Israel Klabin

Israel Klabin

“Eu precisava saber o que estava além da curva da estrada. Fui buscar um novo destino profissional na minha maturidade”, escreve Israel Klabin, na apresentação de A Urgência do Presente (clique sobre o título para ler resenha), seu livro recém-lançado.

Aos 85 anos, o ex-empresário, ex-prefeito do Rio de Janeiro (1979-80), intelectual e ambientalista de primeira hora continua pavimentando o “depois da curva” com lucidez e sabedoria invejáveis.

Aos 30 anos de idade, diante da morte precoce do pai, Israel – filho mais velho – viu-se obrigado a assumir a presidência da empresa da família, a Klabin Irmãos&Cia. E a enfrentar a responsabilidade de administrar 25 mil empregados. “Essa experiência me deu a noção dos meus próprios limites”, diz. Certamente, ele determinou-se a alargá-los.

“Seminal na história da humanidade” porque, pela primeira vez, reconheceu-se “que tínhamos um problema comum”, o ano de 1992 foi também decisivo na biografia de Klabin, então “fertilizado pela ideia do ambientalismo”. De lá para cá, passou a colocar em prática tudo aquilo que tinha descoberto “além da curva da estrada”. No mesmo ano da Eco-92, fundou, no Rio de Janeiro, a Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável (FBDS), que continua a presidir até hoje, estabelecendo pontes entre iniciativa privada, governos e organismos internacionais. Nem por isso, no entanto, Klabin poupa as empresas. “Elas têm de ser demandadas. E isso virá, sobretudo, das políticas públicas e da consciência do consumidor”, sentencia.

O livro e as ideias de Klabin – que você confere na entrevista a seguir – expõem de forma clara “a urgência do presente”. O tom, no entanto, é de um otimismo que justifica dedicar a própria obra “àqueles que ainda nem sabem ler”. Trata-se de um convite irrecusável para quem, assim como ele, pretende continuar enxergando além da próxima curva da estrada.

Ideia Sustentável: Por que o senhor não gosta de ser chamado de empresário?

Israel Klabin: Porque acho que o cometimento do empresário com o curto prazo e as relações diretas com conceitos de lucro e operacionalização da sua própria empresa – dentro de um modelo econômico que, no meu entender, tem de ser modificado – limitam uma visão que necessito ter na minha profissão – mais ampla, multilateral e multidisciplinar. Não posso ficar preocupado com gestão, tenho de me dedicar às consequências dos modelos nos quais vivemos. Portanto, precisei de uma área de liberdade maior do que a empresa poderia me proporcionar. Por outro lado, acho que minha experiência como empresário representou um treinamento e um contingenciamento do meu pensamento que me acompanham até hoje.

IS: O senhor assumiu muito cedo a presidência da empresa de sua família. Em que medida essa experiência influenciou a sua ligação com as questões ambientais e de sustentabilidade?

IK: A questão ambiental está no DNA dos meus familiares, por parte de pai, há 200 anos. Eles eram guardas florestais na Lituânia, vieram para o Brasil e montaram uma indústria de papel e celulose. Uma indústria, portanto, baseada na floresta – e isso passou a ser a minha visão central da operação da companhia. Em termos mais concretos, a empresa – da qual minha família ainda mantém o controle e eu participo do Conselho – usa a floresta para fins industriais. Esse foi um grande treinamento. Mas, além disso, fui obrigado a lidar com muita gente e o impacto da responsabilidade social foi também um outro vetor importante da minha experiência empresarial. E então caminhamos aos poucos para aquilo que chamamos de tripé da sustentabilidade.

A ideia de uma sustentabilidade triple bottom, de “três pés”, já estava na minha visão do que deveria ser uma empresa antes que isso aparecesse como uma realidade – configurada hoje em forma de Ciência. O conceito do lucro representado pelo somatório das ações sociais e ambientais – e não o lucro exclusivamente oriundo da diferença entre custo de produção e valor de venda – passou a ser uma constante na minha visão. A isso, acrescentei perguntas de fundamental importância: “Para que a empresa? Por que a empresa?”. Então, caminhamos para a ideia de uma essencialidade. A essencialidade é aquilo que faz com que os mecanismos econômicos e sociais tenham propósito, ou seja, a responsabilidade do empresário hoje – não que seja, mas deve ser – está intimamente ligada ao destino da sua comunidade, do seu país e do planeta. A missão da fundação que criei (FBDS) está muito envolvida nessa ideia de uma globalização da responsabilidade, da sinergia entre Estado e os mecanismos de produção e sociais, e a finalidade de uma proposta ambiental, que seria o “gol” final desse conjunto de poderes.

