Contardo Calligaris

Contardo Calligaris

Por Cláudia Piche

A frase-título desta entrevista certamente provoca reflexão. E, sem dúvida, essa é uma característica marcante do psicanalista italiano, radicado no Brasil, Contardo Calligaris. Doutor em psicologia clínica, colunista de jornal e escritor, Calligaris dedica-se especialmente às questões da adolescência – fase da vida que dá nome a um de seus livros mais lidos e estudados -, justamente por considerá-la uma das mais potentes fontes de energia da atualidade.

Ética e sustentabilidade na educação de jovens e adolescentes foram temas da entrevista concedida à Ideia Sustentável, durante evento para educadores em São Paulo.

Ideia Sustentável – Na sua opinião, a educação de jovens e adolescentes tem levado em conta as questões de sustentabilidade?

Contardo Calligaris – Em algumas escolas que conheço – porque visitei, inclusive como palestrante, ou pelo contato com os pais – acho que no mínimo existe essa ambição. Mesmo no ensino público (sem generalizar), vejo que existe a preocupação de sensibilizar essa população – falo de até 12 anos, do Ensino Médio e até alunos menores – com a questão da sustentabilidade. Uma coisa que era totalmente fora do campo de interesse de uma criança da minha geração.

Lembro-me do primeiro Relatório do Clube de Roma (publicado em 1972 e intitulado de Os Limites do Crescimento, tornou-se o primeiro documento de repercussão sobre o tema entre cientistas e governantes. Também conhecido como Relatório Meadows, o estudo propunha crescimento econômico zero e influenciou, de maneira decisiva, o debate na Conferência de Estocolmo, realizada no mesmo ano, quando surgiu a primeira definição do termo sustentabilidade) – que, aliás, era excessivamente alarmista, porque carregava no tom de que o mundo iria acabar logo. Isso era recebido, no fundo, com uma certa dose de ceticismo. E, realmente, não entrava no currículo escolar de nenhuma maneira. Isso sensivelmente mudou. Você deve ter constatado uma enorme quantidade de crianças pequenas que são capazes, por exemplo, inclusive de fazer observações aos pais sobre condutas antiecológicas de qualquer tipo. Na minha época, no máximo, alguém poderia dizer: “Vamos apagar a luz porque não somos sócios da Light!” Mas, hoje, a preocupação existe porque a energia é questão de preservação do planeta.

IS – Falando mais especificamente do adolescente, você acha que entre eles há espaço para essa discussão? Considerando-se o mundo individualista, consumista e materialista em que vivemos, como ela “pega” o adolescente?

CC – Existe sim. A vida simples, hoje, é um lifestyle constituído como tal. Podemos até achar engraçado, mas é. Vida simples não é somente a expressão de um cuidado ou simplificar formulários burocráticos, mas realmente ter uma vida de menor impacto, com menor “pegada” no mundo. É um estilo de vida assumido pela roupa que se escolhe, a quantidade, os materiais usados, reciclados ou não – independentemente se o custo será mais vantajoso -, a maneira de decorar seu apartamento. Tudo isso é um estilo de vida. Talvez menos no Brasil do que nos Estados Unidos ou na Europa. O que também é compreensível, porque, paradoxalmente, você não vai poder pedir essa atenção às classes que acabam de ter acesso ao consumo, porque elas vão querer provar tudo o que os pais não tiveram ou puderam. É muito cedo para pedir isso aos adolescentes no Brasil.

IS – Ética e valores são essenciais quando se fala em sustentabilidade (refiro-me não apenas ao aspecto ambiental do termo, mas também econômico e social). Você acha que esses deveriam ser temas dos currículos escolares para adolescentes e jovens?

CC – Não acredito que ética e valores possam ser matérias curriculares. O único ensino de ética que vi funcionar eram as aulas de dilemas éticos inventadas por Lawrence Kohlberg (psicólogo e filósofo americano, contemporâneo de Jean Piaget, dedicou-se a estudar o desenvolvimento moral do ser humano, de 1958 até sua morte, em 1987), e não disporíamos de pessoas qualificadas para isso. Um ensino positivo de valores seria recusado pelos jovens – e, devo dizer, com minha total aprovação.

IS – Os adolescentes de hoje serão nossas lideranças de amanhã, nas empresas e nos governos. Como atrair a atenção deles para as questões da sustentabilidade sem que isso pareça chato, de modo que possamos ter esperança em lideranças mais éticas no futuro?

CC – A ficção (cinema, em particular) já se ocupa disso há tempos. Não é nenhuma surpresa. O patrimônio ético da modernidade está nas ficções – literárias, cinematográficas, televisivas. Escreva um bom seriado sobre o tema e será muito mais eficiente do que 100 aulas!

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