Sem estar no planejamento estratégico, sustentabilidade perde força nas crises

Sem estar no planejamento estratégico, sustentabilidade perde força nas crises

Quanto mais integrada ao planejamento estratégico menos suscetível a sustentabilidade fica a circunstâncias externas adversas, como, por exemplo, crises econômicas. Esta foi uma das principais conclusões do estudo realizado por Ideia Sustentável cujo objetivo é apresentar um status atual da gestão da sustentabilidade em empresas do Brasil.
Os números colhidos pelo estudo contrastam com uma percepção, observada mais recentemente no mercado, de que, com a crise econômica, o tema perdeu força e investimentos nos últimos dois anos. Isso é verdade, em termos. Entre maio e junho de 2017, o estudo ouviu 170 profissionais de uma amostragem de 634 empresas selecionadas a partir de um critério básico: a existência de uma área, uma equipe ou, pelo menos, um colaborador responsável pelo tema.
Para 77% dos entrevistados, a sustentabilidade integra hoje o planejamento estratégico de suas empresas, indicando que o conceito, ao contrário de cenários anteriores há cinco anos, deixou a superfície dos projetos pontuais para impactar, de algum modo, as estratégias de negócios. Nessas empresas, perdeu força em apenas 16% dos casos por causa da crise econômica. Nas que não inseriram a sustentabilidade no planejamento estratégico, verificou-se uma perda, mais significativa, em 48% dos casos.
O mesmo raciocínio costuma valer — segundo nossa experiência — para circunstâncias adversas internas, como, por exemplo, a saída repentina de um CEO de empresa muito identificado com o tema: quanto mais inserido no planejamento estratégico menores são as possibilidades de interrupção ou esfriamento de iniciativas de sustentabilidade por conta dos humores, crenças e convicções dos novos líderes que chegam á empresa.

Se não estiver nas metas, sustentabilidade não entrou para valer na estratégia, o que significa, que segue sendo um tema vulnerável

Importante observar, no entanto, os diferentes níveis de intensidade da inserção do tema no planejamento estratégico. O estudo identificou gaps entre intenção e ação que não podem ser desprezados. Embora o tema seja visto como relevante na agenda de 86% dos CEOS (número que corrobora outros estudos internacionais), ele afeta em 73% a visão. Confirmando a distância entre desejo e ação, a sustentabilidade, segundo os entrevistados, influencia mais os valores (81%) do que, por exemplo, as metas dos líderes (64%) e dos colaboradores (58%), parecendo mais confortável no plano genérico das aspirações e propósitos do que no específico das consecuções e métricas. A inclusão do conceito entre os valores –vale ressaltar– é uma decisão simples que se resume à alterações em textos. Já nos objetivos estratégicos e nas metas, exige decisões de negócio não exatamente triviais que, quase sempre, tendem a ser vistas como desvios de foco, de energia e atenção, especialmente em momentos de crise.

Ainda que os dados não deixem dúvida quanto á importância atribuída à sustentabilidade como tema de gestão, são vários os desafios se as empresas quiserem transformá-lo efetivamente em vetor para uma nova cultura de pensar e fazer negócios. Esses desafios têm a ver, entre outras variáveis, com desenvolvimento de pessoasrecompensa por resultados e inovação.

Desenvolver pessoas, estimular ideias e valorizar desempenho ajudam a criar uma “cultura de sustentabilidade”

De acordo com o estudo, 69% das empresas admitem tratar de sustentabilidade em seus programas de educação corporativa. Raras são, no entanto, as que possuem iniciativas estruturadas para além das demandas pontuais– a imensa maioria (96%) prefere, não por acaso, o on the job, isto é, o aprendizado na prática do trabalho. Menos de 30% dispõem de estratégias de reconhecimento de ideias (22%) e de práticas (29%) de colaboradores. Menos da metade (44%) aborda o conceito nos programas de integração de novos funcionários e apenas 22% alegam trabalhar o tema nos programas de trainees.
O estudo revelou ainda que não mais do que 25% das empresas respondentes condicionam a remuneração variável de líderes e colaboradores a resultados ligados ao triple botton line– um indicador bastante seguro do nível de maturidade da cultura de sustentabilidade de uma empresa. Diante de tais dados, cabe aqui uma provocação: “Como implantar sustentabilidade na estratégia do negócio, para valer, sem integrar o tema ao processo mais amplo de desenvolvimento de pessoas, a mecanismos de estímulo e avaliação de desempenho e a sistemas de recompensa por resultados?”
Migrar do campo das boas intenções para o das realizações, substituindo o uso pontual do tema na gestão por uma cultura de sustentabilidade, exigirá que a empresa emita aos seus stakeholders sinais mais consistentes do quanto valoriza o tema.

Baixa inovação revela que sustentabilidade não é vista como vantagem competitiva

inovação pode ser um desses sinais. Ainda não é. O estudo constatou que 40% das empresas admitem ter a sustentabilidade como driver de inovação — quatro entre 10, portanto, implementam novos processos, produtos ou modelos de negócio capazes de criar valor para todos os públicos de interesse, conjugando resultados econômicos, sociais e ambientais. Minha experiência me leva a crer que esse número seja menor — as empresas, regra geral, superestimam suas iniciativas incrementais de inovação. O fato é que a ainda modesta pegada inovadora parece atestar uma postura reativa quanto á sustentabilidade como vantagem competitiva e, por tabela, uma falta de visão de oportunidade.

Diversidade e compliance em alta, e cada vez mais estratégicos

Partindo da definição que Ideia Sustentável usa para sustentabilidade empresarial, o estudo testou a importância relativa de dois temas de sustentabilidade (na verdade dois conceitos estruturantes), recentemente mais valorizados nas empresas: ética e diversidade.
O resultado apenas confirmou a ascensão dos mesmos: 51% das empresas já têm uma política de diversidade60% das que não possuem planejam criar uma nos próximos dois anos. Cerca de 85% das empresas dispõem de ferramentas e de um sistema de compliance para eliminar/reduzir riscos de desvios éticos. Embora, isoladamente, nem um nem outro represente fator decisivo na construção de empresas mais sustentáveis, ambientes mais diversos do ponto de vista de gênero, idade, etnia e orientação sexual, e relações mais éticas e transparentes com as partes interessadas contribuem diretamente para a consolidação de uma cultura de sustentabilidade nas empresas.
Ricardo Voltolini, diretor-presidente de Ideia Sustentável: Estratégia e Inteligência em Sustentabilidade, é um dos primeiros consultores de sustentabilidade empresarial do Brasil. Professor do tema na Fundação Dom Cabral e Fundação Instituto Administração, é autor, entre outros livros de Conversas com Líderes Sustentáveis (SENAC-SP), Escolas de Líderes Sustentáveis (Elsevier) e Sustentabilidade como Fonte de Inovação. É ainda o fundador da Plataforma Liderança Sustentável, um movimento que reúne as histórias de mais de 100 líderes empresariais consagrados em sustentabilidade.

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