Dominique de Villepin

Dominique de Villepin

Liberdade para repensar a economia

Jean-Paul Sartre acreditava que os intelectuais deveriam desempenhar um papel ativo para a mudança da sociedade.

Dominique de Villepin, marroquino filho de franceses, não apenas leu como internalizou as ideias do filósofo existencialista.

Polêmico por manter opiniões fortes e não se intimidar diante de críticas em nome da França e, ao mesmo tempo, diplomata preocupado com o futuro global, Villepin se mantém ativo na busca por uma economia verde.

Ex-primeiro-ministro do governo de Jacques Chirac (1995-2002) e, desde então, personalidade de prestígio em toda a Europa, já ocupou os cargos de ministro das Relações Exteriores e do Interior.

Em 2003, ganhou notoriedade ao liderar a campanha francesa contra a invasão do Iraque, influenciando fortemente diversos chefes de Estado europeus. Em 2007, sugeriu sobretaxar produtos importados de países não signatários dos tratados pós-Kyoto. Para os ambientalistas, uma vitória. Para o comissário de Comércio da União Europeia à época, Peter Mandelson, uma afronta.

Nos últimos anos, a França deu alguns passos rumo à sustentabilidade: comprometeu-se a reduzir em 6% suas emissões de CO2, entre 2008 e 2012, e destinou 200 milhões de euros para pesquisa e implantação de alternativas energéticas mais limpas voltadas às residências.

Villepin entrou no último pleito eleitoral causando polêmica entre a direita francesa por levar consigo votos que poderiam ser de Nicolas Sarkozy, derrotado pelo socialista François Hollande. Hoje, percorre o mundo falando sobre os desafios da geopolítica atual e a necessidade de uma economia de baixo carbono. Confira a seguir algumas de suas principais ideias, expostas durante o 3º Fórum Mundial de Sustentabilidade, em Manaus (AM).

França renovada

Quando se trata de energias alternativas, a França representa um país muito específico. Aproximadamente 75% de nossa base energética estão na energia nuclear. Desde 1958, investimos muito mais nesse tipo de energia. Obviamente, o desastre com a usina de Fukushima, no Japão, gerou uma grande polêmica e causou um impacto muito forte em todo o mundo. Temos dois lados, duas correntes de opinião muito claras no país: a da direita acredita que devemos manter a nossa base de energia nuclear. Do outro lado, pensa-se que a melhor alternativa seria diminuir a dependência. Uma proposta inicial sugere a redução para 50%, pois essa proporção nos traria um equilíbrio maior.

Quando era primeiro-ministro, incentivei o uso de energias alternativas como a solar; e, na minha visão, devemos ter a capacidade de trabalhar melhor essa dependência. Mas, obviamente, trata-se de um investimento de longo prazo.

Hoje, um exemplo importante a ser seguido vem da Alemanha, onde se tenta reduzir o consumo de energia nuclear a zero. Essa atitude diz respeito a uma nova economia verde, seria uma forte inovação para o mundo. Porém, a questão é: quão realista é esse objetivo, inclusive para a própria Alemanha?

Não é fácil alcançar esse tipo de meta no curto prazo. Claro que a França também deseja reduzir sua dependência, mas ainda não é algo tão factível assim. Não há nenhuma previsão de que teremos mais facilidades para trabalhar as energias limpas. Ainda é um grande desafio em termos de inovação. Somos muito dependentes de fontes de energia clássicas, como petróleo, e não será fácil desfazer esse vínculo no curto prazo. Porém, precisamos investir nas energias limpas, para avançarmos em termos de inovação e do surgimento de uma nova economia.

Então, temos hoje esses dois modelos: o da Alemanha, almejando o nível zero de energia nuclear, e o da França, onde se encontra a ideia de maior equilíbrio entre esse tipo de energia e as fontes renováveis.

Interesses nacionais x futuro compartilhado

Certamente, a liderança representa uma questão central no mundo de hoje.

