Relatórios empresariais: uma agenda que se renova

Relatórios empresariais: uma agenda que se renova

Especial 20 anos de Ideia Sustentável: Relatórios de Sustentabilidade

Por Nelson Carvalho
 

As questões de proteção ambiental, ou esforços de “defesa do planeta”, vêm preocupando governos e a sociedades há tempos. A iniciativa talvez mais contundente ocorreu na Conferência Mundial de Meio Ambiente, em 1972, quando o tema extrapolou o restrito núcleo de ambientalistas e envolveu chefes de Estado e de governo num esforço de construir iniciativas para mitigar os efeitos negativos das agressões ao meio ambiente.

Ao longo do tempo desde então percorrido, várias iniciativas tentaram conectar o mundo empresarial ao tema sustentabilidade; uma das que prosperaram de forma razoável foi a batizada de Triple Bottom Line.  Propunha às empresas que, em vez de focar-se apenas na busca pelo lucro (o bottom line da Demonstração de Resultados), fossem acrescidas mais duas dimensões de atenção na gestão empresarial: pessoas e a natureza.

Foi criada a imagem do profit, people and planet para sintetizar a nova proposta de expansão do escopo dos gestores empresariais – em vez de limitarem-se a buscar rentabilidade, a recomendação era que o fizessem atentando para o bem-estar das comunidades com que se relacionavam (força de trabalho, vizinhança da empresa, por exemplo) e para medidas preventivas ou corretivas de agressões ao meio ambiente (evitar ou corrigir poluições de rios, lençóis freáticos, solos, ar).

Empresas são fundamentais na busca por felicidade de sociedades e nações: geram empregos, pagam tributos para que Estados nacionais executem seus mandatos de conduzir países, e geram riqueza. O modelo da produção ou distribuição de bens e serviços, sob a forma de organização empresarial, com o devido controle do Estado, é um modelo de sucesso e alavanca de muito do progresso que hoje vivemos.

E a forma mais tradicional, embora não única, de empresas se comunicarem com seus públicos-alvo na sua cadeia produtiva (fornecedores de mercadorias, de serviços ou de crédito, clientes, sindicatos de trabalhadores, investidores, e governos) é composta de relatórios corporativos.

Tais relatórios, até aproximadamente os anos 1980, continham substancialmente informações financeiras e a esmagadora maioria dos ativos ali relatados se constituía de bens tangíveis: estoques, ativos imobilizados, como prédios e máquinas, e recebíveis de clientes.

Com o advento da “era da informação”, mais atenção passou a ser dada aos intangíveis, que possibilitavam que empresas perseguissem seus objetivos de criação de valor, e, atualmente, o peso dos intangíveis nas empresas cresceu drasticamente.

A partir dos anos 80, até por volta do fim do século XX, empresas pioneiras começaram a incursionar pelo tema da sustentabilidade, e viram-se os primeiros experimentos de divulgação de relatórios de sustentabilidade, ao lado dos relatórios contábil-financeiros.

Conquanto iniciativas louváveis, cometia-se um pecado: as mensagens entre esses dois conjuntos de relatórios não eram harmônicas, não estavam alinhadas, não passavam, salvo honrosas exceções, o mesmo “recado” aos leitores de ambos. Via de regra, o relatório de sustentabilidade traçava um quadro extremamente róseo do desempenho da organização, que era parcialmente desmentido pelos passivos exigíveis ou contingências apontadas nos relatórios financeiros.

Claro que várias razões contribuíam para esse desalinhamento, e uma das principais era o “mal do silo dentro da empresa”: os relatórios financeiros eram gestados nas diretorias financeiras ou de controladoria, seguindo paradigmas e padrões razoavelmente bem estabelecidos e muitas vezes emanados de autoridades reguladoras ou normatizadoras de condutas. Os relatórios de sustentabilidade, por sua vez, não contavam com claros referenciais sobre o quê coletar e como relatar, o que já os diferenciava de seus colegas de finanças e contabilidade.