IS: Mas, de alguma maneira, essa experiência prática de gerir uma empresa  reforçou sua ligação com o ambientalismo? Ou ressaltou a ideia de que as empresas não estavam no caminho certo?

IK: Empresa é empresa. Ela é gerida em circunstâncias para as quais é criada e para o momento histórico no qual vive. Achei que aquele movimento histórico seria ultrapassado rapidamente por demandas diferenciadas. E essas demandas, hoje, consubstanciaram. Temos um mundo em que a consciência do problema ambiental não apenas tomou conta do ideário público mas também passou a significar uma necessidade fundamental, qualificada pela melhor Ciência disponível no planeta; ou seja, temos um calendário de implementação de políticas públicas e tecnologias que, cientificamente, se não forem feitas, o mundo caminhará para uma catástrofe. Nesse sentido, acho que a FBDS está um pouco à frente desse tempo, não apenas em termos de conhecimento, mas na oferta de soluções. É isso que eu considero a função fundamental de todos aqueles que se dedicam ao chamado “ambientalismo”. Coloco entre aspas porque hoje não se trata mais de um movimento ideológico. O ambientalismo tem uma base cientifica extremamente sólida e, com a demanda de novas ciências e das inovações, hoje representa, na verdade, a expectativa de um planeta onde a inovação seja dominante para o caminho certo: o da responsabilidade socioambiental e econômica que o planeta deve assumir.

IS: Acredita que as empresas estão inovando nessa direção?

IK: Acredito que as empresas estão demandando uma solução, mas sozinhas não podem fazer nada.  Elas dependem, fundamentalmente, de dois fatores: políticas públicas e da demanda social, do mercado. Os dois “sócios” importantes, que ainda não conseguimos captar inteiramente, são a necessidade de uma liderança – não de governo, mas de Estado -, com a visão de prazo longo, porém que ainda tem sido muito lenta na apropriação dos valores necessários para a implementação das políticas públicas ambientais. O segundo fator é uma consciência crescente do consumidor. Ele tem de pressionar as empresas a ofertarem os serviços que consideram importantes, pela sua própria consciência social e ambiental. Por exemplo, ouvimos muito dizer: “não consumam sacolas plásticas” ou “não construam casas com madeiras não certificadas”. Aos poucos isso está acontecendo, ou seja, a consciência socioambiental do consumidor está forçando o governo que, de certa forma, não reagiria dessa maneira.

Acompanho as COPs (Conferências das Partes), que são as grandes conferências oficiais das Nações Unidas para a oferta de soluções aos impactos ambientais. A de Copenhague, na Dinamarca, foi muito importante para o Brasil, porque assumimos, sem querer, uma posição preponderante. Na época, houve uma declaração bastante inócua do presidente dos Estados Unidos, Barak Obama;  e o nosso ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, pressionou o presidente Lula a fazer uma declaração no sentido de o Brasil assumir um nível de emissões de gases de efeito estufa compatível com a expectativa de mitigação da problemática ambiental. Então, “furamos” a fórmula política e a proposta brasileira foi assumida como a de uma retenção voluntária das emissões. Para o Brasil, isso é mais fácil do que para os EUA e a China, que são os dois grandes países emissores. Mas foi um furo político bem-vindo, porque indicou um caminho que esperávamos e ainda esperamos que venha ser seguido por outros países. Apesar de ter representado uma meta voluntária, esse fato acabou condicionando vários setores públicos, que já estão levando a sério o assunto.

IS: O senhor levantou a questão de que as empresas não fazem nada sozinhas e dependem de políticas públicas e da consciência do consumidor. Mas em que medida acredita que as empresas influenciam essas políticas públicas? Existe um protagonismo empresarial nesse aspecto, em busca de uma sociedade mais sustentável?

