilidade ou não têm o tema entre seus principais focos de atuação”, ressalta Huang.

Esse posicionamento de universidades e escolas de negócios têm atraído o olhar de estudantes com uma visão mais ampla sobre o futuro das empresas diante dos desafios das mudanças necessárias a uma economia mais sustentável. “Eles olham para a universidade e pensam: ‘Ah, essa instituição tem uma longa história de liderança integral, de pessoas que acreditam na sustentabilidade’. Então é uma tendência dizer que sua crença está no comprometimento social da universidade. Eles se inserem em um lugar de acordo com suas crenças”, destaca o reitor.

Uma questão emergente nesse cenário, no entanto, diz respeito ao espaço de estudantes com visão holística dentro do ambiente corporativo. Algumas empresas sabem reconhecer esse esforço na busca por uma nova forma de fazer negócios; já outras temem uma mudança muito brusca.

Usando como metáfora o próprio mundo dos negócios, Huang recorre à sua própria visão sobre o movimento evolutivo do mercado para executivos mais conscientes. Segundo ele, universidades e escolas de negócios seriam o lado da “venda”, oferecendo aos estudantes uma consciência social, a preocupação com o seu papel na sociedade e com o meio ambiente. Já o mundo corporativo representa o lado da “compra”. “Quando houver demanda, o mundo corporativo dirá que a sustentabilidade é tão importante que, mesmo  sabendo um pouco menos sobre contabilidade, por exemplo, um determinado profissional será contratado para ‘a área de sustentabilidade’. Mas, na realidade, quando a empresa for decidir entre dois funcionários, para qualquer que seja a área, ela também deveria optar por aquele com um entendimento mais amplo sobre o tema. Precisamos, portanto, de algum tipo de estímulo para que pessoas com grandes intenções cheguem aonde devem. É como promover grupos de minorias”, reflete.

Bem longe dos EUA, mas com dilemas similares em suas escolas de negócios, a consciência crescente sobre sustentabilidade na África ainda não se traduz em mais oportunidades para os estudantes com essa expertise. “Esse avanço é improvável em um ambiente de negócios que jamais dispensaria um profissional por falta de visão holística. As empresas estão se movendo em direção à mudança, mas não sei se esta já é uma exigência em seus esforços de recrutamento. Elas ainda estão ávidas por mentes jovens e impressionistas, que podem ser moldadas à cultura corporativa”, destaca Enase, da Lagos Business School.

Olhando pelo lado positivo, como a ascensão do tema é uma tendência dentro das empresas, que precisam incorporar a sustentabilidade em seus processos de gestão, esse perfil profissional tende a ser cada vez mais requisitado. De acordo com Maria Raquel, da FDC, a procura tem aumentado aos poucos no Brasil. “Fizemos uma pesquisa junto a uma empresa de contratação de executivos para identificar se as companhias já consideram essas características quando selecionam um candidato. Poucas dispõem de um processo sistematizado e com critérios bem definidos. Mas já se percebe uma preocupação em avaliar se os possíveis selecionados têm uma visão mais sistêmica e possuem sensibilidade para questões socioambientais.”

Comprometimento da escola

A máxima de que “quem muito fala pouco faz” decididamente não se aplica às instituições de ensino que desejam formar lideranças para a sustentabilidade. Com o número crescente de alunos escolhendo onde estudar por sua crença nos valores associados, as escolas de negócio, por sua vez, necessitam manter uma estrutura interna condizente com o discurso, assumindo o tema como um compromisso. E deve vir da liderança o ímpeto de colocá-lo de uma forma transversal. “Começamos a discutir como incorporar as questões globais ligadas ao meio ambiente na leitura para formar uma visão de ameaças e oportunidades. Mas chegou um ponto em que não estávamos conseguindo mobilizar as pessoas. Nossa diretoria se sensibilizou e colocou metas no planejamento estratégico ligadas a essa visão”, destaca Maria Raquel, da FDC.

