Michael Conroy

Michael Conroy

Fotos: Renato Negrão

A combinação de campanhas de comunicação e atuação em rede de algumas organizações da sociedade civil pode levar companhias do céu ao inferno em questão de anos, meses e até dias. No entanto, por meio das certificações, as ONGs também têm ajudado as empresas a encontrar o caminho da redenção rumo a sustentabilidade. É o que mostra Michael Conroy no livro “Branded – How the certification revolution is transforming global corporations (Marcado! – Como a revolução das certificações está transformando corporações globais, que será lançado no Brasil neste segundo semestre).O autor acompanhou de perto essa revolução nos 12 anos que atuou na Ford Foundation e Rockefeller Brothers Fund. “A certificação é, a meu ver, a base a partir da qual se pode saltar do estágio da responsabilidade social corporativa para o que eu chamo de accountability socioambiental. (…) A verificação de uma terceira parte independente, faz com que a companhia comprometa-se com padrões negociados por vários stakeholders”, ressalta.
Em entrevista exclusiva a repórter Juliana Lopes, da Idéia Socioambiental, Conroy avaliou o impacto das certificações nas práticas de responsabilidade social e sustentabilidade nas empresas. O economista destacou o Brasil como um dos países mais avançados na discussão desse tema. Para ele, as questões ambientais e sociais, de maneira geral, já são trabalhadas de forma integrada e sob a perspectiva de negócios no País.
Idéia Socioambiental – A busca por certificações de produtos e processos pelas empresas tem crescido? O senhor poderia citar números nos EUA e Europa.
Michel Conroy – A certificação, que começou em um pequeno nicho de mercado, expandiu-se à medida que as maiores corporações começaram a se adaptar para certificar seus produtos e serviços. Os mercados norte-americano e europeu alavancam esse crescimento que oscila entre 30 e 40% ao ano. Em 2008, estima-se que cinco bilhões de dólares sejam movimentados com o comércio justo de produtos e serviços certificados. Há 15 anos, esse montante era de menos de um milhão. Em 12 anos, mais de 300 milhões de hectares de florestas foram certificados e isso é quase 15% das áreas de manejo florestal do mundo. Apenas nos últimos quatro anos houve um enorme crescimento também nas peixarias certificadas. De 25% a 30% do produto de pesca de todo o mundo são certificados pelo Marine Steward Council.

IS – A que fatores o senhor atribui essa movimentação do mercado?
 
MC – O que chamo de revolução das certificações está tomando forma por conta de três fatores. O primeiro são campanhas de marketing desenvolvidas para convencer as companhias a aumentar seus padrões sociais e ambientais. Segundo, a criação dos sistemas de certificação, como o MSC, o Fairtrade (comércio justo) e outros estão formando agora um alvo para os ativistas de ONGs moverem as empresas. Um sistema de certificação com a participação dos ativistas cria uma série muito clara de metas e alvos para as mudanças de hábitos que eles querem ver nas corporações. E o terceiro fator consiste no fato de que dentro dessas companhias, quase sempre existe uma pessoa que se torna um campeão em altos padrões, alguém que lidera a empresa nesse caminho. Conheço poucos exemplos de grandes corporações que tomam decisões para mudar suas práticas sem ter um líder interno crente de que a empresa pode se tornar mais lucrativa sendo mais responsável.
 
 
 
 
 
 
IS – O senhor pode citar alguma companhia de destaque nesse campo?
 
 
MC – Uma campanha pioneira, descrita mais detalhadamente no meu livro, é a que mudou as práticas da maior rede de lojas de “faça você mesmo” dos Estados Unidos.
Ela começou com argumentos muito criativos para a empresa melhorar seu fornecimento de madeira, baseados em acusação séria de danos para as florestas e biodiversidade. A campanha incluiu também episódios em que pessoas com mochilas escalavam as vigas das lojas, tiravam fantasias de ursos das malas e vestiam. Depois disso, pegavam um megafone e começavam a falar para os clientes lá embaixo: “se vocês querem continuar destruindo as florestas em que os ursos vivem, então venham aqui e comprem mais dessa madeira”. Assim, chamavam efetivamente a atenção do público. A Home Depot finalmente mudou suas práticas quando percebeu que a sua marca estava em risco.
O presidente da companhia insistiu na mudança de práticas. Hoje a Home Depot é a maior detentora das certificações do Forest Stewardship Council (FSC)nos Estados Unidos. E quase todas as outras lojas do ramo estão seguindo os mesmos passos no sentido de apenas vender madeira certificada.
 
 
 
 
IS – O aumento da demanda por produtos, serviços e práticas sustentáveis é uma tendência que veio para ficar? Quanto tempo as empresas ainda têm para se adaptar ao conceito de sustentabilidade?
 
