Dossiê Verde

Dossiê Verde

Por Bruno Barreiros

O apoio ou a crítica sobre a sustentabilidade empresarial não repercute apenas dentro dos domínios de cada empresa. A avaliação que o consumidor faz expande-se do micro ao macro, abarcando o setor empresarial ao qual a companhia avaliada pertence. Esse julgamento também ocorre na forma inversa, afunilando-se do macro ao micro – parte das crenças sobre o grau de responsabilidade de um dado setor e culmina nas impressões sobre uma determinada companhia.

Nos últimos estudos sobre sustentabilidade empresarial da Market Analysis, descobriu-se que a formação da opinião da demanda sobre o desempenho em sustentabilidade corporativa é uma via de mão dupla: a avaliação de uma empresa conduz a uma imagem similar do seu setor; e a avaliação do setor também determina a percepção dos consumidores sobre uma  corporação.


Entre os setores mais sustentáveis, a avaliação de empresas tidas como exemplo em sustentabilidade explica grande parte do bom desempenho setorial. É dessa forma que o  alimentício, primeiro colocado no ranking deste ano, se beneficia da boa reputação em sustentabilidade da Nestlé (4ª colocada entre as melhores empresas). Similarmente, as empresas petrolíferas (segunda posição no ranking setorial) aproveitam muito do desempenho da Petrobras (líder em sustentabilidade aos olhos dos consumidores). Isso também ocorre para a mídia, que colhe os frutos do desempenho da TV Globo (7ª colocada entre as empresas).

Entre os setores mal avaliados, o fluxo mais intenso na via de mão dupla é o inverso dos melhores exemplos setoriais: a opinião que o consumidor possui acerca dos bens e das atividades de um setor influencia bastante a avaliação das empresas que o compõem. Isso se torna claro quando se analisam aqueles com pior desempenho: empresas de cigarro, indústria química e mineradoras não possuem imagem favorável no que tange à sustentabilidade, provavelmente uma consequência do grande volume de críticas da sociedade a respeito dos impactos na saúde da população e na preservação ambiental. Isso é reforçado quando constata-se que nenhuma empresa representante desses setores surge no ranking das melhores em responsabilidade corporativa. Assim, o consumidor pauta a sua avaliação no que cada segmento produz, no que suas atividades significam e nos seus impactos para a sociedade, efetuando uma análise genérica.

Mas como esses segmentos têm evoluído nos últimos anos? Quais são os setores que apresentam perdas de reputação em sustentabilidade e quais têm conquistado terreno?

O desempenho dos setores antes e depois da crise financeira global

Os três segmentos líderes de 2011 em sustentabilidade na visão dos consumidores possuem evoluções distintas nos últimos anos.

Para a indústria alimentícia, o momento é realmente de euforia: a liderança de 2007-08, perdida em 2009-10, no período nuclear da crise financeira mundial, enfim retornou. As petrolíferas, por outro lado, representam o segmento que menos sofreu com a crise: apesar disso, o setor não obteve resultados expressivos e manteve-se estável no período pós-crise, perdendo oportunidades de ganhos de reputação em matéria de sustentabilidade. Já para a mídia, apesar da terceira posição neste ano, o momento é de alerta: desde 2007, a avaliação que os consumidores brasileiros fazem do setor tem sido cada vez mais crítica. Perdas tão grandes de reputação no campo da sustentabilidade indicam um descompasso setorial em relação ao restante dos players do mercado: o setor midiático possui, neste ano, quase a metade de apoiadores – no sentido da percepção de imagem – que tinha cinco anos atrás.

Não apenas a mídia e o setor petrolífero têm deixado de ganhar reputação em sustentabilidade: a situação também é de alerta para os bancos e para as mineradoras. No caso do segmento bancário, o principal desafio é mudar a percepção que os cidadãos possuem acerca do negócio em si, uma vez que os players do setor possuem bom desempenho isoladamente (três bancos aparecem entre as dez melhores empresas em responsabilidade corporativa no ranking do MRSC 11 – Bradesco, Itaú e Banco do Brasil). As mineradoras, por sua vez, não estão isentas da necessidade de mudar a imagem do core business, mas o benchmarking em sustentabilidade possui outro direcionamento: a Vale é a companhia a ser seguida como modelo aos olhos do consumidor, única representante das mineradoras a surgir entre as melhores em responsabilidade corporativa.

