Cinema Social – Lições de liderança em oceano de incertezas

Cinema Social – Lições de liderança em oceano de incertezas

Liderança, parafraseando a célebre frase de Cecília Meirelles sobre a liberdade, é algo difícil de explicar, mas que todo mundo consegue entender. Basta estar diante de um líder – ou, o que talvez seja ainda mais fácil, estar diante de problemas acarretados pela sua ausência.

Como a sociedade atual ensina muito bem, líderes genuínos constituem espécie rara. É difícil encontrá-los na política, no mundo corporativo, nos movimentos sociais. Para agravar a situação, seus pré-requisitos são hoje altamente complexos. Administrar uma empresa no atual oceano de incertezas, sob o compromisso de gerar remuneração aos acionistas e simultaneamente agir com responsabilidade socioambiental, não é tarefa que se aprenda em nenhuma disciplina da faculdade. Talvez nem mesmo pela soma de todas as disciplinas.

Por onde andariam os líderes apropriados para os nossos tempos cada vez mais difíceis? No cinema, ora. Inúmeros filmes, se analisados sob essa perspectiva, revelam modelos de liderança que podem ser aplicados ao mundo concreto. O norte-americano John K. Clemens, professor do Hartwick College e fundador do Instituto Hartwick de Humanidades na Administração, escreveu – em parceria com a ensaísta e poeta Melora Wolff – um livro sobre o tema: Movies to Manage By – Lessons in Leadership from Great Films (em tradução livre, algo como “O cinema que dirige – Lições de liderança retiradas de grandes filmes”).

Clemens se debruçou sobre os ensinamentos gerenciais que identificou em nove longas-metragens hollywoodianos.

Na primeira parte, ele fala sobre como “guiar o navio” por meio do que ocorre em A Caçada ao Outubro Vermelho (e suas lições sobre “seguir o seu palpite”), Apollo 13 (“a importância da improvisação”) e Sociedade dos Poetas Mortos (“a promessa fracassada da liderança heroica”). A montagem de uma equipe é o tema da segunda parte, que reúne capítulos sobre Momentos Decisivos (“fazendo uma equipe vacilante dar a volta por cima”) e Norma Rae (“mentores e protegidos”). Em seguida, Clemens trata de conflitos e de reviravoltas em Doze Homens e uma Sentença (“a liderança socrática”) e Almas em Chamas (“transformando uma organização problemática”). Por fim, examina a autoliderança em Cidadão Kane (“quando a liderança falha”) e Wall Street – Poder e Cobiça (“moralidade e liderança”).

O livro de Clemens é oportuno para que se lembre do potencial de espelhamento oferecido por filmes sem que eles necessariamente precisem tratar de maneira ostensiva do assunto em questão. É bem verdade que alguns dispensam intermediações, leituras e interpretações, pois vão direto ao assunto e já promovem reflexões bem pontuais sobre aspectos estratégicos do mundo corporativo em que vivemos. Dois exemplos recentes são a comédia norte-americana Em Boa Companhia (2004) e o suspense argentino-espanhol O Que você Faria? (2005).

No primeiro, a aquisição de uma editora de revistas por um novo grupo sem histórico na área leva à indicação de um jovem executivo, Carter Duryea (Topher Grace, que faz o fotógrafo carreirista de Homem-Aranha 3), para gerenciar a área comercial e, assim, chefiar o antigo gerente, Dan Foreman (o veterano Dennis Quaid), que tem o dobro de sua idade e muito mais do que isso em experiência e conhecimento de mercado. Carter está longe de ser um líder capaz de se afirmar de maneira natural. Ao contrário: sua principal qualidade é traduzir o que os novos proprietários do negócio consideram atual em matéria de gestão, como implantar ações de marketing conjuntas com outras empresas do grupo. Nada muito além disso.

Incomodado com a situação, que tem algo de humilhante para alguém com o seu currículo, Dan não pede demissão porque ainda precisa do emprego. Situações paralelas à parte, o convívio entre antigo e novo gerentes aponta, com a simplificação típica do cinema hollywoodiano, para dois feixes de valores bem distintos em ação, hoje, nas esferas corporativas. A confluência entre os dois mundos sugere um caminho possivelmente harmonioso, embora os exemplos concretos indiquem a predominância do “modelo Carter Duryea” sobre o “modelo Dan Foreman”, com os evidentes prejuízos, humanos e materiais, acarretados pela substituição abrupta de um pelo outro.

O Que Você Faria? é uma adaptação da peça O Método Grönholm, do catalão Jordi Galcerán, recentemente encenada em São Paulo, com Lázaro Ramos e Taís Araújo no elenco. Aqui, o foco incide sobre processos de seleção – e, por tabela, sobre o modelo de profissional que seria valorizado atualmente por certas corporações, sobretudo multinacionais. Na trama, construída com as ferramentas do suspense, sete candidatos a uma vaga são instalados na mesma sala para os testes que terminarão com a “vitória” de um deles. À medida que avança a “dinâmica de grupo”, os critérios são revelados e a competição atinge níveis insuportáveis de tensão.

É apenas um filme baseado em texto teatral, ou seja, representação da realidade com o objetivo de alcançar determinado resultado dramático. Seus exageros caricaturais ajudam, no entanto, a reconhecer em nosso cotidiano a intromissão de procedimentos tão brutais quanto os vividos pelos pobres candidatos, como se a busca por líderes se resumisse a uma aptidão duvidosa: passar como um trator por cima de quem estiver na frente. Experimente entregar o submarino de A Caçada ao Outubro Vermelho, a espaçonave de Apollo 13 ou o time de basquete de Momentos Decisivos a um sujeito assim.

Sérgio Rizzo é jornalista, crítico e professor.

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