IK: Acredito que algumas empresas de ponta trabalham no sentido da conscientização de todos os seus sistemas, no caminho certo. Algumas não são obrigadas, mas fazem à sua maneira e isso é altamente elogioso. Outras fazem por contingências legais ou por necessidades locais. Há companhias florestais que assumiram uma tecnologia admirável, chamada de corredores de biodiversidade. Tratam-se de áreas devastadas; porém, ao plantar ou replantar nesses corredores, mantêm-se núcleos de mata nativa que passam a integrar toda a floresta de forma homogênea, tornando-a legítima no sentido ambiental e restaurando toda a biodiversidade na região. Então, acho que esse é um exemplo que, por gravidade, aconteceu e é eficaz. Não sei se foi motivado por uma vontade ambientalista, mas certamente por uma necessidade tática de obtenção da própria matéria-prima dessa indústria.

IS: Quais setores empresariais, na sua opinião, estão liderando o movimento pela sustentabilidade?

IK: Os bancos, em geral, vêm assumindo uma política de sustentabilidade interna e externamente. Procuram contingenciar a demanda de crédito de acordo com o comportamento sustentável das empresas financiadas. Creio, portanto, que essas instituições podem ser muito eficazes como instrumentos de implementação de políticas. Algumas indústrias estão sentindo que a boa relação com o social e o ambiental melhora a própria produtividade, aumenta a  performance. Então há uma tendência nesse sentido. De qualquer forma,  todas as empresas estão inseridas num modelo econômico repleto de impasses estruturais. E esse é outro assunto que deve ser tratado com uma visão de longo prazo.

IS: E vem sendo tratado?

IK: Agora vou sair um pouco da minha visão puramente ambientalista… Estamos vendo hoje uma crise, que culminou em 2008, mas já vinha sendo alimentada há bastante tempo. A crise do modelo financeiro altera quase todos os horizontes econômicos, porque a moeda conversível não existe mais. Ainda estamos subsistindo de moedas falsas, virtuais – seja o dólar ou o euro. E a relação de todas as outras moedas com essas, conversíveis, é totalmente instável. Digo, portanto, que o modelo financeiro no qual o planeta repousa hoje não é sustentável.

O modelo financeiro atual foi criado após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), baseado na chamada Convenção de Bretton Woods, na qual as discussões sobre o futuro de uma economia global começaram. Essa foi a primeira vez que se discutiram assuntos de economia e finanças com uma visão globalizada. Só que, para que essa visão tivesse uma relação com o futuro, ela precisaria oferecer uma estabilidade. Essa estabilidade, no entanto, foi criada por força do país vencedor da guerra – os Estados Unidos. A Europa estava destruída e havia a necessidade de uma referência. Os EUA, portanto, avançaram com o dólar. Para que essa referência fosse plenamente válida, ela tinha uma relação direta com um recurso natural não renovável, que era o depósito de ouro de Fort Knox. Ou seja: além de aquele país ter uma moeda conversível (o dólar), ela se relacionava com um recurso natural permanente e de valor imutável, que era o ouro. Podia-se chegar com uma nota de 100 dólares ao Tesouro Americano e o cidadão receberia o equivalente em ouro. Isso prosseguiu até os anos 1970, quando o presidente Nixon acabou com essa paridade. A partir daí, a relação da moeda com o recurso natural desapareceu, o chamado lastro da moeda conversível. As moedas começaram, então, a refletir um processo econômico baseado na sua própria virtualidade.

IS: O que passou a lastrear a moeda?

IK: Desatrelada da riqueza natural, a moeda passou a ser reflexo do crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de cada um dos países. Os dominantes, economicamente mais desenvolvidos, tiveram essa prioridade. A eles coube estabelecer a própria conversão, e assim foi criado o euro, reforçou-se o dólar. A tal ponto que, hoje, temos um exemplo de moeda candidata à conversibilidade – teria direito, dentro desse modelo – que é a chinesa.  Ela está quase se tornando uma moeda conversível; só não é ainda pela interferência permanente do Estado, que a regula de maneira que ela só tenha validade dentro de seus próprios interesses. Então essa, no meu entender, é a fonte da crise estrutural da nossa economia.

Obviamente nós, ambientalistas, temos a intenção de avançar cada vez mais na ideia de relacionar a conversibilidade da moeda com os recursos naturais. O que seria, portanto, essa moeda conversível? Se tivermos uma cesta de recursos naturais cuja demanda seja crescente – ou decrescente -, mas o valor seja variável de acordo com as moedas relacionadas com os recursos naturais, aí voltamos a ter lastro.

