Cinema Social – Para que o planeta não naufrague como aquele transatlântico

Cinema Social – Para que o planeta não naufrague como aquele transatlântico


Filho de pai italiano e mãe alemã (que lhe transferiu o sobrenome do meio, Wilhelm), o ator norte-americano Leonardo DiCaprio tinha apenas 23 anos quando viu a megaprodução “Titanic” (1997), do hoje sumido James Cameron, se transformar na maior bilheteria de todos os tempos, com arrecadação planetária de US$ 1,835 bilhão, fora as vendas em DVD e para exibição em TV paga e aberta. Para ter idéia mais concreta do que representou essa febre: o segundo título no ranking global de bilheteria, “O Senhor dos Anéis – O Retorno do Rei” (2003), arrecadou US$ 1,129 bilhão. Apenas mais um título, o terceiro longa da série “Piratas do Caribe” (2006), ultrapassou a invejável marca do bilhão.
“Titanic” foi o 11º longa-metragem de DiCaprio. O primeiro havia sido “Criaturas 3” (1991), mas ele já trabalhava, desde os 5 anos, em comerciais e programas de TV. Graças à triste história de amor ambientada em um transatlântico condenado ao naufrágio, sua imagem de galã juvenil passou a prevalecer, mas seria uma injustiça reduzir sua carreira a esse parâmetro, mesmo naquela altura. “Despertar de um Homem” e “Gilbert Grape – Aprendiz de Sonhador”, ambos de 1993, haviam chamado a atenção para seu talento em papéis de boa carga dramática. Pelo primeiro filme, foi indicado a prêmios do Círculo dos Críticos de Nova York e da Sociedade Nacional dos Críticos dos EUA; pelo segundo, disputou o Oscar de ator coadjuvante e recebeu o prêmio dos críticos de Chicago.
Seus filmes seguintes – “O Diário de um Adolescente” (1995), “Eclipse de uma Paixão” (1995) e “As Filhas de Marvin” (1996) – sedimentaram a idéia de que era um ator comprometido com a discussão de temas relevantes para a sociedade e disposto a assumir riscos. Depois do êxito de “Titanic”, continuou se envolvendo em projetos mais nobres, às vezes com cineastas tarimbados, como Woody Allen, para o qual trabalhou em “Celebridades” (1998), Steven Spielberg, que o dirigiu em “Prenda-me se for Capaz” (2002), e Martin Scorsese, com quem fez “Gangues de Nova York” (2002), “O Aviador” (2004) e “Os Infiltrados” (2006) – que, finalmente, valeu o Oscar  de melhor diretor ao realizador de clássicos como “Taxi Driver” (1976) e “Touro Indomável” (1980).
A consagração ao amigo Scorsese não representou, para DiCaprio, o único motivo de satisfação naquela mesma cerimônia de entrega do Oscar, em 25 de fevereiro deste ano. O ator dividiu o palco com o ex-vice-presidente Al Gore, convidado pelos organizadores a aproveitar a platéia global do programa para falar em nome da luta pela preservação das condições ambientais do planeta, por conta da indicação do filme-aula “Uma Verdade Inconveniente” na categoria de melhor documentário de longa-metragem. Também aqui, o Oscar veio – e não seria demais supor que DiCaprio tenha se sentido, naquela noite, duplamente vencedor.
Muita gente ainda não sabia, no início do ano, que o ator já estava envolvido na produção do documentário “A Última Hora” (no original em inglês, “The 11th Hour”, ou “a 11ª hora”). O filme estreou nos cinemas dos EUA em agosto (no Brasil, estava previsto para entrar em cartaz no final de novembro) e não chegou a arrecadar US$ 1 milhão; “Uma Verdade Inconveniente”, bem mais popular, fez cerca de US$ 24 milhões. Ambos se aproximam, no entanto, em relação ao objetivo principal, o de conscientizar espectadores de todo o mundo, sobretudo os líderes governamentais e corporativos, para a necessidade de agir com responsabilidade socioambiental.
Dirigido por Nadia Conners e Leila Conners Petersen, “A Última Hora” é narrado por DiCaprio e envolve a manutenção de um web site com um slogan sugestivo: “Nós somos a geração que vai mudar o mundo… para sempre”. E, supõe-se, para melhor. A frase promocional do documentário é incisiva: “Transformar a hora mais negra da humanidade em seu mais notável momento”.
Na tela, DiCaprio critica frontalmente as lideranças políticas norte-americanas, que “insistem em ignorar” a deterioração das condições ambientais, relembra os efeitos de tragédias recentes, como o furacão Katrina, e ouve o diagnóstico de diversos especialistas, que analisam o cenário e propõem ações, muitas das quais podem ser executadas pelo cidadão comum. “A esperança é você”, diz o filme, contando com a transformação do comportamento do espectador.
Com a militância socioambiental, DiCaprio se junta a outros colegas de Hollywood que têm se empenhado na defesa de boas causas e na denúncia de problemas sociopolíticos variados, como George Clooney, Charlize Theron e o casal Brad Pitt & Angelina Jolie. O grupo corresponde à ponta de lança de um novo perfil de astro do cinema, cuja presença junto ao público não se resume às duas horas da sessão de seus filmes. Essa turma busca o sucesso, claro, mas também quer fazer a diferença, e sabe que uma coisa não exclui a outra, bem ao contrário.
*Sérgio Rizzo é jornalista, mestre em Artes e doutorando em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo, crítico da “Folha de S. Paulo” e professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

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