O dilema realmente está em como conciliar ou reconciliar os grandes interesses globais no sentido dos desafios da sustentabilidade e da liderança no tema.

A preocupação das lideranças está voltada para uma série de crises atuais: financeira, moral, política, ética.

Essa é uma crise de longo prazo. Precisamos enfrentar as incertezas que afetam vários países, como China ou Estados Unidos, onde começou a bolha financeira da hipoteca gerando a crise que se espalhou para o restante do mundo. Então, o objetivo dos líderes de hoje volta-se mais para questões urgentes.

Tentar encontrar as respostas para lidar com esses dilemas não é fácil. E muito mais difícil é tentar uma interação com a sustentabilidade e as questões ambientais ao mesmo tempo. O meio ambiente não se restringe a um país. Temos situações complicadas e devemos encontrar formas de lidar com elas de maneira complementar, atender as necessidades de cada região levando em consideração o que se precisa fazer em cada uma delas. No começo deste século, Jacques Chirac disse, no encontro de Joanesburgo (Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável na África do Sul, em 2002, também conhecida como Rio+10 ou Cúpula da Terra II): “A nossa casa está queimando. E a de vocês também está.”

Nos últimos anos, não conseguimos avançar muito no enfrentamento dos desafios socioambientais e isso tem causado uma grande frustração global. Hoje, a forma como os países sentem esses problemas está mais voltada a eles mesmos, acabam sendo egocêntricos e cuidando mais de seus desafios imediatos. Entretanto, isso gera uma certa concorrência, uma competição. Precisa-se atentar para essas duas linhas de frente: uma para tratar as questões do crescimento e, a outra, dos problemas no longo prazo.

Países como China, Índia e Brasil estão fazendo grandes discussões nesse sentido. Um elemento importante, atualmente, é responder às necessidades particulares de cada um, mas pensando, simultaneamente, em diferentes estratégias para encontrar o caminho do desenvolvimento.

Geralmente, países mais desenvolvidos, com melhores condições, se arriscam mais em busca de uma solução para crises financeiras. E é disso que precisamos também em relação à sustentabilidade: que alguns deles tomem essa posição dianteira. Há dificuldades a serem enfrentadas, nesse sentido, em três frentes.

A abordagem ideal, na minha visão, seria tratar primeiramente de questões imediatas, como poluição da água e do ar. A segunda linha buscaria resultados para os grandes problemas.

Para isso, temos alguns princípios a serem alcançados – entre eles a cooperação, porque precisamos chegar a um entendimento entre países se almejamos o progresso mútuo e o respeito pela diversidade, para aceitarmos diferentes abordagens e resultados dependendo de cada país e como isso impacta o restante do mundo.

A terceira abordagem está relacionada à governança. Precisamos encontrar “alavancas” que nos levem a uma eficiência maior. Por exemplo, por meio da criação de um organismo de desenvolvimento pela Organização das Nações Unidas (ONU). Isso é extremamente importante porque hoje não temos ferramentas para atender a todos esses desafios citados – e precisamos encontrá-las. Acrescentaria também a necessidade de compartilhar experiências. Por isso considero fóruns ocasiões muito importantes para essa troca.

De olhos bem abertos

Tanto na Europa quando na América Latina, há a necessidade de uma conscientização sobre a responsabilidade perante o futuro. Para tanto, o estabelecimento de decisões, regras e regulações será essencial para definirmos, globalmente, as principais necessidades e desafios e quais medidas devem ser adotadas.

Nesse sentido, assumir uma liderança madura e as responsabilidades inerentes a esse processo de mudança são atitudes importantes para cada nação e, consequentemente, para o mundo todo.

