Impactos da (in)sustentabilidade na reputação das empresas

Impactos da (in)sustentabilidade na reputação das empresas

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Há vinte dias, ao final de uma palestra minha sobre sustentabilidade e reputação, os participantes decidiram esticar o debate para além dos 90 minutos combinados. E, como acontece nas conversas animadas, só percebemos o tempo quando o zelador do teatro começou a fechar as portas. Na pauta, claro, os recentes episódios envolvendo os escândalos de propina da Lava Jato, o acidente da Samarco em Bento Rodrigues (MG), o caso da fraude nos carros movidos a diesel da Volkswagen e outros tantos de que tratei na palestra.
Os escândalos que decorrem de impactos ambientais, como o da Samarco, ou sociais, como o desabamento do Rana Plaza, em Bangladesh, costumam ser rapidamente compreensíveis sob a perspectiva de um conceito de sustentabilidade. Já os ligados a ética, integridade e transparência – circunscritos na chamada dimensão econômica– exigem uma redefinição ampliada do conceito, o que, normalmente, faço para equalizar informações.
Sustentabilidade para uma empresa significa pensar e fazer negócios de um jeito novo, com ética, transparência, integridade, responsabilidade, respeito ao outro, cuidado com o meio ambiente e geração de valor para todas as partes interessadas. O enunciado, intencionalmente simples, diz o essencial. Identifica as três dimensões (econômica, social e ambiental) do famoso conceito de triple bottom line, cunhado nos anos 1990 pelo inglês John Elkington. Propositalmente, não faz alusão a lucro/ resultado econômico por considerar que essas variáveis, ao contrário da ambiental e da social, definem um negócio e uma empresa desde que o mundo é mundo. Mas procura incorporar novas expectativas das sociedades a respeito da atuação das empresas neste século 21.
Os cidadãos de todo mundo, cada vez mais conscientes, estão crescentemente mais atentos a como e a que custo as empresas produzem. Nesses tempos bicudos de mudanças climáticas, esgotamento de recursos naturais, transparência radical via redes sociais e aumento de desigualdades sociais, vejo cada vez mais pessoas rejeitando e punindo o resultado econômico decorrente de aumento das emissões de gases de efeito estufa, destruição do meio ambiente, desrespeito a direitos humanos, fraudes, mentiras e enganações.

O leitor há de concordar que as empresas citadas no início do texto ignoraram essa tendência. E por isso estão pagando uma conta amarga na forma de multas, indenizações, perda de valor de mercado, destruição de ambiente de negócios e de ativos intangíveis de imagem, reputação e marca. Um dos ouvintes da minha palestra, talvez o mais sênior deles, ex-executivo de uma empresa enrolada em denúncia ambiental, alegou não entender as razões pelas quais, mesmo sendo protagonistas em seus mercados, essas companhias agiram de modo irresponsável frente aos riscos inerentes a decisões claramente “não sustentáveis.”
Como resposta ao homem, apresentei a tese que agora divido com você, leitor. Sejam quais forem essas razões, elas parecem guardar em comum um mesmo ponto de origem: o foco das decisões (ou da ausência delas) levou em conta tão somente motivações econômicas. Um raciocínio baseado na lógica da sustentabilidade exigiria, ao contrário, antes de tudo, considerar eventuais externalidades socioambientais negativas, apurá-las à exaustão, ponderar acerca de seus riscos concretos, estabelecer estratégias preventivas de minimização, eliminação e compensação para, depois – e só depois –, chegar à melhor decisão econômica. Com a devida segurança. Com o cuidado desejado. Não fosse pela convicção de que isto é o certo a se fazer, pela conveniência de que uma lógica de triple bottom line serve, sobretudo, como uma espécie de seguro de proteção do valor econômico da companhia.
Ainda incomodado, o ex-executivo acrescentou à conversa uma segunda pergunta: “Sendo a lógica do triple bottom line, por virtude ou interesse, a única razoável para a tomada de decisões empresariais equilibradas; e mais até, considerando o seu potencial preventivo para crises corporativas, por que então ainda prevalece a lógica do bottom line?” Sem, claro, esgotar assunto tão vasto e complexo, apontei como causa um raciocínio viciado e perverso que faz girar a roda das empresas: pressionada por acionistas que querem dividendos crescentes e rápidos, asfixiada numa cultura de economia empresarial que trata externalidades como custos a evitar, minimiza custos para maximizar lucros no curtíssimo prazo e enxerga como despesas investimentos não mensuráveis pelo ROI, a maioria dos líderes parece encontrar um porto seguro – ainda que ilusório – nas decisões de caráter estritamente econômico. Como se elas se bastassem em si próprias, não precisando, como as sociais e ambientais, de justificativas. Como reflexo também de um mindset, igualmente degenerado, parte desses líderes flexibiliza princípios éticos nos negócios, praticando uma espécie de “ética da porta pra fora”, moralmente equivocada, absolutamente arriscada, mas ainda assim aceita e tolerada (às vezes sem mesmo qualquer constrangimento) no dia a dia das organizações.

Não milito entre os que enxergam nos sistemas de compliance a panaceia para todos os males éticos corporativos, embora reconheça a sua relevância. As empreiteiras ligadas à Lava Jato tinham códigos de conduta parrudos, a Volkswagen havia firmado compromisso público para reduzir emissões de carbono, e a Samarco colecionava os mais importantes selos de excelência operacional. Nada disso foi o bastante para evitar os desvios éticos.
Minha crença, baseada em experiência profissional, é que os riscos tendem a ser menores quanto mais a sustentabilidade deixar de ser vista como um “conjunto de iniciativas pontuais, marginais e acessórias” para se transformar, sob uma ótica sistêmica e interdependente, em elemento constitutivo da estratégia da companhia, influenciando missão, visão, objetivos, estratégias e metas. Se quiserem, portanto, ser mais precavidas, as empresas precisarão compreender que as questões ligadas ao universo conceitual da sustentabilidade, potencialmente críticas, não poderão mais ser responsabilidade exclusiva de um departamento, nem reféns de uma lógica de atividades suplementares a se cumprir, mas sim, de cada um dos seus líderes, orientando todas as decisões de negócio, das mais simples às mais complexas.
Ricardo Voltolini é professor, escritor, palestrante e diretor-presidente da consultoria Ideia Sustentável: Estratégia e Inteligência em Sustentabilidade, idealizador da Plataforma Liderança Sustentável e autor de Conversas com Líderes Sustentáveis (Senac-SP/2011), Escolas de Líderes Sustentáveis (Elsevier/2014), Sustentabilidade como Fonte de Inovação (Ideia Sustentável/2016), entre outros.

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