Jacques Demajorovic

Jacques Demajorovic

A Revolução Industrial incorporou à população não só o hábito do consumo, que passou a orientar as relações comerciais e as diretrizes econômicas dos países, como também estimulou o surgimento de uma vasta gama de produtos, impulsionando as empresas a uma corrida incessante pelo chamado diferencial de mercado. Em pleno século XXI, a dinâmica do mercado consumidor mudou muito pouco desde o último século, mas os valores que norteiam o plano de diferenciação das indústrias consideram agora questões que vão muito além da dobradinha preço-qualidade.
Diante de um cenário em que as questões socioambientais estão cada vez mais presentes na construção de valores da sociedade, as empresas se viram obrigadas a adequar seus processos e modelos de negócios a novas demandas por parte dos governos, consumidores, acionistas, entre outros stakeholders. Uso mais eficiente de recursos naturais, procedência de matéria-prima, condições de trabalho seguras, respeito às comunidades locais, gestão de resíduos são temas que ganharam destaque na gestão das organizações. Seguindo a rota do movimento de qualidade total, na década de 90 e anos 2000, surgiu uma série de certificações para atestar processos e produtos em conformidade com padrões de sustentabilidade.  Com o tempo, elas se consolidaram como ferramentas de gestão e elementos de diferenciação de mercado ao fazer uso de selos que representam hoje a principal forma de comunicação de vantagens socioambientais.
Na ponta final da cadeia, o consumidor também já começa a assimilar os benefícios em adquirir produtos certificados socioambientalmente, consolidando esse atributo como um dos motivadores na hora da compra. “Os consumidores passaram a se preocupar com que tipo de produto consomem, qual sua procedência, se utiliza agrotóxicos. E a certificação é uma forma eficaz de assegurar esse tipo de informação”, reforça Jacques Demajorovic, coordenador do curso de bacharelado em administração voltada para gestão ambiental do Senac São Paulo.
Raiz da questão
A expansão das certificações também ajudou a consolidar os primeiros modelos de gestão ambiental. Segundo Demajorovic, até a década de 70 praticamente não existia nenhuma ferramenta consistente nessa área.  “Os primeiros modelos, ainda muito incipientes, de gestão ambiental surgem em resposta à maior visibilidade dos problemas de poluição, principalmente nos anos 1980. Esse período foi marcado pela transformação no comportamento da sociedade, principalmente nos países desenvolvidos, onde passou a haver uma sensibilização maior em relação às questões ambientais”, conta o professor.
A mobilização mais efetiva da sociedade levou à tomada de posição do setor público na criação de legislações ambientais. Assim, as empresas se viram diante de novas leis e regulamentações que passaram a exigir transparência em relação aos impactos causados pelos processos produtivos. “No caso brasileiro, esse processo é bem mais tardio. O primeiro estado a tomar frente em relação a problemática ambiental é São Paulo, com a criação da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) e o fortalecimento de uma regulamentação mais incisiva em relação a essas questões”, afirma. Ainda segundo, Demajorovic, a partir de então, surgiram as primeiras iniciativas de gestão ambiental no País, que ganharam força nos anos 1990, como forma de evitar prejuízos com multas e  outras punições de órgão reguladores.
Com isso, surgiu também a necessidade de informar quando as empresas atuam em conformidade com critérios socioambientais, sobretudo após a conferência Eco92. “O grande marco nesse processo se deu com a incorporação de critérios ambientais à tradicional norma ISO, que até então tratava apenas de padrões de qualidade das empresas”, afirma Demajorovic.
A lógica é a mesma utilizada para atestar a qualidade e segurança de produtos e processos. Prevê a verificação da atuação das empresas de acordo com critérios estabelecidos por normas técnicas. Cada certificação adota um sistema de valores estabelecido por instituições responsáveis, como o International Organization for Standardization (ISO), e realiza vistorias dos modos de produção da empresa contratante do serviço. Se atender a todas essas exigências, a companhia recebe um selo de responsabilidade socioambiental, garantindo que produz de acordo com os padrões determinados. Uma vez obtido, sua manutenção depende de resultados a serem verificados por auditorias periódicas.
 