Apenas quatro dos 14 segmentos empresariais investigados não conseguiram ganhar terreno depois da crise financeira global. Esses setores em queda ou estáveis desviam-se da tendência da maioria de terem suas operações cada vez mais legitimadas pelos consumidores, perdendo um momento bastante oportuno, no qual a economia nacional tem sido alavancada e o país tem se consolidado como liderança mundial.

 

Entendendo as diferentes audiências e suas percepções sobre os setores

Pensando a comunidade de consumidores como segmentada em audiências, a credibilidade da comunicação e o interesse por responsabilidade corporativa são os dois pilares da audiência brasileira em sustentabilidade empresarial. Dessa forma, encontramos quatro perfis: 1) hiper-receptivos; 2) céticos engajados; 3) apáticos ingênuos; 4) audiência perdida.

Essa segmentação tem por finalidade entender as reações e expectativas do consumidor perante ações de sustentabilidade empresarial e fornecer insights sobre o comportamento do brasileiro com relação a esse assunto.

Os consumidores hiper-receptivos, que se interessam por responsabilidade corporativa e confiam na comunicação sobre o tema, formam o grupo dominante (54% do público). Esse grupo avalia os setores de forma mais positiva, em geral, inclusive segmentos criticados, como a indústria química e as mineradoras. Os hiper-receptivos são os que usam as lentes mais otimistas e favoráveis para enxergar o movimento de sustentabilidade empresarial. Contudo, nem mesmo para esses consumidores as empresas de cigarro são bem vistas: há um volume de críticas muito superior à neutralidade e ao apoio.

O segundo maior grupo, que concentra praticamente um em cada quatro consumidores (26%), é o foco de intervenção estratégica no curto e médio prazos: os céticos engajados. Esse público apresenta alto interesse pela temática, mas questiona a idoneidade da comunicação, desconfiando de socialwashing (comunicar ações sociais inexistentes, inúteis ou de forma tendenciosa) ou de greenwashing (comunicar ações ambientais inexistentes, inúteis ou de forma tendenciosa). Para os céticos engajados, as estratégias de marketing nessa área visam, essencialmente, a ilusão dos consumidores.

Os céticos engajados são críticos vorazes dos diversos setores empresariais em matéria de responsabilidade corporativa, inclusive os que recebem maior apoio entre consumidores em geral: não avaliam tão bem o desempenho em sustentabilidade da indústria alimentícia, das petrolíferas e da mídia, inclusive. Devido ao nível do engajamento e espírito crítico acerca do que é veiculado, esses consumidores podem ser encarados como os calibradores da relação entre o discurso e a ação em matéria de sustentabilidade corporativa.

Um terceiro grupo, os apáticos ingênuos, é exatamente oposto ao anterior: acreditam na comunicação, mas revelam desinteresse pela temática. São 8% dos consumidores brasileiros e necessitam ser sensibilizados sobre a relevância do tema, uma vez que estão predispostos a confiar no que é comunicado. Esse grupo se destaca por avaliar melhor do que os demais as empresas de TI e as de cigarro, a indústria alimentícia e a farmacêutica, além das operadoras de telecomunicações. Desse modo, a confiança na comunicação corporativa desvinculada de interesse no assunto, característica desse perfil de consumidores, não os mune de critérios de avaliação, levando a uma percepção ingênua sobre o movimento da sustentabilidade corporativa.

Por fim, o perfil mais desafiador no médio e longo prazos para os gestores: a audiência perdida. Um total de 13% dos consumidores brasileiros não se interessam pelo tema e tampouco confiam no que as empresas dizem e informam a respeito. Quando avaliam os setores, costumam não se posicionar, assumindo uma postura neutra. Excepcionalmente apoiam, mais do que os demais grupos, o desempenho da indústria automobilística e da têxtil.

Esse grupo pode ser um entrave ao desenvolvimento dos negócios na medida em que se mantém fora do radar de comunicação das empresas.

Há, portanto, grande relação entre interesse por responsabilidade corporativa, credibilidade da comunicação empresarial e avaliação do desempenho dos setores.

A função de crítica é assumida pelos céticos engajados, ao passo que o apoio tende a ser o papel dos hiper-receptivos e dos apáticos ingênuos.

