Cinema Social – Pelo fim do analfabetismo audiovisual

Cinema Social – Pelo fim do analfabetismo audiovisual

O sistema educacional brasileiro mantém, em linhas gerais, a preocupação preponderante com a linguagem verbal. No ensino fundamental, a prioridade natural é a alfabetização das crianças. A produção de conhecimento, tanto ali quanto no ensino médio, privilegia as formas verbais de comunicação. Acredita-se, a julgar pela formação do educador brasileiro e pela construção das grades curriculares, dos parâmetros pedagógicos e das bibliografias obrigatórias e recomendadas, que as necessidades didáticas serão plenamente atendidas mediante a leitura de livros (e, perifericamente, de textos extraídos de jornais e revistas). O êxito do processo é comumente avaliado, também ele, de modo verbal, por meio de provas, exercícios e trabalhos escritos.
Não cabe aqui discutir se o objetivo mínimo dessa política, a formação de cidadãos com instrumental mínimo para a leitura e a produção de textos de comunicação cotidiana, tem sido alcançado. Pesquisas apontam, com alguma freqüência, dados que sugerem haver problemas graves na busca desse objetivo. Aqui, importa lembrar que a cultura educacional brasileira continua a dedicar pouca importância à comunicação audiovisual. A lacuna é antiga, por mais que esforços no sentido de reduzi-la tenham sido empreendidos desde a década de 30, mas torna-se gritante, e objeto de urgente reflexão, no cenário contemporâneo.
Sabe-se que a mediação pública de sociedades como a brasileira tem sido feita, de forma crescente, pelos meios de comunicação, entre os quais se destaca, por razões variadas, a televisão. Embora as crianças sejam expostas a eles desde a primeira infância, consumindo de forma intensa o código audiovisual, a escola ainda não parece capaz de incluir, entre suas prioridades, a instrumentalização de seus alunos para a recepção crítica desses meios.
Além de negligenciar questões relativas à formação plural em todas as linguagens, esse descaso pode gerar efeitos sociopolíticos difíceis de mensurar. Lembre-se que cidadãos “analfabetos” em audiovisual tendem a ser objeto de manipulação por todos os que saibam utilizar a força de convencimento e sedução das imagens e sons. Correm ainda o risco de ser vítimas progressivas de exclusão, tendo em vista, sobretudo, a convergência de mídias em suporte predominantemente audiovisual e o desenvolvimento, graças às possibilidades de uso da Internet e futuramente da TV digital no país, de diversas modalidades de “governo eletrônico”, ou seja, o uso desses meios para a comunicação entre as várias instâncias do poder público e os cidadãos, inclusive no que diz respeito à prestação de contas e de serviços.
É preciso assinalar também um paradoxo. Embora a escola resista a aceitar como uma de suas missões a formação de leitores críticos de imagens e sons, seus alunos chegam a ela já possuidores de extenso repertório audiovisual, cultivado, na hipótese mais corriqueira, pelo hábito de assistir à televisão, disseminado em toda a sociedade brasileira, sem distinção de classe social. Em vez de trabalhar com esse dado cultural, a escola contribui, ao ignorá-lo ou menosprezá-lo, para a formação de receptores meramente passivos. Espaço de transformação por excelência, o ambiente escolar vê-se, dessa forma, transformado em local de manutenção do status quo.
As oportunidades de inserção do audiovisual no sistema educacional brasileiro, em especial nos ensinos fundamental e médio, e os desafios que se apresentam para a efetiva execução de políticas nessa área, tanto no âmbito do microcosmo escolar quanto no de macrocenários educacionais, devem ser objeto de reflexão urgente.
Costuma-se encarar o audiovisual apenas como recurso didático. De fato, ele pode ser assim empregado, com resultados diretamente proporcionais ao repertório do educador na área e à sua capacidade de aproveitar-se da linguagem para trabalhar determinados conteúdos de aprendizagem e de produção do conhecimento. Trata-se, no entanto, de maneira restrita de analisar o potencial dos meios audiovisuais na formação de crianças e jovens.
Mais do que ferramenta paradidática, o produção cultural em forma de imagens e sons pode ser incorporada pelo sistema educacional como matéria curricular, como conteúdo programático, como objetivo pedagógico em si. Os caminhos a percorrer em direção a um cenário de plena integração e enraizamento do audiovisual nos ensinos fundamental e médio envolvem dois aspectos predominantes:
A- a necessidade de qualificação específica do educador em relação à linguagem audiovisual, o que implica, entre outras políticas, a inserção do tema já nos cursos de formação de docentes, tanto no ensino médio quanto na graduação específica em Pedagogia e nas licenciaturas das diversas áreas do conhecimento
B- a necessidade de inserção do audiovisual em grades curriculares, projetos multidisciplinares e atividades extracurriculares dos ensinos fundamental e médio.
Da maneira como se apresentam hoje, tanto a formação de docentes no país quanto o planejamento curricular nos ensinos fundamental e médio não só desprezam as possibilidades de uso do audiovisual para a produção do conhecimento, mas também, e principalmente, ignoram a urgente necessidade de preparar crianças e jovens para uma sociedade em que a troca de informações e a mediação pública se dão maciçamente por meio de imagens e sons.
 
 

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