Artigos – Orgânicos e naturais: é preciso politizar a discussão

Artigos – Orgânicos e naturais: é preciso politizar a discussão

Para alguns pode ser sinônimo de segurança. Para outros, de fidelidade a um estilo de vida. E para as empresas que ignoram a demanda crescente por produtos orgânicos e naturais, o equivalente a perder um negócio do tamanho de uma Light ou de uma Saraiva.
O mercado de produtos orgânicos e naturais não pára de crescer: no mundo, movimenta mais de 30 bilhões de dólares; no Brasil, estima-se que atingirá perto dos R$ 350 milhões até final do ano, duplicando a taxa mundial de procura. Só o Grupo Pão de Açúcar faturou, em 2009, R$ 58 milhões nesse segmento. De legumes a cosméticos, de carnes a vinhos e cachaça, de medicamentos a pigmentos e têxteis, o boom da demanda por produtos sem agrotóxicos e defensivos químicos cristaliza a convergência entre bons negócios e sustentabilidade.
Mas é só isso? A ênfase no argumento das oportunidades comerciais latentes nas propostas sobre sustentabilidade busca inspirar os agentes de mudança econômica, como as empresas, para embarcarem na causa. É a construção tática do business case, e um bom caminho para mobilizar quem é capaz de gerar um impacto numa escala inimaginável para indivíduos e ONGs isoladas. Entretanto, ao reduzir o argumento ao incentivo financeiro, a probabilidade de perder de vista o cenário mais amplo e de achatar conceitualmente o modelo de sustentabilidade é muito alta.
Estudos de mercado realizados pela Market Analysis apontam que, nas principais capitais do País, 17,3% dos consumidores adultos compram semanalmente produtos orgânicos ou naturais. Só em São Paulo, isso representa quase 1,2 milhão de clientes. Com certeza um número capaz de sensibilizar qualquer empreendedor. Mas tão importante quanto isso é entender que, por trás do favorecimento dessas opções sustentáveis de consumo, existe uma dupla orientação que define a natureza do alinhamento empresarial esperado pelos consumidores: a minimização dos riscos à saúde pessoal e pública e a maximização do consumo como instrumento gerador de mudanças estruturais.
Muito além do tipo de produto orgânico ou natural privilegiado pelo mercado, o denominador comum é a passagem de um foco nos benefícios do modelo tóxico-intensivo de produção de insumos para outro focado nos custos, e o recurso da responsabilização individual e dos agentes produtivos figura como grande facilitador dessa transição.
A conexão entre a percepção de insegurança e os modelos tóxico-intensivos de eficiência produtiva pavimenta o caminho para a politização do debate sobre como consumimos, de quem e qual é o efeito disso. Ainda, diagnósticos como o elaborado pela ANVISA, no último mês de junho, revelando que 3 em cada 4 culturas examinadas utilizavam agrotóxicos perigosos, facilitam ainda mais essa politização.
Nossos estudos com público consumidor indicam que, se ainda não se cristalizou para a maioria uma associação nítida entre o uso de fertilizantes químicos e degradação de solos e poluição da água, sim, se esboça mais claramente uma vinculação entre alimentos produzidos naturalmente, saudabilidade e mercados inclusivos. Quando ambas as dimensões se aproximarem na cabeça dos consumidores, quanto mercado e quanta reputação sobrarão para quem estiver associado a um modelo tóxico-intensivo de oferta de produtos?
Fábian Echegaray é diretor-geral da Market Analysis, empresa de pesquisa de mercado.

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