A avaliação de desempenho sustentável dos setores depende também de questões demográficas, como classe socioeconômica, nível de escolaridade e região do país.

Quando segmentamos os consumidores por classes socioeconômicas, constatamos que o volume de apoiadores do desempenho setorial em sustentabilidade cai à medida que aumenta o poder aquisitivo. Isso ocorre principalmente para bancos, petrolíferas, montadoras de automóveis, empresas de TI, fabricantes de alimentos, indústria farmacêutica e operadoras de telecomunicações. Desse modo, para sete dos dez primeiros setores do ranking, a classe a que o consumidor pertence influencia em grande medida a forma pela qual os desempenhos são avaliados.

O desempenho dos segmentos empresariais também é avaliado de forma diversa a depender da região do país. As petrolíferas recebem críticas fortes dos consumidores do Centro-Oeste e têm sua atuação vista como sustentável sobretudo pelos nordestinos, ao passo que os sulistas adotam postura neutra.

O mesmo ocorre para a indústria química e para as empresas de cigarro: apoio no Nordeste, crítica no Centro-Oeste e neutralidade no Sul. Para as fabricantes de alimentos, o cenário é quase igual, mudando apenas a fonte maior de desaprovação do Centro-Oeste para o Sudeste. Essa postura crítica do Sudeste também é direcionada para a indústria farmacêutica, a qual tem seu maior apoio entre brasilienses e goianos. Também para as empresas de TI, os consumidores do centro do país são os mais favoráveis.

O aspecto demográfico com maior influência sobre a capacidade de determinar a avaliação de desempenho dos setores, no entanto,  não é o socioeconômico nem o regional, mas sim o nível de escolaridade. Para a maior parte dos setores, o apoio reside principalmente entre os que tiveram menor acesso à educação formal, ao passo que a crítica vem dos mais escolarizados. Assim, o aumento do nível de escolaridade dos consumidores traz consigo uma atitude mais exigente em relação à atuação sustentável das empresas. Esse é um sinal importante para que elas busquem a sustentabilidade: à medida que o Brasil continue progredindo em indicadores sociais e que a população tenha maior acesso à educação, a cobrança por uma atuação sustentável genuína será cada vez maior. Analisada a percepção dos brasileiros, o estudo do MRSC 2011 investigou, também, a diversidade mundial: até que ponto a percepção sobre o desempenho dos setores em sustentabilidade é similar ao que se encontra ao redor do mundo?

 

O desempenho dos setores ao redor do mundo

Hoje, praticamente nenhuma grande empresa brasileira se abstém de fazer negócios internacionais. Por isso, é crucial compreender o tamanho do raio de alcance das lideranças setoriais identificadas no Brasil ao longo dos principais mercados estrangeiros. Comparamos o desempenho dos 14 setores avaliados no Brasil com as avaliações de outros nove países: China, Índia e Rússia (emergentes); Canadá, França, Alemanha, Japão, Grã-Bretanha e Estados Unidos (desenvolvidos).

O primeiro resultado que salta aos olhos é o de que os brasileiros seguem um padrão de avaliação setorial mais similar aos dos consumidores de países desenvolvidos (principalmente EUA e Canadá) do que aos dos mercados emergentes (China, Índia e Rússia). Os BRICs se desalinham na avaliação de alguns setores: a indústria alimentícia – primeira colocada no Brasil – não é bem avaliada entre os indianos e russos, sendo que na China ocupa posição discreta; a farmacêutica apresenta desempenho razoável no Brasil e na Índia, mas é bastante criticada na Rússia e na China; os bancos têm sua crítica maior no Brasil, ao passo que o setor assume posição intermediária na Rússia, é vice-líder na China e o mais sustentável  na visão dos indianos. Assim, a percepção dos consumidores sobre o movimento de sustentabilidade empresarial está mais enraizada nos aspectos sociais – o que é comprovado pela proximidade com os EUA e Canadá, países cujas plataformas culturais e históricas são mais próximas da brasileira – do que por aspectos econômicos, o que poderia aproximar brasileiros de chineses, russos e indianos.