E, para piorar o quadro, as áreas responsáveis pela produção dos relatórios de sustentabilidade, no mais das vezes, não dialogavam com as áreas de finanças, controladoria e contabilidade: era o efeito do “silo incomunicável”, as estruturas departamentais verticais nas empresas, sem comunicação lateral umas com as outras, o que contribuía para esse painel de “desinformação” contida nos relatórios corporativos como um todo.

Por volta de 2009, um personagem mundial de alta representatividade e zeloso de questões ambientais, o príncipe de Gales, entendeu pertinente iniciar um movimento internacional buscando alinhar os vários relatórios corporativos conhecidos (além do financeiro e do de sustentabilidade, empresas têm divulgado relatórios sobre suas práticas de governança e sobre aspectos sociais na gestão ou relacionamento com pessoas).

Foi lançada então, e implementada, a ideia de integrar os relatórios corporativos de forma a estarem alinhados numa mensagem única e coerente entre si sobre:

a) o desempenho empresarial pretérito, identificando as variáveis críticas que permitiram às companhias criar valor para o acionista e assegurar rentabilidades que lhes permitiram ofertar empregos, encomendar suprimentos de fornecedores e pagar tributos;

b) o desempenho futuro esperado, isto é, como estão sendo gerenciadas as variáveis críticas que levaram ao sucesso, no passado, para assegurar a longevidade e continuada, ou expandida, criação de valor no futuro.

Criou-se, nessa iniciativa, um grupo pluridisciplinar e multinacional de indivíduos que, pessoalmente ou envolvidos em organizações relacionadas ao tema, pudessem refletir e conceber formas de eliminar o desalinhamento perverso das mensagens díspares emitidas pelos vários relatórios corporativos que vinham sendo produzidos. O príncipe de Gales estimulou essa reflexão cunhando uma frase célebre: “Estamos usando, para os problemas corporativos e sociais do século XXI, na melhor das hipóteses, soluções do século XX.”

Esse grupo, que assim se reuniu, abrange investidores do mercado de capitais; bancos credores de empresas; acadêmicos; entidades que já tinham iniciativas em sustentabilidade, como a GRI – Global Reporting Initiative, por exemplo; normatizadores de contabilidade financeira; as seis maiores firmas de auditoria do mundo; o setor empresarial manufatureiro (como exemplos, a Tata Industries, da Índia; a Nestlé, da Suíça; e a Natura, do Brasil);a ONU e vários outros protagonistas.

Esse grupo, denominado IIRC – International Integrated Reporting Council, se reúne presencialmente ou virtualmente várias vezes ao ano, desde 2010, e acaba de encerrar, em 15 de julho último, um período de audiência pública de sua proposta de Estrutura Conceitual para Relato Integrado; após análise e consideração das cartas-comentário recebidas, prevê-se, para 05 de dezembro próximo, o lançamento mundial da versão 1.0 de tal estrutura, para ser usada e testada voluntariamente, a partir de 2014, e aperfeiçoada a partir daí.

Importante frisar que não se trata de mais um relatório corporativo: os que existiam podem e devem continuar existindo, a critério de cada empresa. Trata-se, de fato, de que os vários relatórios que porventura existam sejam integrados numa mensagem coerente e coesa entre si, apontando as causas de sucessos e insucessos do passado nas dimensões que ajudam a criar ou destruir valor, e como os administradores pretendem no futuro preservar e expandir os fatores críticos de sucesso e evitar ou mitigar os fatores críticos de insucesso.

O relato integrado não está sendo desenvolvido com o intuito de gerar um modelo, padrão ou regra de preparo e divulgação, o que seria um risco enorme de rejeição. Ao contrário, ao se limitar, pelo menos no momento, a propor uma robusta estrutura conceitual, o IIRC pretende apontar às empresas aderentes um inventário de itens (os seis “capitais” a serem administrados, preservados e expandidos) sobre os quais cada empresa escolherá o formato de como relatar.

O Brasil é adepto precoce do IIRC e as iniciativas visando à sua adoção no nosso mundo corporativo são crescentes e promissoras.

Nelson Carvalho é professor da Faculdade de Economia e Administração FEA/USP e membro do International Integrated Reporting Council – IIRC.

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