Uma questão importante a se ressaltar é que devemos acompanhar bem de perto o que está acontecendo em dois grupos de países. O primeiro deles inclui Estados Unidos e China, por sua importância na economia mundial. Nos últimos anos temos visto grandes mudanças na forma como se lida com a economia verde. Ela é vista hoje, por esses dois países, como algo que impõe limitações, impedindo que cheguem a outro patamar de inovação. Teremos muitas mudanças nos próximos anos, algumas em breve e outras previsíveis em relação à sustentabilidade. Por isso precisa-se ter grande consciência de como esses temas vão se desenvolver na China e nos EUA.

O outro grupo inclui países onde a ideia de sustentabilidade está atrelada a boas soluções para a economia. Esse ponto de vista encontra eco na Europa, principalmente na Alemanha e França, onde há uma preocupação muito grande com temas socioambientais.

Na reunião convocada por Sarkozy, Grenelle de l’Environnement, especialistas de diversas áreas foram trazidos para debater essa problemática e encontrar o caminho para trabalhar melhor no sentido da economia verde. Essa reunião se mostrou bastante útil para o avanço das discussões.

A Alemanha tem feito um grande trabalho em relação a energias renováveis e a forma que encontrarem para concretizar esse trabalho pode representar um passo muito importante para as novas economias, não somente para a Europa. Nessa lista de países-chave para a mudança também vou acrescentar o Brasil, porque vocês compreendem bem o que está acontecendo dentro de seu país, na Amazônia, e percebem a importância das mudanças climáticas e seu impacto na sociedade. Sentem, de fato, essa responsabilidade, e isso está se espalhando pelo restante do mundo, algo muito importante para nosso futuro em comum.

No centro do debate

A forma como as decisões tomadas na Rio+20 impulsionarão a  sustentabilidade nos próximos anos será exatamente o foco da discussão. No meu entendimento, enfrentaremos muita dificuldade, pois estamos em meio a uma profunda crise financeira e social. Nesse encontro, devemos nos esforçar para não chegarmos apenas a decisões comuns, mas a ações compreensíveis para o estabelecimento de compromissos. Para tanto, contar com alguma organização para trabalhar em diferentes áreas ao mesmo tempo se mostra essencial.

Hoje, há liderança de muitos países, mas todos eles enfrentam grandes dificuldades em torno desses problemas. E as questões não estão sendo compartilhadas da forma como deveriam. Por isso houve muita dificuldade para se chegar a algum resultado positivo na Conferência de Copenhague (COP15) e também em todos os outros encontros internacionais. Precisamos concretizar a liderança de uma vez por todas e um dos meios para se chegar a esse objetivo é fazer com que as pessoas mostrem mais a sua preocupação em torno do assunto e exerçam uma pressão sobre os líderes por meio do voto.

Muitas eleições na Europa não tiveram a sustentabilidade no centro de seus debates, a exemplo de França e Espanha, e deve ocorrer o mesmo nas eleições alemãs. Precisa-se trazer todas essas questões para o centro do debate e continuar o trabalho realizado por governos, ONGs e líderes globais. O encontro da Rio+20 será extremante importante para não perdermos esse impulso. Devemos aproveitar essa energia, senão tudo que conquistamos até este momento será perdido nos próximos 10 a 20 anos. O futuro será reflexo das decisões que tomarmos agora. E não tomar nenhuma decisão significa perder o impulso.

Uma outra medida

Sou favorável à adoção de um novo índice, que incorpore fatores da sustentabilidade e da felicidade das pessoas, uma forma mais completa de medição. Para tanto, necessita-se integrar esses itens a um novo indicador e precisar esses aspectos dentro da economia verde – uma economia voltada não somente para questões econômicas, mas também para a vida das pessoas de uma forma cotidiana.

É muito importante que isso seja materializado, compactado em um novo índice para que realmente possamos perceber o que está acontecendo em cada um dos países. Também será útil para avaliar os resultados de cada iniciativa para a futura aplicação de soluções eficientes em várias regiões. A humanidade pode pagar muito caro se não tomar nenhuma decisão no ponto em que estamos.

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