Crise de significados

Crise de significados

Artigo publicado há pouco na revista inglesa Ethical Corporation resgata, com dados interessantes, uma abordagem quase sempre esquecida no contexto dos supostos benefícios da responsabilidade socioambiental para uma empresa: o seu impacto na gestão de recursos humanos. Sobre isso, o máximo de conclusão a que se tem chegado –vale dizer, sem nenhum suporte de pesquisa aplicada – é que profissionais que trabalham em empresas sensíveis às questões sociais e ambientais tendem a ser mais satisfeitos, felizes e realizados.
Com base nesse raciocínio, tornou-se lugar comum atribuir às práticas de responsabilidade socioambiental o poder etéreo de atrair e reter talentos, uma importante vantagem estratégica nesses tempos em que os profissionais do conhecimento se mostram mais fiéis às suas convicções e projetos do que às corporações.
A tese de Waine Visser, o autor do artigo, parte exatamente desse ponto para esticar as reflexões. Recorrendo a pensadores como o consultor inglês Charles Handy, o professor de responsabilidade corporativa da Mannheim University, da Alemanha, apóia-se na ideia de que economias fortes geram empresas fortes e empregos mais bem remunerados, mas não, por tabela, profissionais mais felizes no trabalho. A essa crescente carência de realização pessoal e profissional, o especialista dá o nome de “existencial gap.”
Como já escreveu Handy em outras ocasiões, ao descobrirem que suas vidas não podem ser medidas exclusivamente pelo valor econômico, os profissionais estão buscando nas empresas, mais do que status e dinheiro, a realização de propósitos e a afinação dos valores corporativos com os seus valores pessoais. Para melhor ilustrar o contexto, Visser acorreu a uma pesquisa feita em Londres, segundo a qual 66% dos trabalhadores entre 18 e 35 anos sentem-se infelizes no trabalho. Na faixa dos 30 a 35 anos, o percentual sobe para 83%, compondo uma “geração de trintões” bem-sucedidos, mas precocemente desmotivados, que anseiam  por redução de estresse, menos carga horária de trabalho, mais prazer e qualidade de vida. Mais perceptível no mundo desenvolvido, esse quadro explica, por exemplo, a ascensão de movimentos corporativos como os de valorização da espiritualidade, do lazer e do voluntariado.
Visser usa ainda o índice Happy Planet (2006), da New Economics Foundation, para justificar a gravidade do fato. De acordo com o estudo, que mede a eficiência com que países convertem recursos naturais em vidas longas e felizes, nações desenvolvidas como Reino Unido, França e EUA, aparecem respectivamente nas posições 111, 129 e 150 do ranking.
Tão grave quanto a crise econômica é, nesse sentido, a crise de significados. O trabalho perdeu a centralidade que já teve na economia pós-revolução industrial. E o salário já não representa mais a única medida de sucesso — embora, no atual contexto de crise, mantê-lo seja a principal meta. Com ou sem crise, no entanto, os voláteis profissionais da sociedade do conhecimento tendem a procurar empresas mais humanas, com valores sólidos e propósitos que excedam à ótica pragmática e absorvente do core business e a ética do lucro rápido, alto e despreocupado com justiça social e conservação ambiental.
É justamente nesse ponto que entra a responsabilidade socioambiental. Mais do que isso, a necessidade revalorizá-la à luz do seu componente estratégico para a gestão de pessoas nas empresas. Para Visser –e concordamos com ele – a visão algo impessoal por trás do mantra corporativo de que “se deve praticar responsabilidade socioambiental simplesmente porque é bom para os negócios”, não só desumaniza o encaminhamento das políticas internas como desperdiça a oportunidade de identificar, mais profundamente,  as razões pelas quais as pessoas trabalham em e com responsabilidade socioambiental, o que as satisfaz e o que as motiva a seguir buscando fazer uma diferença positiva, a despeito dos muitos obstáculos e frustrações de percurso.
A rigor, o que Visser sugere em sua análise é que a responsabilidade socioambiental faz bem para as pessoas e, por essa razão, beneficia os negócios. Não se trata de mera retórica. Para além do jogo de palavras, impõe-se uma reflexão: ao descobrirem quem são, como pensam e agem, e o que valorizam os profissionais sensíveis ao conceito sustentável, as corporações podem desenhar políticas mais eficazes –junto a e não para os seus funcionários — que, no final das contas, repercutirão em benefícios mais consistentes para os negócios.
Inspirado no conceito dos “campeões de recursos humanos”, muito popular nos anos 1980, Visser pesquisou o perfil do que ele chama de “campeões de responsabilidade socioambiental” nas empresas. Em sua opinião, eles são indivíduos com habilidade para traduzir crenças pessoais em um futuro justo e sustentável a partir de uma visão atrativa para a sua organização. Mesmo sem ocuparem cargos específicos, esses sujeitos funcionam como agentes efetivos de mudança. Visser os divide em quatro categorias – especialistas, facilitadores, catalisadores e ativistas — sobre as quais se tratará, em detalhes, no artigo da próxima semana.
Por hora, a título de provocação, fica uma pergunta: quanto vale um campeão em responsabilidade socioambiental? Certamente mais do que o salário que recebe, por melhores que sejam as cifras.

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