Outro resultado importante dessa comparação mundial é o de que os três setores primeiros colocados no Brasil não estão imunes a críticas contundentes em outros países. A indústria alimentícia, por exemplo, não é ainda legitimada no restante dos países dos BRICs. Em relação às petrolíferas, apenas no Brasil – e isso se deve em grande medida ao bom desempenho da Petrobras – o setor está entre os três primeiros: na maior parte dos mercados, essas empresas são muito mal avaliadas, especialmente na Alemanha, no Canadá e na Grã-Bretanha, países onde o acidente da British Petroleum no Golfo do México sensibilizou mais a opinião pública. A mídia, terceira colocada no Brasil, tem um desempenho abaixo da avaliação brasileira em todos os mercados, exceto na Rússia, onde assume a liderança em responsabilidade corporativa.

Se consumidores dos outros países discordam quanto aos três primeiros colocados no ranking setorial dos brasileiros, o mesmo não acontece em relação aos últimos colocados.

Há um consenso entre os países investigados de que os três últimos colocados, no Brasil, são realmente os que mais precisam assimilar os princípios sustentáveis também em outras partes do mundo.

As mineradoras, a indústria química e as fabricantes de cigarro representam os contraexemplos em sustentabilidade; e essa percepção não se restringe a determinadas fronteiras.

Existe algum setor mais imune a críticas nos principais mercados do mundo?

De modo geral, as empresas de tecnologia, de automóveis e de telecomunicações aparecem como as menos propensas a avaliações negativas, uma vez que são sempre avaliadas ao menos na oitava posição em todos os países investigados. Para além de gerarem grande desejo de consumo, esses segmentos são também alvo de expectativas por soluções para os problemas globais: por exemplo, cerca de seis em cada dez consumidores do Brasil e da Índia acreditam que novas tecnologias resolverão o problema das mudanças climáticas sem que grandes transformações no pensamento da humanidade sejam necessárias. Essa é provavelmente a principal proteção das empresas que trabalham com inovação tecnológica contra críticas em relação às suas responsabilidades corporativas: o nível de confiança de que essas corporações possam trazer mais soluções e menos danos à humanidade é considerável, criando uma plataforma reputacional que contribui bastante para a sustentabilidade desse segmento.

Benchmarking setorial em sustentabilidade: algumas considerações

A análise do desempenho setorial em matéria de sustentabilidade no Brasil, ranking e evolução, nos últimos anos, revela que a indústria alimentícia é o foco do benchmarking. Não só ocupa a liderança, neste ano, como também foi o segmento que mais se recuperou depois da crise financeira global e se posiciona entre os melhores em responsabilidade corporativa nos mercados desenvolvidos, onde o nível de exigência por atuação sustentável tende a ser maior do que o da realidade brasileira. Contudo, até mesmo as fabricantes de alimentos atuantes no Brasil têm seus desafios, entre eles o de continuar avançando em termos de legitimidade entre os céticos engajados, as classes socioeconômicas mais favorecidas, os mais escolarizados e os consumidores da região Centro-Oeste do país.

O maior exemplo a não ser seguido, segundo os dados do MRSC 2011, é o das mineradoras. Apesar de estarem acima da indústria química e das empresas de cigarro no ranking nacional, têm perdido terreno em termos de reputação sustentável nos últimos anos e são bastante criticadas ao redor do mundo. Ainda, não importa o poder aquisitivo, a região do país ou o nível de escolaridade: na percepção dos consumidores, não há margens de apoio confortáveis para as mineradoras. Para o segmento, no entanto, há uma saída em relação ao benchmarking: a Vale tem sido bem avaliada nos últimos anos e parece representar o oásis a ser alcançado pelas empresas desse segmento amplamente criticado.

Esses resultados do MRSC 11 revelam principalmente o raio de alcance da percepção dos consumidores brasileiros. A demanda não se limita a uma avaliação superficial do mercado, observando apenas as empresas com as quais se relaciona. O público brasileiro mostra-se cada vez mais maduro para avaliar os segmentos empresariais e compará-los entre si de forma coerente, deixando pouco a desejar em relação a mercados já desenvolvidos, como o europeu e o norte-americano. Aos segmentos empresariais já embarcados na trilha da  sustentabilidade, cabe atentar cada vez mais para o que a demanda tem a dizer, especialmente às suas expectativas por uma atuação corporativa sustentável.

Bruno Barreiros é analista de pesquisas quantitativas da Market Analysis, instituto de pesquisas especializado em sustentabilidade e responsabilidade social.

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