Dossiê Agroflorestas: a alternativa para regenerar nossas terras

Dossiê Agroflorestas: a alternativa para regenerar nossas terras

Crédito: Pixabay/Ekaterinovr.

Você sabia que mais de um bilhão de pessoas no mundo dependem das florestas como meio de vida? No Brasil, que é um país florestal, nossas árvores podem gerar alimentos, medicamentos, combustíveis não-fósseis, madeiras e tantos outros produtos. A economia florestal gera empregos e riquezas para nossa população. E os benefícios não param por aí. As árvores são muito importantes para manter o meio ambiente saudável, protegendo as águas, o solo, regulando o clima, evitando o aquecimento global e as mudanças climáticas.

Apesar de todo esse potencial, infelizmente o Brasil ainda tem uma grande quantidade de áreas degradadas. Essas áreas variam entre 30 milhões de hectares (equivalente a pouco mais que a área do estado do Rio Grande do Sul) a 100 milhões de hectares (equivalente a pouco menos que a área do estado de Mato Grosso), segundo estimativas da WRI Brasil. São áreas improdutivas ou de baixa aptidão agrícola e que não desempenham seu papel produtivo e ecológico.

Mas você deve estar se perguntando? É possível recuperar todas essas áreas degradas? Sim! A resposta é a prática do reflorestamento, por meio das agroflorestas, sistema em que é possível a integração entre floresta, agricultura e criação de animais. Esse modelo, além de ser bom para o meio ambiente, também pode apresentar bons resultados econômicos e sociais. É mais do que ser sustentável. É a urgência da regeneração, uma das 11 Tendências de Sustentabilidade no “Outro Normal”. Aqui mostraremos a vocês um breve dossiê sobre esse assunto.

Afinal, o que é agrofloresta?

Agricultores no condado de Makueni, no Quênia, colhem feijão nhemba consorciado com mamão. Crédito: Divulgação/ World Agroforestry.

Agrofloresta – também chamado de agrossilvicultura ou sistema agroflorestal (SAF) – é um sistema de produção inspirado na dinâmica dos ecossistemas naturais, nos quais espécies florestais são plantadas junto com cultivos agrícolas e/ou criação de animais, promovendo benefícios ecológicos, econômicos e sociais. Nesse modelo é possível conciliar a produção de alimentos com a recuperação de áreas degradadas. Além de sustentáveis, essas ações são regenerativas.

Mas como isso tudo é possível? Imagine uma floresta nativa. Lá existe uma grande variedade de plantas, animais, insetos e fontes de água. Tudo em perfeito equilíbrio. Da mesma maneira é possível imaginar uma agricultura onde é possível combinar vegetações diferentes em uma mesma área. Plantas nativas e plantas cultivadas vivem em harmonia. Há plantas que produzem matéria orgânica para servir de adubo no solo; árvores que brotam alimentos para famílias e animais; ervas medicinais que se transformarão em remédios; madeiras que servirão para construções; empregos e rendas para a população local.

É important ressaltar que a principal característica para que um sistema de produção seja considerado um SAF é ter a presença de árvores em sua composição. Recentemente o Centro Mundial Agroflorestal (Icraf), sediado no Kenya, na África, adotou a seguinte definição: Sistema Agroflorestal ou Agrossilvicultura é a integração de árvores em paisagens rurais produtivas. Reconhecendo a importância das árvores tanto nos sistemas de produção como nas paisagens.

O sistema agroflorestal só traz benefícios pra gente e pro mundo!
A agrofloresta viabiliza uma economia sustentável e regenerativa em torno das florestas. Uma das vantagens é a diversificação de produção (alimentos, frutas, sementes, fármacos, madeira etc), bem diferente do padrão de monocultura que é adotado no Brasil. Assim os produtores rurais não dependem apenas de um único mercado e consegue oferecer alimentos de boa qualidade ao consumidor. Além disso, garantem alimentação sadia para suas famílias e a melhoria de suas rendas.

A diversidade de espécies cultivadas também ajuda no controle natural de pragas e doenças. E ajuda na recuperação da produtividade dos solos degradados. Árvores leguminosas, por exemplo, adubam naturalmente a terra, reduzindo o uso de insumos externos e, com isso, diminuindo os custos de produção e aumentando a eficiência econômica.

E os benefícios não param por aí. Áreas restauradas também beneficiam toda a sociedade, pois preservam nascentes, protegem o solo, renovam o ar e sequestram carbono, mitigando as mudanças climáticas e diminuindo os riscos na produção de alimentos. Além disso, desempenham papel importante como infraestrutura natural: o plantio e conservação de florestas pode ser usado para melhorar a qualidade da água e diminuir riscos de inundações e deslizamentos nas cidades.

