Entrevista

Entrevista

O Brasil tem poucos estudos que demonstrem se a biodiversidade está realmente sendo conservada.

A constatação é da Secretária Geral do WWF-Brasil, Maria Cecília Wey de Brito, uma das palestrantes do VII Congresso Brasileiro de Unidades de Conservação (CBUC), que será realizado pela Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza, em Natal (RN), de 23 a 27 de setembro.

“É fundamental termos informações qualificadas e que incorporem o valor da biodiversidade, dos serviços ecossistêmicos, etc, na hora da tomada de decisão e, inclusive, uma política forte voltada para conservação e o uso sustentável da biodiversidade em todos os níveis de governo”, afirmou Maria Cecília. Ela vai participar do painel “Estratégias de consolidação dos sistemas de áreas protegidas”, com a palestra “Contribuição do terceiro setor na consolidação das unidades de conservação”, no dia 27 de setembro.

Acompanhe abaixo a entrevista de Maria Cecília Wey de Brito.

Como é a relação entre o terceiro setor e a conservação das áreas protegidas?

Maria Cecília Wey de Brito: A relação entre o terceiro setor e a unidades de conservação (UCs) é muito estreita na história da conservação, de um modo geral, e do Brasil em particular. O movimento ambientalista já discute e propõe formas de conservação no Brasil desde a década de 40.

A partir da década de 60, ONGs foram criadas no Brasil e as políticas internacional e nacional começaram a olhar o meio ambiente como um dos importantes aspectos para a qualidade da vida humana. As unidades de conservação passaram a ser reconhecidas como uma das principais estratégias para a conservação da sociobiodiversidade e dos serviços ecossistêmicos.

Em que o terceiro setor contribui à consolidação dessas unidades?

MC: O terceiro setor tem desempenhado diferentes papéis na consolidação dos sistemas de unidades de conservação. Um bom exemplo é o Arpa (Programa de Áreas Protegidas na Amazônia), um programa do governo federal coordenado pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA) e implementado pelos órgãos gestores de UCs (federal e estadual), em parceira com o Funbio (Fundo para a Biodiversidade).

Esse programa é responsável pelas atividades administrativas e financeiras, enquanto o WWF-Brasil é doador, juntamente com o GEF Banco Mundial, KfW, e Fundo Amazônia. O WWF também tem apoiado sua implementação na forma de cooperação técnica, em parceira com a GIZ. Esse complexo desenho demonstra a necessidade e importância do envolvimento de diferentes atores na construção e consolidação de mecanismos de apoio ao SNUC (Sistema Nacional de Unidades de Conservação).

Outro importante papel do terceiro setor é o poder de mobilização social para impulsionar as políticas públicas e privadas, assim como a capacidade de gerar e utilizar dados científicos e ferramentas inovadoras para as propostas de criação e gestão das unidades de conservação.

Como o terceiro setor avalia o processo de criação de unidades de conservação no Brasil?

MC: A criação de unidades de conservação no Brasil passou por períodos diferenciados. O primeiro dispunha de poucas ferramentas para a criação de novas unidades, por exemplo, e onde havia apenas as categorias de florestas e parques nacionais; depois veio o das estações ecológicas e áreas de proteção ambiental (APAs), quando alguma atenção foi dada às questões fundiárias, mas pouca às famílias que viviam no interior dessas unidades.

Somente em 2000 foi sancionada a lei que criou o SNUC, quando as consultas públicas e uma maior atenção às demandas da sociedade foram institucionalizadas. Foi na primeira década desse século que o Brasil deu um enorme salto na criação de novas unidades, principalmente na Amazônia, por essa razão o país foi o que mais contribuiu para o aumento da área protegida no mundo, conforme trabalho apresentado na COP 10 (10ª Conferência das Partes da Convenção da ONU sobre Diversidade Biológica), realizada no Japão, em 2010. Nos últimos anos, face às novas e ampliadas formas de consulta pública para a criação de novas unidades, a criação foi reduzida consideravelmente.

Como mudar esse cenário atual de redução na criação de novas unidades de conservação?

MC: É cada vez mais importante que se demonstre clara e objetivamente os resultados que as UCs trazem para a conservação e o uso sustentável da biodiversidade, mas também para o desenvolvimento sustentável da região onde se inserem. Para tal, a valoração (direta ou indireta) dos objetivos que as unidades alcançam e/ou buscam alcançar é cada vez mais necessário.

Uma das formas para que isso ocorra é reconhecer os serviços ecossistêmicos, reconhecer o valor das paisagens bem manejadas e, claro, reconhecer o valor intrínseco das espécies. Precisamos também de políticas nacionais (interministeriais) e instrumentos claros de implementação e expansão do SNUC.

Deveríamos ter pesquisas científicas sistemáticas sobre a nossa biodiversidade disponibilizadas em todos os níveis de governança, além de acesso à sociedade civil, assim teríamos informações mais qualificadas na hora de decidir, onde conservar a nossa biodiversidade e parar com a perda de espécies no Brasil.

As áreas protegidas refletem a imensidão da biodiversidade do Brasil e estão devidamente seguras?

MC: Essa não é uma resposta fácil, pois temos poucos estudos mostrando se a biodiversidade está efetivamente protegida. Em termos de representatividade no SNUC, o Bioma Amazônia está relativamente melhor em relação aos demais, que têm uma sub-representatividade gritante.

Como já mencionado acima, é fundamental termos informações qualificadas e que incorporem o valor da biodiversidade, dos serviços ecossistêmicos, etc, na hora da tomada de decisão e, inclusive, com uma política forte voltada para conservação e o uso sustentável da biodiversidade em todos os níveis de governo. O SNUC é uma política nacional e deveria ser respeitado como tal.

Foram 10 anos de discussão no Congresso Nacional, com muitas consultas públicas realizadas ao longo desse processo. Estamos em um momento político no qual os interesses de alguns setores são priorizados acima dessa política nacional. Como demonstração da pouca atenção (ou desinformação) dada à conservação e ao uso sustentável da biodiversidade no momento, temos mais de 50 pedidos de desafetação, recategorização e redução de unidades de conservação, sem estudos científicos que demonstrem o que estaremos perdendo com esses processos.

Somos considerados hoje um país de megabiodiversidade e isso nos impõe grande responsabilidade com este patrimônio perante o mundo.

[Fonte: Fundação Grupo Boticário]

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