Artigos – Sete teorias sobre o voluntariado na América Latina

Artigos – Sete teorias sobre o voluntariado na América Latina

Em uma América Latina com gravíssimos problemas sociais, níveis de pobreza que, em 2005, chegaram a atingir 41% da população (superior aos 40%, de 1980) e a pior desigualdade social do planeta (os 10% mais ricos têm 48 % da renda enquanto os 10% mais pobres, apenas 1,6%), o voluntariado pode ser uma ferramenta poderosa para ajudar nas políticas públicas antipobreza. Para tanto é necessário abrir-se para uma visão renovada sobre a sua importância na América latina. E este é o propósito das seguintes teorias:
Primeira teoria: O voluntariado é um grande produtor de bens e serviços sociais
 
Uma pesquisa da universidade norte-americana Johns Hopkins em 35 países mostrou que as ONGs envolvem aproximadamente 20% da população adulta e geram cerca de 5% do PIB desses países. Se somarmos tudo que produzem as ONGs desse universo, o total equivaleria á sétima maior economia do mundo. O Unicef estima que, no ano de 2000, por exemplo, cerca de 10 milhões de voluntários tenham vacinado 550 milhões de crianças no mundo. O resultado de todo este trabalho, se quantificado em termos financeiros, pode ser avaliado em cerca de 10 milhões de dólares.
Na América Latina, o aporte das organizações apoiadas em voluntariado supera 2% do PIB de países como Argentina e Brasil. E isto é apenas uma parte do que as organizações voluntárias poderiam gerar se fossem divulgadas, apoiadas, estimuladas e capacitadas.
Segunda teoria: O voluntariado é o capital social em ação.
 
Há um amplo consenso de que uma das forças motoras do desenvolvimento é o capital social, composto basicamente por confiança, associativismo, civismo e valores éticos. O voluntariado é capital social em ação. Nasce de valores éticos positivos, do associativismo e da maturidade cívica. As organizações voluntárias se apóiam na confiança mútua entre seus integrantes e na confiança que a sociedade deposita nelas.
A experiência voluntária fortalece o civismo. Estudos mostram que quando os jovens participam de atividades voluntárias ou têm pais que o fazem, aumentam consideravelmente as possibilidades de que eles venham a se transformar em adultos socialmente responsáveis.
Terceira teoria: Colocar Estado e voluntariado em oposição é uma falácia
 
Trata-se de uma falácia que tem diferentes versões. Alguns dizem que é o Estado que deve se encarregar do social e o voluntariado ativo seria, na verdade, sinal de um estado débil. Pelo mesmo raciocínio, voluntariado não poderia por si mudar as causas da pobreza, resultando, portanto, em uma solução paliativa.
Não é verdade. Os países líderes em trabalho voluntário têm governos que primam pela excelência como Noruega e Israel, entre outros. O trabalho voluntário não soluciona os problemas sociais em sua raiz, mas ajuda diariamente a salvar vidas. Cada um deles tem a máxima importância. É como prega a antiga sabedoria do Talmud: “Aquele que ajuda a salvar uma só vida é como aquele que salva todas as vidas do gênero humano”.
Para enfrentar a pobreza constante que “mata” e “adoece” milhões todos os dias na América Latina é necessária uma ação conjunta. O Estado é o responsável principal por garantir aos cidadãos seus direitos de nutrição, saúde, educação, moradia e trabalho, mas isso não exime os outros atores sociais de fazerem sua parte. O voluntariado pode completar e enriquecer as políticas sociais, estabelecer alianças estratégicas e somar a elas a empresa privada e outros atores. Assim tem acontecido nas sociedades mais avançadas.
Quarta teoria: O voluntariado está movido pelo compromisso ético
 
Há grandes possibilidades de se desenvolver o voluntariado porque sua força propulsora está na natureza do ser humano, no sentimento profundo de que a solidariedade ativa e a transcendência são mais um privilégio que uma obrigação.
Thompson y Toro (2000) dizem que “a ação política e a religiosa são provavelmente os motores mais importantes para o desenvolvimento do voluntariado social na América Latina”. Ambas implicam um compromisso ético.
No Peru, 47% dos jovens fazem trabalho voluntário e dizem que isso integra suas crenças religiosas. Por outro lado, outro impulso poderoso é a motivação política em seu sentido mais nobre de ajudar a construir uma sociedade melhor.
Quinta teoria: O voluntariado construtor da cidadania e da participação avança
 
As sociedades têm de exigir uma cidadania total e integral. Costuma-se reconhecer apenas os direitos políticos do cidadão. O cidadão deve ter também direitos econômicos, sociais e culturais, entre outros. Caso contrário, sua cidadania é apenas simbólica.
O voluntariado de uma região está na linha de frente da luta por uma cidadania mais ampla. Tem avançado fortemente em sua ação em prol da necessidade de substituir o modelo tradicional, baseado na simples ajuda ao outro, no qual o voluntariado e a comunidade assistida montam uma relação igualitária e com objetivo comum de fortalecer a construção da cidadania.
Sexta teoria: Enganos – “Apesar de…”
 
Nos países líderes em voluntariado no mundo, esse tipo de ação é cultivada nas escolas, ressaltada nos meios de comunicação, há diminuição de impostos, as políticas publicas apóiam as iniciativas, a legislação lhes fornece facilidades e a opinião pública dá valor a elas. Os jovens se sentem estimulados a participar de atividades voluntárias.
Na América Latina, o voluntariado acaba substituindo a política pública, a legislação é débil e quase que exclusivamente reguladora e a mídia não dá a devida atenção ao tema.
Os avanços não têm sido fáceis. E ocorrem apesar das condições adversas. Estão embasados na força das pessoas e dos grupos comprometidos eticamente e no grande potencial de solidariedade e valores morais de sua população.
Sétima teoria: O voluntariado, entretanto, nem sempre consegue fazer o que é preciso
 
Os graves problemas sociais geram tanta miséria e pobreza em um continente potencialmente tão rico a ponto de desestabilizar a governabilidade, minar a confiança e criar gerações de jovens desalentados, com vidas baseadas na profunda desigualdade social e que buscam respostas e soluções coletivas. Isso reflete o modo como as políticas públicas assumem o que deveria ser de sua responsabilidade.
Com o seu vigor, sua capacidade criativa e sua originalidade, o voluntariado latino-americano pode fazer aportes transcendentes na questão social. Mesmo assim é necessário criar uma política de Estado para respaldá-lo, hierarquizá-lo, ditar leis, educar sistematicamente e colocá-lo na grande agenda pública.
Uma convocatória desta ordem pode gerar resultados muito mais significativos. Pode levar a um aporte econômico e social direto, bem como dar incentivos morais a esses jovens e adultos cheios de desejos de ajudar ao próximo, que promovem um trabalho silencioso, mas cheio de emoção a cada pequeno avanço conquistado.
*Bernardo Kliksberg é assessor especial da ONU, BID, OEA, Unesco, Unicef, OIT entre outros organismos internacionais, e autor de diversos livros, entre eles “Por uma economia com face mais humana, editado pela Unesco em 2005.
 

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