Portas abertas
A criação da ISO 14000, em 1996, abriu a corrida por certificações para atestar práticas sustentáveis, como forma de agregar valor à imagem da empresa e facilitar o acesso dos produtos brasileiros ao mercado externo. “O Brasil se viu diante da necessidade de aderir a esse gênero de certificação para aumentar sua participação no mercado. As empresas multinacionais atuantes no País também passaram a exigir de seus fornecedores um sistema de gestão ambiental certificado, a fim de garantir que o processo de confecção dos produtos seja sustentável em toda a sua cadeia”, afirma Daniel Schuppli, diretor do Instituto de Mercado Ecológico (IMO).
Segundo dados divulgados pelo levantamento The ISO Survey of Certifications 2007 (A pesquisa das certificações ISO), em 1996, existiam apenas 1.491 companhias no mundo que faziam uso de selos ambientais, sendo apenas 12 brasileiras. Em 2007, esse número saltou para 154.572 empresas em todo o mundo, envolvendo mais de 148 países. No Brasil, o número passou para 1.872 empresas certificadas. Em escala global, o lugar mais alto do ranking dos países com o maior número de certificações em todo o mundo ficou com a China e suas 30.489 empresas certificadas, seguida pelo Japão, com 27.955, e pela Espanha, com 13.852. Na América Latina, o Brasil lidera a corrida pelas certificações, seguido pela Argentina, com 1.011, e um pouco mais distante, pelo Chile, com 492 empresas contempladas pela ISSO 14001.
Do ponto de vista do mercado interno, as certificações ambientais operam também como uma plataforma para redução de riscos financeiros. Em setores de fornecimento de serviços às empresas produtoras, como seguradoras ou bancos fornecedores de empréstimos, elas podem conferir vantagens tanto para o contratante quanto para o fornecedor no processo de negociação. Demajorovic destaca, por exemplo, que empresas com certificação ambiental podem levar vantagem na negociação do valor de seus prêmios, uma vez que o selo de conformidade ambiental implica menos riscos ao ecossistema. “No setor bancário a dinâmica é a mesma. Para o banco que concede um empréstimo a indústrias com possíveis impactos ambientais, possuir uma certificação diminui a possibilidade de acidentes desse gênero acontecer, reduzindo a impressão de incapacidade de pagamento e eximindo o banco da co-responsabilidade de possíveis impactos ocorridos”, ressalta.
 
Democratização dos processos
As certificações ambientais abrangem diferentes setores produtivos em todo o mundo, com destaque no Brasil para as áreas florestal, industrial, orgânica e varejista, cada uma com suas especificações. Com o intuito de facilitar a análise dos processos e orientar os consumidores na sua decisão de compra, as certificadoras estão desenvolvendo formas para tornar o processo de elaboração das normas técnicas mais democráticos. É o caso da Rede de Agricultura Sustentável (RAS), coalizão de ONGs latino-americanas que promove a sustentabilidade social e ambiental da produção agrícola por meio do desenvolvimento de normas, que lançou por intermédio do Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora) o processo de consulta pública à Norma Complementar para a pecuária.
O processo consiste em dar mais abertura no processo de elaboração das normas de certificação do setor a seus públicos de interesse, que vão desde produtores rurais, frigoríficos a sindicatos de trabalhadores. Nesse sentido, os interessados podem auxiliar na definição dos critérios específicos para a certificação socioambiental de fazendas de gado em regiões tropicais por meio de reuniões presenciais ou consultas pelo site da instituição. “A grande vantagem em elaborar um mecanismo de participação on-line das consultas públicas é aproximar públicos de interesse que possivelmente não participariam das reuniões por questões geográficas”, afirma Daniella Macedo, engenheira agrônoma do Imaflora.
A pioneira no setor de certificação de manejo florestal, Forest Stewardship Council (Conselho Brasileiro de Manejo Florestal FSC Brasil) também já investe no modelo.
Para Demajorovic, o fenômeno é um compilado da importância da certificação como instrumento de redução de riscos financeiros para as empresas, e da disseminação intensiva da conscientização e envolvimento de seus stakeholders. “Com as consultas públicas, as empresas certificadoras abrem espaço para esses públicos de interesse fidelizarem seu relacionamento com os selos e criam um ambiente favorável para a ampliação a outras partes interessadas, permitindo a participação mais efetiva da sociedade nesses processos”, ressalta.

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