O olhar da colaboração

O olhar da colaboração

Por Renato Kiyama

O Brasil possui todas as características para se tornar um polo de negócios inovadores que atuam para resolver problemas sociais. Por um lado, ainda temos graves problemas nesse âmbito. Por outro, percebemos uma perspectiva econômica favorável nos últimos anos. Entretanto, uma pergunta tem permeado os centros de debate sobre negócios de impacto social: quem desenvolverá esses negócios?

A explosão dos consumidores de baixa renda tem balançado o cenário econômico no Brasil. Esse fenômeno nos força a resgatar ensinamentos de 20 anos atrás trazidos por C.K. Prahalad, guru internacional em estratégia. Inspirado pelo potencial de consumo da chamada base da pirâmide, afirmava que as multinacionais seriam as únicas com competência e recursos suficientes para suprir as necessidades não atendidas dessa população. Hoje, no entanto, percebe-se o contrário. Uma revolução silenciosa, liderada por milhares de empreendedores ao redor do mundo, demonstra que são as pequenas empresas, não as grandes, que detêm o conhecimento e a agilidade para desenvolver essas inovações. Os principais casos de negócios sociais no mundo resultaram do trabalho pioneiro de empreendedores perspicazes.

Por serem pequenos, os empreendimentos começam com soluções que funcionem localmente em suas regiões. A proximidade e o diálogo diários com os clientes abre espaço para o “acidente da inovação”. Ou seja, a inovação não é algo buscado como um fim, mas acaba acontecendo simplesmente porque as premissas iniciais não funcionaram como esperado. Depois da constatação do erro, a mudança ocorre de forma ágil, porque não existem camadas políticas a serem consideradas na tomada de decisão. Por entender de diversos ângulos, as pessoas com que trabalham os empreendedores não se limitam a poucas alternativas de ação. Essa interação com o ambiente e adaptação contínuas conduzem os empreendedores a inovações acidentais que geram valor real para as comunidades. É claro que esse processo aparentemente caótico também pode levá-los a decisões puramente oportunistas. Nesse caso, a missão social clara e focada dos negócios sociais serve como um guia de orientação para escolher entre as alternativas que se apresentam, evitando assim a tomada de decisões reativas.

Grandes empresas podem facilitar esse processo, promovendo plataformas que alavancam as soluções desenvolvidas pelos empreendedores e, ao mesmo tempo, beneficiam o seu negócio. Essa não é uma ideia nova. As principais empresas de tecnologia, como Google, Apple e Facebook, sabem que nunca conseguirão inovar na velocidade e escala necessárias comparadas ao conjunto de pessoas criativas espalhadas ao redor do mundo. Nesse sentido, desenvolveram “produtos plataformas”, que permitem com que milhares de empreendedores desenvolvam inovações locais, podendo tornar-se empresas de sucesso.

Multinacionais de outros setores possuem ativos valiosos que podem servir como plataformas para empreendedores sociais: rede poderosa de distribuição, marcas globalmente reconhecidas, força de penetração das suas estratégias de comunicação. O surgimento de modelos de negócios sociais com escala virá da parceria entre essas duas entidades.

Um exemplo brasileiro de parceria desse tipo é o do Walmart com a Solidarium, esta última um negócio social fundado em 2007, cuja missão é “tirar produtores da situação de pobreza desenvolvendo canais de comercialização incomparáveis para os produtos que eles produzem”. O Walmart necessitava desenvolver sua estratégia de vendas de produtos sociais, um mercado que vem sendo observado pelas redes varejistas nos últimos anos. Assim, utilizou seu maior ativo, o poder de distribuição, como plataforma para novos empreendedores. Um ano depois, a Solidarium aumentou em 101,28% seu faturamento, com 32 de seus produtos cadastrados na rede. Nesse caso, cada um se preocupa em fazer o que sabe de melhor. A Solidarium articula o design e a produção das diversas comunidades cuja fabricação tem pouca escala; e o Walmart abre espaços em suas gôndolas para elas e, por que não, diversos outros negócios sociais igualmente interessantes no Brasil.

Para a construção de um setor forte de negócios de alto impacto social no Brasil é necessária a atuação das grandes empresas, dos empreendedores e, especialmente, da colaboração entre esses dois atores. O olhar da colaboração, ao contrário das iniciativas unilaterais, propõe um desafio mais complexo. Porém, um desafio que vale a pena ser enfrentado.

Renato Kiyama é coordenador da Aceleradora de Impacto da Artemísia.

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