IS: Então o senhor está dizendo que é necessário precificar os serviços ambientais para que as moedas possam ter lastro novamente?

IK: Exatamente. Esse é um aspecto, mas, se não for isso, existem outras possibilidades, como as moedas de países cujo sistema econômico seja estável e permanente – o Brasil está caminhando para isso, por exemplo. Uma série de moedas, portanto, de vários países, poderia também relacionar-se a uma nova moeda que fosse conversível.

IS: Seria uma moeda universal?

IK: Acredito que a tendência é existir uma moeda universal, de uma maneira ou de outra. Pelo menos acho que deveremos, no futuro, caminhar para dois tipos de moeda: nacionais e universais. Não quero dizer que seja viável: trata-se de um desenho ideal baseado não só naquilo que penso, mas no imaginário de quase todos os ambientalistas. Essa seria outra possibilidade. Então, citei duas hipóteses: uma moeda baseada numa cesta de recursos naturais não renováveis; outra, lastreada numa cesta de moedas de países de economia estável. E a terceira e mais séria: uma que deve ser prefixada pela representatividade das suas áreas de produção e da capacidade de não emissão, ou seja, a internalização do custo do carbono utilizado pela matriz energética de cada um desses países. Isso foi tentado no Protocolo de Kyoto, mas não funcionou porque ficou isolado dentro da comunidade europeia, e pela falta de adesão de países mais emissores, como os EUA e a China. E não funcionará se não tivermos um acordo mundial sobre isso, que parece cada vez mais distante.

IS: O senhor, considerado por muitos um visionário, acredita que alguma dessas possibilidades tem chance de prosperar?

IK: Gosto que me chamem de visionário, porque acho que o único realista é o visionário (risos). Acho que nada nasce, nesse campo, a não ser por meio de uma crise global. O grande heroi é o homem comum que surge, por acaso, de dentro de uma crise. Uma solução dessas tem de vir dessa forma: numa crise do modelo  econômico e financeiro…

IS: Mas já não estamos vivendo essa crise?

IK: Acredito que sim e não temos a liderança necessária para que as propostas sejam feitas de forma viável. Não sei dizer que liderança seria essa.  Mas talvez possamos imaginar, caminhar por utopias. Por exemplo, as Nações Unidas tem falhado, lamentavelmente, na sua capacidade de liderar uma solução para o problema mais grave de todos, que é o das mudanças climáticas.

IS: Talvez não seja a ONU, neste momento, a liderar a mudança?

IK: Pode ser, pode não ser.  Existem boas lideranças dentro do sistema da ONU, porém todas amarradas pelo princípio de que qualquer solução requer uma unanimidade – inviável em 200 países. Totalmente inviável! Segundo, as lideranças nacionais estão contingenciadas, pelo próprio regime democrático, a uma visão de governo e não de Estado. As propostas do presidente Obama durante a campanha não se realizaram porque, de repente, ele deixou de ser estadista e tornou-se um governante.

Além do mais, acredito que exista outro vetor que cada vez passa a ser mais importante e está começando a aparecer de forma muito visível, sobretudo aqui no Brasil, que é a motivação ética. Essa motivação é abrangente na população, mas não nos mecanismos de implementação de políticas. Ela significa o conceito de que o Estado requer uma visão ética. Mas os governos flexibilizam isso de forma lastimável.

IS: Como tem visto o papel das lideranças dentro das empresas?

IK: Não é função da empresa solucionar os problemas macro. Elas influem por meio das suas lideranças setoriais na formação de opinião, mas não como uma liderança absoluta na estruturação de soluções globais ambientais, da estrutura econômico-financeira do planeta e necessárias para reconceituar os modelos de governança. Essa demanda deve vir do consumidor ou de políticas públicas.

IS: Então, para o senhor, sem a pressão do consumidor ou de políticas públicas, as empresas não tomarão iniciativa?

