O greenwashing dos consumidores

O greenwashing dos consumidores

Por Fabián Echegaray

Uma pergunta tortura o sonho dos convertidos à sustentabilidade: como entender que uma maioria dos consumidores se identifique com um comportamento socioambiental responsável, mas apenas uma minoria efetivamente se engaje em condutas sustentáveis? O que explica a brecha entre práticas minimalistas e interpretações grandiloquentes sobre quão verde é a atuação individual?

Essa distância entre o que as pessoas declaram fazer e o que realmente fazem não é nada desprezível e traz complicações para empresas, ONGs e governos comprometidos com o progresso da agenda sustentável. Portanto, identificar o que está por trás dessa aparente maquiagem do comportamento pessoal poderia facilitar várias decisões.

Ao se deparar, por exemplo, com contrapontos em que, de um lado, têm-se mais de 60% dos consumidores dispostos a pagar mais por produtos sustentáveis ou privilegiar empresas éticas e, de outro, apenas 20% que efetivamente premiam companhias [dados válidos para o Brasil do Monitor de Responsabilidade Social 2011 / dez-2010/jan-2011], uma reação tradicional tem sido a de reclamar da inconsistência das pessoas, questionar a validade ou utilidade das pesquisas como barômetros do humor público e demover o debate sobre governança socioambiental da lógica econômica de oferta-procura, uma vez que esta última – aparentemente – careceria de coerência e, portanto, de peso.

Mas quem genuinamente pensaria que a agenda da sustentabilidade poderia prescindir da força dos consumidores, portanto da procura, para se afirmar e expandir? Mesmo levando em conta a influência reguladora do governo e a motivação de manter competitividade diante da concorrência, são poucas as vozes dispostas a negar a gravitação do consumidor na consagração da responsabilidade corporativa, ainda que ele possa revelar algumas inconsistências de comportamento. Se a voz da demanda é importante, será então que o greenwashing dos consumidores não é mais do que a contraface do greenwashing das grandes empresas e do governo?

Para exemplificar o que queremos dizer com “maquiagem sustentável” ou greenwashing dos consumidores recorremos aos dados do estudo anual Monitor de Responsabilidade Social 2011 realizado pela Market Analysis em mais de 25 países. O estudo abordou, junto aos consumidores, duas perguntas de especial importância para mensurar essa propensão à maquiagem sustentável. Primeiro, se eles concordavam ou não com a afirmação: “Eu só compro produtos e serviços de empresas éticas e responsáveis.” E, segundo, se ao longo dos últimos 12 meses tinham agido para recompensar uma empresa que julgassem socialmente responsável, comprando seus produtos ou falando bem dela para outras pessoas. A primeira pergunta remete à interpretação de cada indivíduo sobre sua posição diante da sustentabilidade – é um aspecto mais atitudinal e declaratório; a segunda recolhe diretamente a experiência de comportamento. A diferença entre ambas indicaria a propensão ao greenwashing pelo consumidor.

Ao analisar o conjunto de sociedades investigadas, surgem duas constatações: 1) a tendência ao greenwashing é majoritária, embora – talvez para surpresa de muitos – não seja a única forma de relação dos consumidores com o tema; 2) as discrepâncias emergentes sugerem admitir que, na cabeça dos consumidores, a adesão a um modelo positivo de reconhecimento de empresas (“recompensar”) não leva o indivíduo a interpretar sua conduta geral como necessariamente orientada pela ética e a sustentabilidade. Assim, por exemplo, em muitos países desenvolvidos em que o índice de maquiagem sustentável é negativo, podemos entender que os consumidores acham que, embora já estejam contribuindo, ainda há muito a fazer em termos de compromisso pessoal (revelando uma espécie de ativismo altruísta, no qual o “ser responsável” é mais parte do cotidiano do que o “se sentir” dessa forma). Independentemente da direção, a brecha existente em cada sociedade comunica a necessidade de outros atores (como as empresas) facilitarem uma conciliação na mente e prática do consumidor entre a forma como ele interpreta suas escolhas no atacado e age concretamente no varejo.

Se não faz sentido jogar a culpa dessas lacunas em supostas incapacidades do consumidor, já que é ele, na condição de demandatário, um ator essencial à emergência da própria noção e política de sustentabilidade corporativa, então como explicar essas distâncias? Exploramos duas hipóteses a respeito da intensidade do greenwashing do consumidor, como resultado de: a) condicionamentos financeiros individuais (maior ou menor poder de compra, afetando a capacidade de converter intenções em ações); e b) fatores institucionais indicativos da capilaridade e disseminação da sustentabilidade corporativa (em outras palavras, da maior ou menor maturidade do movimento de responsabilidade empresarial em cada sociedade). Para medir o primeiro fator usamos o PIB per capita de cada país, avaliado segundo o poder de compra; para o segundo fator, o número de empresas publicando balanços segundo formato GRI. As próximas duas figuras sintetizam a eficácia de cada hipótese em explicar o excesso (ou recesso) de greenwashing.

A propensão a adotar o greenwashing pelo consumidor responde muito mais a restrições de ordem financeira do que ao contexto institucional ou de maturidade da governança corporativa. Tomada cada explicação individualmente, a interpretação desde o poder de compra é quase três vezes maior do que partindo da perspectiva da força de disseminação institucional da sustentabilidade como modelo organizacional das empresas em cada sociedade.

Isso não significa que o desenvolvimento do movimento pelo mundo corporativo seja irrelevante. Nem um pouco: ele, sozinho, consegue explicar 24% das variações entre as diferentes sociedades no que diz respeito à sua inclinação de maquiar ou não suas atitudes.

Assim, ainda que o poder de compra pessoal dê conta de 70% da explicação da propensão à maquiagem sustentável do consumidor, os dados revelam que o caminho não passa apenas por ampliar e diversificar o movimento da sustentabilidade corporativa mas também por tomar certas decisões-chave para facilitar a conciliação da leitura do consumidor sobre o que ele acha que faz com suas ações efetivas. Se o peso do financeiro continua sendo tão importante, podemos esperar que, à medida que os habitantes dos países emergentes continuem enriquecendo, em breve esses cidadãos poderão seguir o rumo das sociedades mais maduras e reverter o greenwashing em forte ativismo. Contudo, existe outro caminho que reserva um papel mais ousado e presente para as empresas: não esperar o atual processo de mobilidade social dar conta do recado e se antecipar, convertendo os produtos e serviços sustentáveis em acessíveis ou persuasivos a partir de uma perspectiva custo-benefício. Ou seja, em vez de esperar o poder de compra individual subir a montanha da sustentabilidade assentada em preços premium, trazer o custo de adoção da sustentabilidade mais próximo ao atual e futuro poder de compra dos consumidores.

A democratização do mercado verde é sem dúvida a melhor resposta para reduzir a atual brecha entre palavras e comportamento, via uma ampliação do número de empresas engajadas formalmente no processo (o argumento institucional) ou via uma compatibilização dos preços da oferta sustentável em termos convenientes e persuasivos para o atual consumidor dentro das suas condições financeiras de curto e médio prazo (o argumento econômico). Na medida em que empresas e governos não fazem o que falam (o conhecido walk the talk dos profissionais da sustentabilidade), a demora para superar o greenwashing dos consumidores será maior.

Fabián Echegaray é Ph.D em Ciência Política pela Universidade de Connecticut (EUA) e diretor-geral da Market Analysis, instituto de pesquisas especializado em sustentabilidade e responsabilidade social.

Inscreva-se em nossa newsletter e
receba tudo em primeira mão

Conteúdos relacionados

Entre em contato
1
Posso ajudar?