Os quatro tipos de agroflorestas mais comuns

Experimentos de integração lavoura-pecuária-floresta realizados na Embrapa Agrossilvipastoril,
em Sinop (MT). Crédito: Divulgação/Embrapa/Gabriel Faria.

Existem inúmeros arranjos e composições de sistemas agroflorestais no mundo, por isso, os SAF têm sido classificados de diferentes formas. A Embrapa usa a classificação mais comum, que é a que considera como critérios aspectos funcionais e estruturais. São elas:

Sistemas agropastoris: é a combinação da agricultura com a criação de animais (agricultura + pecuária).
Sistemas silvipastoris: é a integração de árvores nas pastagens para criação de animais domésticos (floresta + pecuária).
Sistemas agrossilviculturais ou silviagrícolas: é a combinação da agricultura com espécies florestais (agricultura + floresta).
Sistemas agrossilvipastoris: sistemas em que a terra é manejada para a produção simultânea de cultivos agrícolas e florestais para criação de animais domésticos (agricultura + floresta + pecuária).

No Brasil, os SAF mais encontrados são agrossilviculturais, silvipastoris e os sistemas de enriquecimento de capoeiras com espécies de importância econômica (a cabruca). Vamos conhecer um pouco cada um deles.

Agroflorestas podem ser adotadas em todas as regiões brasileiras?
O modelo de agroflorestas pode ser adotado em todas as regiões do Brasil em diferentes maneiras de produção: desde a agricultura familiar, de pequena escala ou artesanal, até o cultivo de grandes culturas, mais mecanizadas, em grande escala. E se as áreas não forem mais apropriadas para a produção de alimentos ou de energia, ainda sim podem ser restauradas com espécies nativas. Essas atividades trazem benefícios financeiros, além dos que o reflorestamento traz. Conheça várias exemplos que deram certo no país.

Alternativa de desenvolvimento na Amazônia

Capa do estudo “Avaliação financeira da restauração florestal com agroflorestas na Amazônia”.

A Amazônia está a cada ano mais desmatada. Mas é possível reverter essa situação. Um novo estudo da WW-Brasil mostra que sistemas agroflorestais podem gerar benefícios superiores nas dimensões social, ambiental e também econômica. Os bons resultados foram obtidos na Reserva Extrativista Chico Mendes, no município de Xapuri/AC, onde a ONG, em parceria com a Universidade Federal do Acre, Embrapa Acre e Secretaria de Estado de Meio Ambiente do Acre, testou dois modelos diferentes em duas áreas de solo distintas. Enquanto um deles empatou com o rendimento médio anual da soja, o outro, com plantio de mudas de seringueiras – planta nativa local, obteve o dobro de lucratividade, comprovando que o desenvolvimento econômico no bioma, com geração de emprego e elevação de qualidade de vida, pode ser obtido com a floresta em pé.

Campanha dissemina conhecimentos e ferramentas agroflorestais
A WRI (World Resources Institute) Brasil realizou uma campanha para mostrar bons exemplos em vários locais do Brasil. É o programa Florestas do WRI Brasil, que tem o objetivo de gerar e disseminar conhecimento e ferramentas, promover articulação e engajamento dos atores interessados na restauração da paisagem – como governos, empresas, produtores rurais e organizações da sociedade civil – contribuir para melhoria de políticas públicas, mobilização de recursos públicos e privados e monitoramento dos resultados para dar escala à restauração florestal e reduzir o risco de desmatamento. Vamos conhecer três bons exemplos?

1.As mulheres e o umbu no sertão baiano

Pé de umbu em Pintadas (BA). Crédito: Divulgação/ vídeo da WRI Brasil.

A cooperativa Ser do Sertão, formada por mulheres, resolveu salvar o umbu, uma fruta típica do município de Pintadas, no sertão baiano. Elas contam que a população costumava comer as frutas e depois arrancava os pezinhos e jogava fora. Outro problema é que os produtores tinham o hábito de queimar as plantações. Depois de muitas conversas com os agricultores, essas práticas deixaram de existir. E o umbu passou a conviver bem com a floresta nativa. E, a partir da frutinha, a cooperativa passou a produzir produtos, como polpas e geleias. A economia local melhorou.

2. A biodiversidade no Vale do Paraíba

Árvores Guanandi em Pindamonhangaba (SP). Crédito: Divulgação / vídeo da WRI Brasil.

A Fazenda Nova Coruputuba, em Pindamonhangaba (SP), na região do Vale do Paraíba cultiva arroz irrigado e frutas nativas da Mata Atlântica, que convivem bem com o plantio agroflorestal de árvores Guanandi, que geram madeira nobre para a indústria naval e movelaria. O fazendeiro preconiza esse tipo de manejo, de plantio agroflorestal para públicos interessados, desde produtores rurais, agrônomos, a toda cadeia produtiva de donos de terra. É possível produzir sistemas mais biodiversos dentro das suas propriedades.

