Artigos – A responsabilidade social empresarial como competência estratégica

Artigos – A responsabilidade social empresarial como competência estratégica

Nas duas últimas décadas cresceram as pressões da sociedade civil sobre as empresas para que uma parte dos lucros fosse convertida em “ganhos sociais”, ou seja, revertida em benefício dos respectivos stakeholders (públicos de interesse), chave da responsabilidade social empresarial.
Em primeiro lugar, por quê? Porque o contexto contemporâneo se alterou drasticamente: construiu-se uma economia mundial competitiva que a globalização econômica expressa em toda a sua pujança; muitos regimes políticos de exceção transformaram-se em regimes liberais, assegurando o respeito aos direitos dos cidadãos (é o caso do Brasil com o fim de seu regime autoritário-militar em 1985-90); a mídia diversificou-se e, graças à sua capacidade investigativa, seus veículos tornaram-se caixas de ressonância e instrumentos de vigilância democrática; a tecnologia da informação e as telecomunicações em tempo real – expressões maiúsculas da Revolução Digital – redefiniram por inteiro as relações entre países, organizações e pessoas.
Em segundo lugar, como? Clientes ou cidadãos adquiriram um extraordinário poder de dissuasão, fazendo valer seus interesses. Passaram a desfrutar da possibilidade de debandar para os concorrentes ao ficarem insatisfeitos com seus fornecedores; de mover processos na Justiça contra abusos empresariais; de recorrer a agências de defesa do consumidor, empunhando o Código de Defesa do Consumidor; d) de denegrir marcas e imagens a ponto de as empresas ficarem à mercê de possíveis boicotes.
Em terceiro lugar, com quais efeitos? Por meio dessas pressões cidadãs, a sociedade civil força as empresas a adotar uma estratégia de responsabilidade social ao fazer “política pela ética”. Ou seja, exige que as empresas ponham de lado sua tradicional retórica (falar muito e fazer pouco), abandonem suas práticas isolacionistas e passem a agir no mundo. E mais especificamente, que redefinam suas práticas, costurem parcerias com seus públicos de interesse e levem em conta os interesses gerais ou o bem comum.
Esse histórico ponto de inflexão decorreu de uma reflexão ética havida no último quarto do século e versou sobre uma indagação crucial: diante das desigualdades distributivas, faz ou não sentido que as empresas assumam compromissos com o bem-estar coletivo, tais como os direitos dos cidadãos, o consumo consciente de insumos e a preservação do meio ambiente? A resposta positiva mudou o imaginário social e criou condições para que uma se desenvolvesse uma postura politicamente militante.
Ora, a lógica da economia capitalista é a da maximização dos lucros. Afinal, os empreendedores operam com capital de risco: cabe a eles captar as necessidades do mercado e, simultaneamente, lograr mobilizar as competências necessárias para gerar produtos ou serviços que satisfaçam a demanda a preços condizentes. Ao conseguir montar tal equação, adicionam valor e se apropriam dos excedentes econômicos; se não, perdem os investimentos feitos. Como a exposição ao risco é permanente, quanto maior for o retorno econômico, mais cedo se recupera o que foi investido.
A “política pela ética” intervém nessa lógica do mercado: incorpora-lhe a estratégia dos ganhos sociais e substitui a maximização dos lucros pela sua “otimização”; inscreve a questão da inclusão social na agenda empresarial ao estabelecer a possibilidade de todas as partes se beneficiarem sem que ninguém perca. Qual é a chave dessa extraordinária novidade? À semelhança dos bens públicos, conjugar os interesses gerais (sociedade inclusiva), organizacionais (empresa) e pessoais (agentes atingidos) e construir um “altruísmo imparcial empresarial“. Trata-se de uma competência estratégica capaz de tecer parcerias intersetoriais (empresas, órgãos governamentais e entidades do Terceiro Setor), enfocar o investimento social nas condições contextuais (ambiente de inserção) e levar em conta as capacidades e as estratégias das próprias empresas. São assim obtidos benefícios sociais e incremento da competitividade do negócio, além de superar-se o mero ganho de imagem. Algumas ilustrações podem clarificar adequadamente o conceito.
A Pfizer desenvolveu um tratamento de baixo custo para a prevenção do tracoma, principal causa da cegueira em países em desenvolvimento, doou o medicamento e articulou-se com organizações mundiais de saúde para criar canais de prescrição e de distribuição para as populações necessitadas. Além de beneficiar dezenas de milhões de pessoas e, portanto, satisfazer aos interesses gerais e pessoais, o que ganhou como empresa? Melhorou suas perspectivas comerciais ao contribuir para a montagem de uma infra-estrutura necessária à expansão de seu mercado.
A América Online desenvolveu em parceria com educadores a AOL&School, um site gratuito, não-comercial, feito sob medida para professores e alunos de cada série escolar. O site ofereceu planos de aula e materiais úteis e enriquecedores para os professores e permitiu aos alunos acesso a ferramentas de referência. Com quais efeitos? Uma forte contribuição para o aprimoramento do ensino médio, beneficiando a sociedade como um todo e os alunos em particular. E quanto à empresa? Além dos importantes ganhos de imagem, melhorou a demanda de seus serviços no longo prazo e o talento necessário para provê-los.
A Grand Circle Travel doou milhões de dólares a projetos de preservação histórica em lugares que seus clientes gostam de visitar, tais como as ruínas de Éfeso, na Turquia, ou o Museu de Auschwitz-Birkenau, na Polônia. Construiu um sólido relacionamento com as organizações que mantém pontos turísticos, o que lhe permitiu oferecer oportunidades especiais de visitação e aprendizado nas excursões que ela comercializa. Nesse processo, todos acabaram ganhando indiscriminadamente.
Em conclusão, a responsabilidade social empresarial não é uma explosão espontânea de bom-mocismo, mas uma resultante de pressões da cidadania que, por sua vez, decorrem das transformações contemporâneas. O desafio que as empresas enfrentam seria, de um lado, tentar desqualificar tais pressões, fugindo das suas implicações, ou de outro, mais sensatamente, assimilá-las de forma a ampliar os mecanismos de cooperação social e partilhar os ganhos sociais que elas mesmas irão provocar.
*Robert Henry Srour é doutor em sociologia pela USP e professor dos MBA Fia e Fipecafi da Faculdade de Economia e Administração da USP
 

Inscreva-se em nossa newsletter e
receba tudo em primeira mão

Conteúdos relacionados

Entre em contato
1
Posso ajudar?