Essa consciência mais elevada dos estudantes também tem demandado novas propostas de cursos. “Há uma grande tendência nesse sentido nos EUA, onde os estudantes querem extrapolar as práticas responsáveis para o âmbito dos negócios. Por isso, eles procuram cursos específicos, condizentes com essa necessidade”, afirma Roger Huang, reitor da Universidade de Notre Dame. Nesse sentido, a instituição oferece o Principles of Business Sustainability, cuja proposta é justamenteoposta aço,vio novamente, ok!o link da postagem.  abordar os principais aspectos de um negócio sustentável. Também existem programas e graduações especiais para administração de ONGs, e não apenas nos MBAs. De acordo com Huang, precisa-se assegurar esse comprometimento em toda a universidade. O desafio está em como conseguir isso de forma efetiva. ”A missão da escola deve ser clara, fazendo os indivíduos pensarem em diferentes ângulos e implicações da sustentabilidade”, avalia.

Após tantos anos reproduzindo os mesmo modelos de negócios, a tarefa de olhar para si mesmas e refletir sobre a evolução necessária certamente não é tão simples; porém, imprescindível. “Precisamos repensar a missão das escolas. Hoje, elas não refletem o próprio impacto socioambiental”, avalia Paladino, da IAE Business School.

Outra necessidade apontada pelos especialistas para atender aos anseios dos novos estudantes é a busca de parcerias. “Para que as escolas sejam bem-sucedidas, é importante pensar com quem trabalhar”, enfatiza Paladino. “Parcerias com o setor privado são de extrema importância, não apenas para garantir que o currículo seja pertinente e aborde as necessidades das empresas mas também porque, dessa forma, as pesquisas realizadas pelo corpo docente são aprimoradas e tornam-se mais relevantes”, completa Enase, da Universidade Pan-Africana.

A Fundação Dom Cabral, por exemplo, atua em parceria com empresas para elevar a qualidade de vida em comunidades carentes de seus entornos, focando temas como empreendedorismo e educação de jovens por meio do projeto Raízes. Dessa forma, além de contribuir socialmente, amplia a percepção desses valores entre seus alunos. Há também um grupo para trabalhar inovações sociais dentro do comitê de sustentabilidade da instituição. O projeto Dignidade é voltado a pequenos empreendedores que geram algum impacto socioambiental positivo.

“No núcleo Petrobras temos parcerias com outras empresas e centros de referência em gestão, e aprendemos muito com eles. A partir desse contato buscamos desenvolver novos processos”, conta Maria Raquel.

Não temer o enfrentamento de questões polêmicas também é um desafio que se apresenta tanto às escolas quanto a seus alunos. “Precisamos ir fundo em questões e empresas duvidosas; não devemos temê-las. Em sistemas corrompidos não há como ser sustentável”, pontua Huang.

A experiência da realidade

Num momento em que quase tudo se torna virtual – ensino, relações sociais, mobilizações -, a realidade física é quase uma novidade, inclusive no âmbito dos negócios. E, obviamente, conhecer de perto os problemas socioambientais que afetam o planeta, até para compreendê-los melhor, é essencial. A formação por meio da busca de soluções para conflitos reais, portanto, apresenta-se como forte tendência para os próximos anos nas escolas de negócios. “Trabalhar com casos específicos faz os estudantes irem do confronto à cooperação”, acredita Paladino.

Na Universidade de Notre Dame, o Texas System Program segue essa tendência. “Enviamos estudantes a locais que acabaram de passar por uma guerra para causar impacto e fazê-los colocar em prática o que aprenderam. E eles desejam colocar mais a mão na massa, obter aprendizado onde puderem”, destaca Huang.  Já no Businesses on the Frontline, os estudantes têm sete semanas de aula e vão para lugares onde as economias locais estão começando a se desenvolver e precisam de auxilio; ou onde exista algum conflito ou quadro de violência local. “Dividimos o semestre em duas metades; na segunda, eles trabalham com ONGs de impacto social no que chamamos de Life Cases. Dessa forma, aprendem sobre tomada de decisão, aplicando os conhecimentos da sala de aula na prática”, conta o reitor.