IK: Olha, me desculpem, mas não acredito naquilo que o inglês chama de gooder: o “bonzinho” não interessa. É preciso ter uma motivação realista… Recorro, aqui, à minha cultura judaica, que é muito forte. Temos dois princípios básicos da administração social de nossos grupos étnicos: um se chama CeDaCa, que não significa filantropia, mas justiça; o outro, Miztvah, que não é esmola, mas mandamento. Então temos justiça e mandamento. E isso é implementável, sem legislação, nas comunidades judaicas que conheço no mundo inteiro, porque faz parte de uma cultura. Trata-se de humanismo. As empresas carecem da implementação desse humanismo. E, para isso, é necessário ética, liderança social, setorial, global e o sentido de missão. Estou sendo utópico, mas…

IS: O senhor acha, então, que as empresas ainda estão longe disso?

IK: Elas não têm por que ficar perto. Estão sendo levadas. Pessoas das empresas fazem isso, mas não como empresa, e, sim, como indivíduos. Acho importante extrapolar a doutrina que rege a ética individual para a ética empresarial, social e política.

IS: Qual a sua expectativa para a Rio+20? Que avanços espera?

IK: O foco central da Rio+20 deveria ser o problema das mudanças climáticas. Mas um senhor chinês, subsecretário da ONU (Sha Zukang) inventou duas coisas que não funcionaram no passado e não vão funcionar agora: a primeira é a “economia verde” – ninguém sabe o que é; a outra é o “combate à pobreza”. O nome é bonito para uma conferência, todo mundo gosta… mas não entrega mercadoria. De qualquer forma, creio que a ideia da Rio+20 é excelente e tenho esperanças de que, apesar da temática não ser prioritária nem, sobretudo, inteligente, ela poderá trazer algumas surpresas agradáveis.

IS: Como visionário, o que acha que pode acontecer?

IK: Gosto de ser visionário, mas só de brincadeira… (risos). Na verdade, sou muito realista, muito pé no chão; tudo o que estou falando acredito que vai acontecer, dentro de um tempo e um espaço. Não creio que será hoje nem amanhã, mas vai acontecer em algum momento. A crise tem de ter uma solução; sou otimista com relação à humanidade porque ela sempre evoluiu com as crises. Por um lado, estamos vivendo uma sobreposição de crises; por outro, a atual leva “vantagens” porque uma “guerra total”, que no passado resolvia os problemas, é totalmente inviável hoje. Há guerras parciais, tópicas e as grandes potências todas vêm perdendo uma após a outra, nessas batalhas tópicas. O Vietnã e o Iraque perderam; o Afeganistão está perdendo. Que brincadeira é essa? Enquanto isso, só os EUA têm um orçamento militar que é igual ao total do resto desse orçamento no planeta. Para quê?

O valor de um submarino atômico, por exemplo, seria suficiente para implantar todo o sistema de saneamento básico nas principais cidades africanas. Então essa série de crises é muito bem-vinda, porque, sem elas, não chegaremos a lugar nenhum. Viu como não sou tão visionário?

IS: Por causa – ou apesar de tudo isso – o senhor vê o Brasil com potencial de liderança no campo da sustentabilidade?

IK: Eu vejo o Brasil com condições excepcionais por uma razão: somos, pela sua própria natureza, um país global. Um lugar onde não temos conflitos internos, como em muitas nações. O Brasil não tem um problema de energia, porque a disponibilidade das renováveis e limpas é mais do que suficiente para uma visão de futuro enorme. Somos um país extremamente pacífico e colocado numa situação de liderança geográfica, topográfica, econômica, em um continente que está esperando uma missão ainda. E o que falta? O mínimo de razoabilidade no processo de governança. É complicado! O país se tornou, por meio da extrapolação de legislações imbecis, de difícil administração. A burocracia empedernida e voltada a interesses pessoais é muito grande. Governos são fadados à baixa eficiência pelos entraves dos processos decisórios. Enfim, isso tudo tem de ser superado, mas creio que há uma consciência pública boa no Brasil e a necessidade já está sendo demonstrada claramente. O país não quer corrupção nem esse modelo político ineficiente. O que o Brasil quer, como Estado, é bom. Então vamos esperar que  essas modificações estruturais, tanto na área de governo como na empresarial e intelectual, coadunem com a missão que o Brasil deve ter.

IS: Tomando emprestado o nome do seu livro, qual a maior “urgência do presente”?

IK: Mudanças climáticas. Essa é a urgência do presente. Por meio da multiplicidade de causas: econômica, de governança, enfim, todas essas das quais falamos aqui, até agora, levam a um produto final: a crise ambiental oriunda das mudanças climáticas. Urgência urgentíssima!

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