 
MC – Pesquisas da Market Analisys indicam que o interesse por produtos sustentáveis e éticos certificados está crescendo muito rapidamente. Não apenas em países desenvolvidos, mas em lugares como o Brasil. A demanda está crescendo tão rapidamente que os fornecedores não estão conseguindo acompanhar. Todas as companhias terão que lidar com esse movimento. A única questão é o quão rápido elas entrarão e tirarão vantagem desse mercado. Se esperarem demais, perceberão ao longo dos anos que os produtos não certificados como sustentáveis terão seus preços em queda. Já os preços dos produtos certificados seguirão firmes e fortes. A oportunidade de lucro agora está no setor da sustentabilidade, seja na certificação social ou ambiental ou idealmente, a combinação de ambas. Isso é o que os mercados estão demandando em todo o mundo e de forma rápida.

 
 
IS – Que indícios o senhor vê de que a sustentabilidade não será mais uma onda passageira no mercado?
 
 
MC- A consciência global está ascendendo rapidamente a respeito da insustentabilidade de muitas práticas corporativas e a revolução nas comunicações, produto da globalização – é parte de tudo isso. Hoje, há muito mais conhecimento do que há 10 anos sobre os efeitos insustentáveis dos produtos. Nossos filhos estão aprendendo e aprenderão nas escolas tudo sobre a importância de ser sustentável, algo que precisamos chegar até a idade adulta para aprender. As maiores crises globais – mudança climática, extinção de espécies marinhas, crise no fornecimento de água, no desmatamento de florestas — estão associadas ao tema das sustentabilidade. Portanto, quanto mais as pessoas aprenderem sobre essas crises, mais demandarão produtos sustentáveis. As companhias que não tomarem a liderança nessa troca para um modelo mais sustentável serão, daqui por diante, as menos lucrativas.
 
 
IS – As certificações contribuíram para aproximar a responsabilidade social da estratégia do negócio? Como?
 