3. O resgate da juçara: o palmito-doce da floresta capixaba

Colheita de juçara em Santa Tereza (ES). Crédito: Divulgação / vídeos da WRI Brasil.

Em Santa Tereza, no Espírito Santo, o casal Emerson Miranda e Viviane Vieira Lopes criou um projeto para salvar a juçara (o palmito-doce) da lista de espécies ameaçadas de extinção. É uma espécie florestal que está em fase de restauração. A ideia é promover a maior cobertura vegetal possível dessa planta, gerando renda para agricultura familiar capixaba.

4. Expansão da agrofloresta no sul da Bahia

Plantação de mudas em Trancoso (BA). Crédito: Divulgação / vídeo da WRI Brasil.

Não é de hoje que há investimento florestal no Sul da Bahia. Há 10 anos, são realizadas pesquisas com 56 espécies de árvores nativas. Isso resultou em plantio dee espécies madeireiras da Mata Atlântica em Trancoso, distrito de Porto Seguro, no Sul da Bahia. São inúmeras espécies: Jacarandá da Bahia, Ipê Amarelo, Jequitibá-Rosa, Angico Vermelho, Louro Pardo Ipê Felpudo, Vinhático, Aderne, etc. Esses plantios têm impacto positivo no sequestro de carbono, na infiltração de água no solo e no aumento da fauna local.

Da Inglaterra para o mundo: a bieconomia circular

Fazenda Nethergill, no Yourkshire Dales Park, na Inglaterra. Crédito: Pixabay.

O Príncipe Charles transformou uma fazenda localizada em uma região que pertence à Corte britânica desde a Idade Média em um moderno sistema de produção orgânica e a tornou um modelo para as comunidades rurais da região. Hoje quer popularizar sistemas agroflorestais ao redor do mundo como parte da Aliança pela Bioeconomia Circular, da qual patrocina. A Aliança é uma coalizão global, visando criar as diretrizes que regem a lógica de criação de designs agroflorestais resilientes, duradouros e inspirados em tecnologias ancestrais. Já integram a aliança empresas como a madeireira finlandesa UPM e a farmacêutica britânica AstraZeneca, investidores como o finlandês Sitra e o Fundo de Bioeconomia Circular Europeu (ECBF), além do Fórum Econômico Mundial, do World Resources Institute (WRI) e do Centro Internacional de Pesquisa Agroflorestal (ICRAF), entre outros.

Aqui no Brasil, a representante da Aliança é consultoria Pretaterra. É encarregada de criar e fomentar, por meio do Instituto Europeu de Florestas (EFI), projetos para tornar os sistemas de produção agroflorestais viáveis em larga escala, que respeitem os preceitos da economia circular, e com retorno financeiro. Um exemplo é a parceria firmada com a Farfarm, empresa brasileira especializada em projetos de supply chain regenerativos. Financiado por uma das maiores empresas têxteis do mercado, o projeto consistiu em um sistema agroflorestal focado na produção de algodão orgânico, apoiado por outras espécies secundárias de valor ecológico e econômico, em Montes Claros (MG).

Outros projetos agroflorestais europeus

Renas em Sami de Njaarke, na Suécia. Crédito: Divulgação /Agforward.

Já pensou criar renas em pastagens com florestas? Pois é assim na Suécia desde o século 19. Esta tradição é mantida até hoje. Na ldeia Sami de Njaarke é praticada a silvicultura. Grande parte da área é demarcada como pastagens arborizadas fenoscandianas. Durante o verão, esses animais são mantidos em zonas de montanha não florestadas. Já no inverno, eles ficam em área de pastagem em floresta.

Aves em free range em aglofloresta na Holanda. Crédito: Divulgação /Agforward.

Outro exemplo de agrofloresta com criação de animais está na Holanda. Há aproximadamente 2.300 hectares utilizados para a produção de aves em free-range. Na rede de agricultores “Trees for chickens”, quatro criadores de aves de capoeira têm plantado árvores de fruto, como salgueiros e nogueiras.

sistemas silvoaráveis no sul da França. Crédito: Divulgação /Agforward.

Já um exemplo de agrofloresta sem animais são os sistemas silvoaráveis mediterrânicos no sul da França. Esses sistemas usam plantio de árvores em linha dentro de campos de cultivo de alimentos. Em épocas de escassez de chuva na primavera e no verão, esses sistemas são capazes de reter água no solo limitando sua evaporação.

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