Réplicas – 10 desafios para uma gestão hídrica sustentável

Réplicas – 10 desafios para uma gestão hídrica sustentável

10 desafios para uma gestão hídrica sustentável

Consumo, gestão e comércio de água – a relação entre esses três fatores pode ir muito além do que empresas, governos e consumidores imaginam. Que o diga Arjen Hoekstra. Especialista que estabeleceu o campo de pesquisa para avaliação da pegada hídrica – ferramenta de gestão baseada no uso direto e indireto de água doce -, Hoekstra é diretor científico da organização Water Footprint Network (WFN) que, em fevereiro deste ano, deu mais um passo no avanço das estratégias de conservação do recurso, com a publicação do Manual Técnico de Pegada Hídrica.

Visando auxiliar governos e empresas na assimilação e adoção do conceito, Hoekstra passou pelo Brasil para uma série de palestras e encontros com gestores, transmitindo conhecimento técnico e fomentando a metodologia de uso sustentável da água.

Entre as ideias expostas, destacam-se a necessidade de as empresas entenderem como utilizar os recursos hídricos de maneira eficiente e devolvê-los à natureza sem poluentes, e o papel dos consumidores na escolha de produtos de origem sustentável que tenham processos de produção transparentes. Com base nos exemplos e na conversa do especialista com a repórter Cristina Tavelin, Ideia Sustentável sistematizou dez pontos essenciais do pensamento de Hoekstra para uma gestão hídrica eficiente.

1- Vontade de questionar e mudar

Transformar um rio em um esgoto não é algo que as pessoas desejam – porém, como vemos, é o que está acontecendo. Então fica a pergunta: será que queremos e podemos evitar essa situação?

Para tanto, os governos precisam estabelecer leis e os negócios devem agir. Na agricultura, por exemplo, pesticidas e fertilizantes não são necessários na quantidade utilizada atualmente. Poderíamos usar menos substâncias nocivas para obter os mesmo resultados e gerar benefícios tanto para o meio ambiente quanto para os consumidores. Da forma como produzimos atualmente, poluímos os lençóis freáticos.

O uso da água atrai a atenção das pessoas e podemos partir desse ponto, pois o questionamento começa a surgir. Aqui no Brasil, por exemplo, um dilema que tem sido colocado em pauta é o da pegada hídrica dos biocombustíveis – são necessários milhares de litros de água para a produção de um litro de bioetanol. Questões como essa, sobre alocação de recursos, são muito importantes.

2- Pegada a pegada

Primeiro, é preciso entender o que a pegada hídrica significa, o quão visível está e como reduzi-la. Então, no momento atual, é necessário que as corporações compreendam sua pegada e dediquem tempo ao assunto para estabelecer metas. Apenas depois desse processo devem considerar a comunicação de ações relacionadas à redução.

A pegada hídrica de um produto representa o volume de água doce que é usado nas diferentes etapas da cadeia produtiva – e, além disso, não diz respeito apenas a um número, mas indica quando e onde está ocorrendo esse consumo. Por exemplo, o impacto em uma área de recursos abundantes é muito diferente na comparação com um lugar mais seco. A época das chuvas e as estações secas também representam dois quadros distintos. Devemos considerar como e quando reduzir.

Há também diferentes cores para representar o conceito. Quando falamos da água da chuva, por exemplo, que evapora ou é incorporada em um produto durante a sua produção, estamos tratando de uma pegada verde; as águas superficiais ou subterrâneas evaporadas, incorporadas, devolvidas ao mar ou lançadas em outra bacia indicam a pegada azul; e o volume necessário para diluir a poluição gerada durante o processo produtivo é a pegada cinza. São detalhes que às vezes se perdem na mídia porque é difícil trazê-los à tona, mas é importante haver essa distinção.

3- O teste da cadeia produtiva

Após esse questionamento inicial, o desafio seguinte é entender os detalhes e, para isso, toda a cadeia de produção deve ser estudada. Uma camisa de algodão, como a que costumo usar, pressupõe inúmeros processos até ser transformada em produto final. A matéria-prima, por exemplo, é produzida no Paquistão e utiliza a água daquele país. Esse tecido, mais tarde, segue para a Malásia, onde ocorre o processamento e a transformação em produto, que finalmente será distribuído nos Estados Unidos e Europa.

Quando falamos na pegada de uma camisa, falamos da somatória do uso de água de cada etapa – e percebemos, diante dessa análise, que esse rastro está deixado em várias partes do mundo. Por fim, temos uma peça de roupa que utilizou 2.700 litros de água para ser produzida, de acordo com uma média global – certamente isso depende do local de produção e todas as suas variantes.

Outro exemplo. Para uma gestão eficiente, uma cervejaria deve conversar com os fazendeiros produtores de cevada, um de seus ingredientes, e levantar as seguintes questões: ‘Vocês usam pesticidas? Que tipo de pesticidas estão usando? Quanto? Como eles estão sendo aplicados? Em que época do ano? São utilizadas as melhores práticas? Como é feita a fertilização? E a irrigação?’

Esse é um processo importante, porém novo para as empresas – que não estão acostumadas a fazer esse tipo de pergunta.  Ainda vai demorar um pouco para as organizações entenderem efetivamente sua importância e significado, mas estamos muito otimistas diante do interesse crescente.

4- Consumidor como agente de mudança

Considere a pegada de um consumidor brasileiro. Ela não vem apenas de casa – apenas 5% estão dentro dela: no banheiro, na máquina de lavar roupa e quem sabe no pouco do que se usa para regar o jardim. A média equivale a cerca de 190 litros por dia.

A maior parte do consumo de água – 95% – está no que chamamos de pegada invisível, aquela relacionada à compra de produtos, com destaque para os agrícolas. Um indivíduo, no Brasil, gasta 3.400 litros por dia apenas por meio de suas compras no supermercado. Outro dado interessante é que apenas 8% da pegada do brasileiro estão fora do País, enquanto na Holanda essa relação chega aos 85%.

Olhando para muitos dos produtos que hoje existem no mercado e não temos a menor ideia de onde vieram seus insumos, como se pode falar em uso sustentável de algo do qual não se conhece a origem, a sua produção?

É necessária a cooperação de toda a cadeia produtiva para que, finalmente, o consumidor possa saber de onde vem cada item e faça sua escolha com base em rótulos, selos ou alguma informação junto ao produto sobre o uso da água ao longo de toda a cadeia produtiva.

Quem sabe, no futuro, as lojas poderão até mesmo indicar se a pegada hídrica é baixa, porque ‘uma camisa foi produzida onde há abundância de recursos, de forma não poluente’, por exemplo. Os consumidores vão querer esse tipo de informação.

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