Artigos – A responsabilidade social ajuda ou atrapalha a educação?

Artigos – A responsabilidade social ajuda ou atrapalha a educação?

Diante de sistemas educacionais pobres, mal geridos e pouco inspirados, os programas de responsabilidade social das empresas sopram como uma brisa fresca. Afinal de contas, as grandes empresas são as vencedoras em mercados brutalmente competitivos. Quando decidem usar sua indisputável competência para ajudar a educação, isso só pode ser uma boa notícia. Mais ainda, a magnitude do seu esforço na área social é impressionante.
Portanto, devemos festejar a presença crescente da responsabilidade social no mundo das escolas. Mas alto lá, o processo dar umas desafinadas. Será que os dois mundos se sincronizam bem?
As fundações querem agradar e querem mostrar resultados. Responsabilidade social, sem visibilidade, faz bem menos sentido e mobiliza orçamentos mais modestos. Não chega a ser um problema, pois não há uma antinomia essencial entre o que a educação precisa e o que traz visibilidade às empresas. O desafio possível é conseguir os dois ao mesmo tempo.
Quais são as prioridades da educação brasileira? As respostas são convergentes, quando perguntarmos a quem acompanha de perto o tema. Todos concordam em que o grande desafio hoje é ensinar as habilidades básicas, tais como ler escrever e usar números. É justamente nesses testes que nossa educação mostra a sua cara horrenda, apresentando resultados que nos colocam na rabeira, até de países menos ricos do que o nosso. É o miolo da educação que está estragado. Diante dessa prioridade, os acabamentos e as lantejoulas empalidecem.
Acontece que melhorar compreensão de leitura e escrita é sem charme, pouco visível e demorado. A própria escola reluta em enfrentar esse desafio, pois não traz reconhecimento nem aos professores nem à administração. Daí o perigo de transformar a escola em um lugar onde tudo acontece menos educação.
E esse perigo pode ser agravado pela presença dos programas de responsabilidade social das empresas. Ou seja, tanto a escola quanto os programas das empresas podem optar pela solução brilhosa e mais fácil: cuidar das lantejoulas e não do miolo duro da educação. Aí vêm o dia disso, o dia daquilo, as festas, as danças, as capoeiras, os computadores e uma infinidade de outras atividades que não são intrinsecamente erradas, mas que competem por atenção com o ensino curricular. Alguns observadores vêm chamando a atenção para alguns casos onde o ensino fica prejudicado pela abundância de atividades paralelas e infinitamente mais divertidas e visíveis.
Um fator apontado pelos que estão próximos das escolas indica uma colisão de lógicas operacionais. As empresas chegam com suas prioridades e os programas que as encantam. Ou, contratam com ONGs a preparação de atividades charmosas. Mas quem disse que, naquele momento, é isso que as escolas querem fazer ou precisam fazer?
Portanto, a lição é clara. A responsabilidade social é mais do que bem vinda, quando ajuda a educação. Mas quando desvia as atenções e os esforços ou está fora de sintonia com a escola, melhor seria se não existisse.
Quando examinamos as fundações filantrópicas mais importantes, vemos muitos casos em que desenham seu programa para ajudar a escola nas suas tarefas mais nobres. Há programas lidando com os repetentes. Outros pescam os pobres talentosos, oferecendo a eles escolas de primeira grandeza. Há programas de gerenciamento de escolas municipais. Alguns operam escolas de excelente qualidade. Há programas levando educação de qualidade a quem não poderia tê-la. E muitos outros, dentro das organizações que compõe o GIFE, por exemplo.
Mas infelizmente, nem tudo vai à direção certa. Há muito patrocínio para atividades que desviam a atenção da escola. Por razões óbvias, não caberia aqui nomear programas equivocados. Mas a pergunta é simples: o trabalho da responsabilidade social está contribuindo para melhorar a qualidade da educação? Ou está criando atividades paralelas divertidas, agradáveis, mas que competem com a busca quase inglória da qualidade? Está andando na mesma direção, mas com o passo errado, tropeçando com o que tenta fazer a escola?
Naturalmente, é preciso matizar um pouco a discussão. Uma escola árida, chata, feia e sem a alternância de atividades divertidas e variadas tampouco leva a uma educação de qualidade. Portanto, não se trata aqui de ser contra festas, artes, esportes e a miríade de outras atividades que divertem, seduzem e tornam a escola atraente. Em eixos diferentes, tais atividades também educam. E tampouco podemos ignorar o argumento de que as escolas públicas atendem a clientelas muito carentes em tais atividades.
É tudo uma questão de equilíbrio. Tais alternâncias devem estar presentes e os programas patrocinados pelas empresas são bem vindos quando as promovem. Mas nota-se um desequilíbrio, sobretudo nos grandes centros, onde estão muitos dos escritórios das empresas.
Há escolas onde o divertimento promovido pelos programas de responsabilidade social vira um óbice à educação, por tornar-se uma alternativa a ela. É preciso que as empresas façam as perguntas inevitáveis. Quais são as prioridades da educação no Brasil de hoje? Quais são as prioridades e os calendários da escola para implementá-las? As suas atividades sociais estão contribuindo ou atrapalhando a educação? Infelizmente, há casos onde as respostas não serão muito lisonjeiras para as empresas. Mas isso não precisa acontecer e, se entendi bem, a ação do GIFE pode ser muito útil para encontrar os bons caminhos.
Já passamos a fase heróica e pioneira, quando a mera disposição das empresas para ajudar as escolas era fato a ser automaticamente festejado. Justamente por vivermos em um momento onde tais atividades desabrocharam é que podemos ser um pouco mais críticos, notando que nem tudo o que está sendo feito ajuda tanto. Lembremo-nos, a causa é a da educação, não a de fazer alguma coisa na escola ou com os alunos.
*Claudio de Moura Castro é Presidente do Conselho Consultivo da Faculdade Pitágoras
 

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