Artigos – Governança Democrática

Artigos – Governança Democrática

A palavra governança ganha corpo nas manchetes e nas conversas graças a alguns fatos preocupantes. A miséria e a corrupção atestam a complexidade de um mundo cada vez mais difícil de se compreender e administrar. São crescentes e variadas as demandas sociais, ambientais e econômicas que nascem da sociedade. Os problemas não permitem respostas personalistas ou simplistas. Em qualquer tipo de organização humana, desde países até empresas e organizações do Terceiro Setor, fica cada dia mais claro que é preciso estabelecer novos modelos de gestão e tomada de decisão, mais participativos, abertos, eficazes e que permitam maior previsibilidade.
Várias mudanças parecem pedir mais cuidado com a governança.Em meio à desconfiança generalizada, governos e organizações do Terceiro Setor buscam se legitimar pela capacidade de dar voz ao povo e construir alternativas viáveis, racionais e suficientes. Mesmo entre as empresas privadas a sobrevivência se vê ameaçada por escândalos corporativos que destroem rapidamente as economias dos shareholders, sem falar da atenção necessária aos demais stakeholders,que antes não existiam ou eram desprezados pela cúpula das organizações.
A palavra em português vem do latim gubernare, que é uma adaptação do termo grego kybernan, cujo significado original se relacionava a pilotar um navio ou dirigir uma carruagem, sendo utilizado metaforicamente por Platão para designar a ação de governar homens. O grito por governança é como um pedido pela ação das Erínias, divindades infernais da mitologia grega, responsáveis por zelar pela punição dos transgressores da justiça com castigos exemplares.
 
Governança é mais que um conceito teórico. É um campo do conhecimento que exige uma abordagem multidisciplinar para sua compreensão. Para alguns, trata-se do conjunto de regras, processos e práticas que orientam e estabelecem as relações formais de poder de uma organização com seus públicos ou entre governos e governados. O risco dessa visão é que torna possível se exercitar a governança de acordo com o previsto pelas normas e ainda assim abdicar dos fins desejáveis e do bem comum, com prejuízo quanto à eficácia e equidade. Especialmente se quem regulamenta pode se beneficiar de alguma forma. A burocracia pode passar a administrar com vistas a interesses corporativistas próprios. Seguem-se as regras, mas perde-se o rumo.
Outros preferem definir governança com um caráter normativo, cuja ênfase está nos atributos que caracterizam uma boa governança: abertura, transparência, comunicação proativa, participação, responsabilização (accountability), eficiência, eficácia e coerência. Serve a qualquer tipo de organização e pode extrapolar o âmbito de um país. Num mundo em que as fronteiras se tornam mais porosas, onde impactos econômicos e ambientais dificilmente se restringem a uma nação, aumenta o interesse pela governança internacional.
Nas empresas é conhecida como governança corporativa. Para o Setor Público, trata da interação entre povos, governantes e funcionalismo, inclusive do Judiciário e do Legislativo, não apenas nos momento do voto mas também nos demais tempos. Para o Terceiro Setor se incluem como parte do sistema degovernança, por exemplo, doadores, voluntários, empregados, comunidade, dirigentes e conselho fiscal. A nomenclatura pode variar, mas o sentido é o mesmo:governança trata da arquitetura do poder, da possibilidade de participação e de saber a quem responsabilizar no sucesso e no fracasso.
Palavra de difícil tradução para o português, accountability é a responsabilização de alguém perante outro por algo. Não é trivial. Quanto mais complexa a organização mais problemático é definir quem responde por uma decisão não tomada ou por erros de julgamento. Muitas vezes é preciso avaliar as ações, os resultados e as intenções até mesmo muitos anos depois que a pessoa exerceu o cargo em exame. Os caminhos incluem o controle pela hierarquia formal de comando, pelo controle social ou pelo monitoramento com redes formadas por pessoas que compartilham das normas e valores definidos como adequados ao exercício da função.
Outro conceito essencial é a participação. O acesso à informação deve ser garantido pela transparência e se somar a mecanismos que garantam o pluralismo e a autoridade equilibrada entre representantes e representados, governantes e governados, líderes formais e liderados, além dos demais públicos que podem estar de alguma forma sob a influência da organização. É a base da chamada governança democrática, quando se avança no caráter normativo para definir um princípio considerado ideal e precípuo à governança. É a próxima fronteira da democracia, para além da democracia política formal até a democracia social. Trata-se de abrir os nódulos do poder, mesmo em organizações privadas, para a possibilidade de mais vozes interessadas no bem comum e que evitem o lucro sem responsabilidade ou medidas eleitoreiras que possam prejudicar a sociedade.
As organizações do Terceiro Setor também precisam aprimorar seus sistemas de governança, para além do que as leis já estabelecem. Infelizmente ainda se encontram instituições que repetem modelos de atuação autoritários, centralizadores e ineficazes. As Organizações da Sociedade Civil têm um papel da maior importância como agentes de pressão e monitoramento da governança de empresas privadas e governos. Essa atuação é exercida cada vez com maior ênfase e isso pode ser muito bom para a construção do capital social.
Para finalizar, no caso específico do Brasil é necessário incluir na matriz curricular das escolas de Educação Básica temas como mobilização da opinião pública, acompanhamento e compreensão do SIAFI – Sistema Integrado de Acompanhamento Financeiro, monitoramento de políticos e poder judiciário, direitos humanos de terceira geração etc. Ou seja, desenvolver educação cívica por meio de ações práticas que colaborem com a distribuição e controle do poder. O objetivo é diminuir os custos informacionais e esclarecer os mecanismos disponíveis ou possíveis para aumentar a participação democrática na governança, em qualquer nível de governo ou tipo de organização. O caminho é árduo e urgente.
Mais informações:
1.United Nations Development Programme: http://www.undp.org/governance/civilsociety.htm
2. COELHO, V.S.P.; NOBRE, M. (Orgs.). Participação e deliberação: teoria democrática e experiências institucionais no Brasil contemporâneo. São Paulo: Editora 34, 2004.
*Luciano Sathler é doutorando em Administração na FEA/USP, docente na Universidade Metodista de São Paulo e co-organizador do livro “Direitos à Comunicação na Sociedade da Informação”, da Editora Metodista (www.metodista.br/editora).
 

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