Em quem o brasileiro confia

Em quem o brasileiro confia

Não são poucos os que desconfiam das pesquisas de opinião pública, sob a alegação de que não representam um quadro preciso da realidade que tentam capturar, servindo, portanto, mais a digressões do que a análises aprofundadas. Penso diferente. Sempre é possível aprender algo com elas, especialmente sobre os comportamentos e valores do tempo em que são elaboradas, ainda que os dados não revelem por si novidades nem  permitam conclusões certeiras.
Este é o caso da pesquisa feita pelo Ibope Inteligência sobre o nível de confiança dos brasileiros em relação a instituições e grupos sociais. Denominado Índice de Confiança Social, este importante monitoramento  da opinião nacional reforça algumas impressões já consagradas pelo senso comum e inspira, por tabela, outras muitas reflexões interessantes.
Como era de se prever, a família é para o brasileiro a instituição mais confiável (90 pontos). Ninguém arriscaria contestar esse dado, mesmo sem pesquisa. Em seguida vêm os bombeiros (88), as igrejas (76) e as Forças Armadas (71), organizações que se apresentam, no imaginário do cidadão brasileiro,  como provedoras de segurança física (caso dos que enfrentam os incêndios e acidentes  e também dos que trabalham na defesa) e conforto espiritual (as religiosas).
Chama atenção, no entanto, que a mídia esteja entre os top five mais confiáveis (71 pontos). Justamente ela que costuma ser acusada por políticos e dirigentes de futebol de manipular os fatos contra ou a favor de alguém ou de algum tipo de interesse menos nobre. O estudo do Ibope Inteligência não deixa dúvida: os brasileiros confiam mais nos jornais, TVs, revistas e rádios do que nos seus amigos (67), vizinhos (59) e nos brasileiros em geral (59). Muito mais do que nos partidos políticos (31), no Congresso Nacional (35), nos sindicatos (46) e no sistema público de saúde (49). A desesperança na classe política –algo fácil de se observar em qualquer conversa de ponto de ônibus–certamente explica o preocupante baixo índice de confiança no sistema eleitoral brasileiro e nas eleições (49).
É claro que, diante desses números, restará a algum político mais cínico alegar que a publicação de pesquisas como a do Ibope apenas confirma  a sanha conspiratória da mídia contra este ou aquele partido. Mas fosse eu o presidente do Congresso e da Câmara, ou de um partido político, começaria hoje um programa intensivo de reabilitação de reputação (será que isso os interessa?).  Não a partir da contratação de profissionais que planejam imagem em laboratório, escrevendo discursos convenientes, forjados com base em pesquisas qualitativas, que soam tão artificiais quanto os de um boneco de ventríloquo. Mas mudando radicalmente ações, comportamentos e, principalmente, valores na direção de cumprir bem o papel esperado pela sociedade. A nossa crise é essencialmente de valores. Essa parece uma tese ingênua, dessas que já não mobilizam de tão repisadas. Mas a persistir a crescente desconfiança na classe política, o risco que se corre é de que esse movimento aprofunde a apatia e resulte, mais adiante, em perigosa indiferença pelo exercício da democracia das urnas, o que, a rigor, só interessa mesmo a quem não quer largar o poder.
Em relação à instituição presidente da República, a pesquisa proporciona duas leituras. Uma, digamos, favorável: é uma instância política mais confiável (66) do que o conjunto do governo federal (53), governo municipal (53), Congresso Nacional e partidos políticos. A outra serve como alerta para o atual ocupante do posto. Apesar de popular como atestam outras pesquisas de opinião pública recentes, o índice de confiabilidade da presidência – e portanto de quem está morando no palácio do Planalto– segue inferior aos dos meios de comunicação, uma das instituições cuja “má vontade” para a divulgação dos bons feitos de seu governo ele gosta de criticar sempre que pode.
A pesquisa estabelece ainda alguns recortes interessantes, por faixa etária, critério econômico e região. Os brasileiros com idade entre 18 e 24 anos são os que menos acreditam na Polícia (49), nos vizinhos (51) e, o que é mais grave, nas escolas públicas (62). E os que têm acima de 70 anos estão entre os que menos confiam na Justiça. Quando os jovens, donos do futuro, descrêem na instituição que pode ajudá-los em seu próprio desenvolvimento, e os idosos, detentores do passado, acreditam pouco na instituição que deveria assegurar o exercício dos direitos, talvez seja a hora de pensar no tipo de projeto de país que desejamos construir. E nos valores que vão lhe servir de base de sustentação. No mínimo para fazer justiça à grande expectativa global que vem se formando em torno da condição de emergente mais querido do planeta.

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