 
MC – A certificação é, a meu ver, a base a partir da qual se pode saltar do estágio da responsabilidade social corporativa para o que eu chamo de accountabilitysocioambiental. Accountability é um termo difícil de traduzir para o português porque não existe uma palavra equivalente. Penso que tenham existido três séculos diferentes na história da responsabilidade social corporativa. No século 19, companhias como a Standard Oil, criada por John D. Rockefeller, seguiam princípios de responsabilidade porque a sua fé religiosa os conduzia nessa direção. Não que fossem mesmo responsáveis. Trabalhei para os Rockfeller. Sua biografia o descreve como um trapaceiro, alguém envolvido com várias atividades ilegais, que violava princípios que ele mesmo alegava defender. A responsabilidade corporativa do século 19 se baseava nos compromissos discursivos de um líder que não seguia nem mesmo o que pregava. Era apenas a palavra do líder.
No século 20 começa a emergir uma nova forma de responsabilidade corporativa. Empresas criam padrões mais elevados. Vale lembrar, como marco, o desastre de Bophal, na Índia, na década de 1980, quando a refinaria Union Carbide explodiu e matou milhares de pessoas. A partir dele, a indústria química criou um programa transversal, chamado Atuação Responsável (Responsible Care) que, no entanto, também não tinha nenhuma verificação por parte de alguma ONG independente. A associação das indústrias químicas estabeleceu novos padrões, o que se convencionou classificar como certificação de segunda parte ou garantia da segunda parte. Só que não havia responsabilização para as companhias que não seguissem esses princípios.
A novidade no século 21 é que as certificações constituem a verificação de uma terceira parte independente, comprometendo a companhia com os padrões que são negociados por todos os stakeholders. As verificações mostram que os consumidores precisam comprar por padrões éticos e existem conseqüências negativas – por assim se dizer – para as empresas. Chamo isso de contabilidade com dentes, pois se é mordido quando não se segue os padrões.
IS – O senhor acredita que as certificações impulsionaram parcerias entre o setor privado e organizações não governamentais?
MC – Claro. Isso parece estranho, mas quando a empresa desiste de resistir às campanhas públicas contra ela, acaba encontrando nas ONGs um apoio para rever, por exemplo, suas cadeias produtivas. Temos dois tipos de ONGs: as que apenas executam campanhas de propaganda contra alguma empresa; e outras, como a WWF, que preferem ajudar as companhias a resolverem os problemas de cadeia produtiva ou facilitar a compra de madeira certificada e a criação de um mercado para esse produto. Ambas as estratégias são importantes: pressionar as empresas e ajudá-las a resolver os seus problemas.
IS – Quais são os principais fatores que levam as empresas a buscar certificações? Por quê?
MC – Cada vez mais as empresas têm buscado a certificação por vontade própria. Dou o exemplo da maior companhia de café dos Estados Unidos, a Green Mountain Coffee Roasters. É uma empresa de médio porte, que fica na região da Nova Inglaterra e já foi apontada pela CRO Magazine (Corporate Responsability Organization) como a mais ética dos EUA, por quatro anos consecutivos. Hoje ela está vendendo todo seu estoque de café certificado como sendo de fairtrade e orgânico por conseguir provar aos seus clientes, por meio de verificação externa, que seus produtos proporcionam claros benefícios socioambientais. Esse é um exemplo de empresa que não precisou de campanha contrária para ver nas cerificações uma forma de validar suas práticas e gerar segurança para seus clientes.
No entanto, a maioria ainda toma a decisão como resposta a alguma campanha pública contra sua marca. Muitas se vêem forçadas pela pressão externa a rever eventuais práticas irresponsáveis em sua cadeia produtiva.
Vejo como fator importante também a ação das empresas líderes. Elas são indutoras de mudança. Se as grandes mudam, as pequenas também precisam mudar, até por razões de competitividade. Se só uma empresa se adapta a padrões éticos mais altos, a preocupações ambientais e ao rastreamento dos produtos, isso encarece o produto e torna a competição com os concorrentes muito difícil. Para serem bem-sucedidas, as certificações precisam transformar gradualmente todo segmento, evitando a competição injusta.
IS – Quais são as limitações de mecanismos de adesão voluntária como as certificações?
MC – Vejo três limitações no sistema voluntário. Primeiro, existe uma proliferação de certificações e rótulos de diferentes níveis de accountability, o que tem confundido os consumidores. Segundo, a certificação voluntária requer a atenção contínua de ONGs que precisam monitorar as empresas, avaliar a observância aos padrões e cobrá-las quando necessário.
Terceiro, as certificações voluntárias acabam ocupando espaço onde as obrigatórias não existem. A Organização Mundial do Comércio baniu o uso do que chamamos de processo de método de produção. Desse modo, não há um regulamento, por exemplo, que cesse a exportação de roupas confeccionadas na China por trabalhadores escravos, infantis ou que recebem baixíssimos salários. Não temos atualmente uma instituição capaz de implementar altos padrões sociais e ambientais de forma legal. O único caminho é o da certificação voluntária. Os países podem conceber altos padrões para dentro de suas fronteiras, mas não têm autonomia para forçar as companhias a seguirem esses padrões em outros lugares do mundo.
IS – Como o senhor avalia o avanço das certificações nos países em desenvolvimento?
MC –Na conferência da ONU sobre comércio e desenvolvimento, por exemplo, algumas nações mostraram-se preocupadas com as certificações voluntárias alegando que elas poderiam aumentar o custo de sua produção, prejudicando a sua competitividade. Mas começam a perceber que estão perdendo a oportunidade de mercado para novos produtos com maior valor agregado. Além disso, não encontram credibilidade para seus próprios critérios nos mercados internacionais.
Em 2001, quando trabalhava para a Ford Foundation, estive com uma delegação de líderes chineses que foi aos EUA para estudar manejo florestal. Propus a eles que conhecessem melhor a certificação FSC. A resposta foi que eles tinham universidades que dominavam o conceito, agradeceram a ajuda, deram as costas e partiram. Mais ou menos cinco anos depois, houve uma conferência na China e alguns dos mesmos líderes nos procuraram muito interessados para saber mais sobre o FSC. A razão para isso é que uma empresa holandesa, que fabricava mobília queria abrir fábricas na China, mas como lá não havia madeira certificada, começaram a importar a matéria-prima de Nova Zelândia, Estados Unidos e África do Sul.
Outra dimensão da revolução das certificações é o poder exercido pelas grandes empresas sobre os fornecedores. Antigamente eram os fabricantes que mantinham esse poder e vendiam qualquer coisa para os consumidores com propaganda. Agora, os revendedores são os que têm o poder e podem especificar o que querem do produto. Há um exemplo no Brasil dessa tendência. A fabricante do Café Bom Dia há anos vinha tentando crescer no mercado internacional associando a marca à responsabilidade socioambiental. A partir do momento em que passou a ser certificada com o Fairtrade, conquistou a confiança de um dos maiores compradores nos Estados Unidos: o Sam’s Club, agora Wal-Mart. Apenas por promover café certificado como parte de comércio justo, a companhia obteve um crescimento espantoso. Além do reconhecimento nos EUA, expandiu os negócios e está exportando até açaí e já recebeu convite para abrir fábricas na Ásia, Peru e Etiópia.

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