Ainda nos EUA, a Bentley University integrou um serviço de aprendizagem em seu currículo e envolveu mais de mil estudantes no apoio a cerca de 30 organizações comunitárias. Já na França, na Grenoble École de Management (GEM), os alunos participam da Citizen Act, um tipo de jogo com o objetivo de moldar o banco socialmente responsável do futuro. Na Alemanha, a European Business School (EBS) criou o programa Do it! Service Learning, no qual os alunos se engajam com as comunidades locais e organizações relacionadas ao bem-estar.

Este ano, a Lagos Business School iniciou um programa que exigiu tempo integral dos participantes de MBA para maior envolvimento com a comunidade. Além disso, há um programa de estágio onde estudantes interagem com várias empresas, também com o intuito de apreender um sentido de responsabilidade social – a iniciativa Personal Social Responsibility exige que todos os participantes escolham um projeto comunitário para desenvolver experiência com base na realidade. “Temos visto relatórios muito bons de atividades por parte dos nossos estudantes de MBA”, avalia Enase.

Voltando ao Brasil, a Fundação Dom Cabral possui um campus próximo a Inhotim (MG), onde os alunos de MBA têm aulas no Museu Aberto de Arte Contemporânea para análise da perspectiva de desenvolvimento de um empreendimento ligado à arte e à natureza. Entretanto, a instituição não deixa de lado o modelo mais clássico de ensino. “Muitas escolas estão repensando o conceito de disciplina. A partir de uma vivência, fazem uma costura metodológica de forma sistêmica. No nosso caso, temos buscado algumas metodologias, mas não dispensamos o aspecto formal das disciplinas”, revela Maria Raquel.

Estrutura para evoluir

Para gerar conhecimento diante dos inúmeros desafios que se apresentam para os próximos anos, as escolas têm investido na ampliação de sua base de conhecimento por meio de bibliotecas e centros de pesquisa cada vez mais aprimorados. Entretanto, manter uma área especificamente voltada para a inserção da sustentabilidade nos currículos pode tornar o processo mais eficiente. “Primeiro as escolas precisam tratar o tema de forma transversal. Mas isso não prescinde da existência de uma equipe em sustentabilidade para aprofundar a temática, indicar pontos e tendências”, destaca Maria Raquel.

Segundo a coordenadora da Dom Cabral, a área de sustentabilidade tem a função de pesquisar e encontrar conexões entre as disciplinas. E, nesse momento, atentar para os aspectos estruturantes é imprescindível. “Pedagogia e currículo são fundamentais. Se começo a pensar nessas duas questões, posso incorporar o desafio de repensar modelos de negócios. Programas de pesquisa são importantes, mas também é preciso saber quais áreas devem ser priorizadas”, avalia.

O Inspirational Guide sugere incorporar às atividades acadêmicas e currículos os valores de sustentabilidade de iniciativas internacionais, como as do Pacto Global. Para dar início a uma jornada de mudança que pode ser longa, o documento indica como primeiro passo a inclusão de normas dos direitos humanos, trabalhistas, ambientais e anticorrupção nas atividades acadêmicas executivas e currículos. Essa integração deve ser vertical – começa nos sistemas de gestão da própria escola e atinge toda a programação de cursos.

O documento recomenda iniciar a formação de grupos, organizações e estimular iniciativas no campus, além de promover workshops e conferências temáticas. E os valores escolhidos pela instituição devem estar integrados às  atividades curriculares e cocurriculares. “As escolas de negócios sempre tiveram uma divisão muito cartesiana entre as disciplinas, forma de currículos e grades, em um sistema desintegrado. Só que o tema da sustentabilidade é amplo e há dificuldade em encaixá-lo em uma só disciplina. Será que professores da área socioambiental, por exemplo, teriam propriedade para falar da relação do tema com o marketing? A ajuda mútua entre os docentes é muito importante para identificar conexões a serem exploradas”, destaca Maria Raquel, da FDC, representante de uma diretoria cuja função é desenvolver conhecimento em sustentabilidade para ser aplicado em cada disciplina.

O estabelecimento de estruturas, materiais, processos e ambientes que possibilitem experiências eficazes de aprendizado para a liderança responsável também são citadas no Inspirational Guide. O desenvolvimento de competências necessárias não precisa ficar reduzido apenas à sala de aula, mas fomentado em um amplo programa institucional. A Bentley University, por exemplo, implementou o Academic Integrity System (AIS), com o objetivo de inspirar um compromisso com a ética como parte da educação empresarial, gerando um impacto positivo dentro da sala de aula.

