Cinema Social – O exemplo vem de Zapatero, e não de Berlusconi

Cinema Social – O exemplo vem de Zapatero, e não de Berlusconi

O exemplo vem de Zapatero, e não de Berlusconi

As superproduções hollywoodianas costumam estrear simultaneamente nos EUA e no Brasil, mas outro gênero de filme, menos industrial e mais crítico, precisa aguardar por espaço no circuito exibidor em fila que supera muitas vezes a morosidade de alguns trâmites burocráticos nacionais. O documentário italiano “Viva Zapatero!”, por exemplo, chegou ao país — primeiro nos cinemas e, agora, em DVD (Imovision, R$ 39,90) — quase três anos depois de estrear no Festival de Veneza, em 2005.
A atualidade do filme foi subitamente renovada, contudo, em abril deste ano, com a eleição do empresário Silvio Berlusconi para o terceiro mandato como primeiro-ministro italiano. Berlusconi estava pela segunda vez no governo, em novembro de 2003, quando o novo programa da popular comediante Sabina Guzzanti foi cancelado pela RAI (Radiotelevisione Italiana), a rede pública de TV, pouco antes de sua primeira e única exibição.
Sob intensa pressão do governo, a direção da RAI alegou que o programa de Guzzanti não era de sátira, mas de jornalismo opinativo disfarçado de escracho. Pouco depois, a Justiça se pronunciou sobre o caso e afirmou que não havia motivos para processar Guzzanti por ofensas a ninguém, nem mesmo a personagens do noticiário político que eram facilmente identificáveis em suas paródias, a começar pelo próprio Berlusconi. Ainda assim, o show — que teve ótima audiência na estréia — continuou banido.
Disposta a aproveitar o episódio para expor o autoritarismo de Berlusconi e suas ramificações na mídia, inclusive na pública, Guzzanti fez “Viva Zapatero!”, que ela chama de “documentário satírico”. Em abordagem personalista que lembra o estilo do norte-americano Michael Moore (diretor de “Tiros em Columbine” e “Fahrenheit 11 de Setembro”), ela cobra explicações dos responsáveis pela suspensão do programa, diante de suas câmeras, expondo-os a situações constrangedoras. Além disso, para demonstrar que a liberdade de expressão é bem diferente em outros países, Guzzanti entrevista profissionais do humor político na Inglaterra e na França. Todos ficam surpresos: aquela espécie de ingerência do governo sobre canais públicos de TV, em forma de censura aberta, jamais ocorreria em seus países, garantem eles.
“Viva Zapatero!” – cujo título se refere à aprovação, pelo primeiro-ministro espanhol José Luis Zapatero, de lei que proíbe o controle de emissora estatal pelo governo — deixa Berlusconi bem chamuscado, mas também se volta contra prepostos do atual primeiro-ministro. Curiosamente, um deles é pai da comediante: Paolo Guzzanti, político de direita, que dirige um dos jornais da família Berlusconi. A importância do filme, no entanto, não se restringe apenas ao cenário político italiano ou mesmo europeu. O tema que se propõe a debater diz respeito a todos os países onde as condições de funcionamento dos meios de comunicação de massa desrespeitam, em maior ou menor grau, o jogo da democracia representativa.
No Brasil, há duas maneiras de aproximar da pauta cotidiana a discussão proposta por Guzzanti. A mais elementar sugere que verifiquemos constantemente se as nossas emissoras estatais trabalham como empresas públicas, gerenciadas pela sociedade e com independência garantida por lei, ou se funcionam como um braço do poder, integradas à sua política de relações públicas. Outra maneira de trazer “Viva Zapatero!” para a realidade brasileira é a de estender o raciocínio para as empresas privadas – que, usuárias de concessões, precisam respeitar, por contrato, certos parâmetros de conduta.
*Sérgio Rizzo, 42 anos, é jornalista, mestre em Artes e doutorando em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo, crítico da “Folha de S. Paulo” e professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

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