No sentido do estimulo à economia de recursos, um bom exemplo vem do México. No início de 2010, o campus San Luis Potosi, do Tecnologico de Monterrey, introduziu um projeto-piloto para uso de e-readers em suas bibliotecas, num esforço para eliminar materiais impressos.

No âmbito da geração de conhecimento, a Goethe University, em Frankfurt (Alemanha), organizou uma coleção de livros sobre gestão responsável em sua biblioteca, incluindo uma grande variedade de títulos relacionados ao desenvolvimento sustentável, responsabilidade social e ética, que oferece suporte à implementação em sala de aula.

Comunicação plena

Qual o sentido da existência de um negócio? Esse questionamento, aparentemente simples, agora é debatido pelas escolas como um dos temas e insights mais importantes para a formação de gestores responsáveis. “Na Coreia, por exemplo, é muito difícil ingressar em uma instituição desse tipo. Um dos quesitos levados em conta é justamente a visão do aluno sobre os objetivos do negócio”, destaca Stephen Young, professor titular de economia na Brighton University Business School (Reino Unido).

Em um movimento contínuo, escolas devem evoluir junto com a sustentabilidade, além de promovê-la. “Não pense na sustentabilidade como algo estático para as escolas de negócios”, afirma Huang.

Um dos princípios destacados no documento do PRME trata do engajamento em avanços conceituais e empíricos de pesquisa que ampliem a compreensão sobre papel, dinâmica e impacto das corporações na criação de valores social, ambiental e econômico sustentáveis. E um dos exemplos citados vem do Brasil. O Instituto Superior de Administração e Economia da Fundação Getúlio Vargas (ISAE) publicou um livro intitulado Sustainable Shift, descrevendo a própria história institucional e sua experiência na busca de uma educação em gestão responsável.

O Tecnologico de Monterrey, no México, desenvolveu um conceito para a aplicação da responsabilidade social intitulado CSR 2.0, por meio de uma abordagem colaborativa, envolvendo oito estudantes-pesquisadores de graduação e 15 executivos da alta direção de corporações internacionais. O resultado da pesquisa foi publicado em um manual e serve como base para uma série de workshops.

Além de fazer, também é preciso comunicar de forma adequada. Os movimentos de atividades comunicativa e cooperativa, excedentes ao nível de comunicação pura, são muito confundidos, de acordo com o Inspirational Guide.

No princípio de cooperação, o Instituto para Gestão de Responsabilidade Corporativa da Steinbeis University (Alemanha) fundou uma consultoria de estudantes, a CampuSResponse, que desenvolve soluções de RSC na área de cada aluno. Já a Grenoble École de Management estruturou o programa CSR Together, com o objetivo de fornecer soluções de gestão responsáveis para pequenas e médias empresas.

Em relação à comunicação pura, o Leipzig Graduate School of Management, na Alemanha, organiza o Discurso Anual de Responsabilidade Corporativa, um fórum de intercâmbio entre grupos de diversos stakeholders. Enquanto isso, a Montpellier Business School, na França, realiza anualmente a Semana do Desenvolvimento Sustentável, que inclui uma série de palestras e debates para facilitar o intercâmbio de experiências e pontos de vista.

Para atender aos princípios de cooperação e comunicação de forma conjunta, as escolas francesas Grenoble École de Management e Strate Design College ajudam-se mutuamente no desenvolvimento de soluções de design sustentável.

E professores, alunos e funcionários da Maharishi University of Management (EUA) têm se envolvido ativamente no desenvolvimento do plano de sustentabilidade para a cidade de Fairfield, em Iowa.

São inúmeros os desafios nos próximos anos para as instituições de ensino na formação de líderes e gestores responsáveis. Experiências e vontade de fazer não faltam. E, como diz o educador Rubem Alves, ”há escolas que são gaiolas e há escolas que são asas”. Torçamos, portanto, para que elas possam ajudar seus alunos a alçar vôos mais altos.

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