Entrevistas – Diga-me quem financias – Parte 1

Entrevistas – Diga-me quem financias – Parte 1

Entrevista com o economista Gustavo Pimentel sobre finanças sustentáveis
Foto: Érico Hiller
Ainda que o conceito de sustentabilidade não seja familiar para muitas empresas brasileiras, afirmar que os brasileiros só ouviram falar do tripple bottom line recentemente pode ser um equívoco – ao menos no caso do economista Gustavo Pimentel. Com apenas 20 anos, ele já participava das discussões sobre sustentabilidade no Brasil, em 2000, quando o movimento não tinha ainda a abrangência que ganharia mais tarde e o paradigma era desconhecido para a maior parte das empresas nacionais. À época, fazia parte da AIESEC, organização internacional de protagonismo estudantil, que promove programas de capacitação e oferece vagas de liderança e estágios para universitários.Como presidente da entidade, Pimentel foi para a sede na Holanda gerenciar a parceria com a unidade brasileira.
Gustavo Pimentel
Lá, teve contato com discussões de ponta sobre a questão socioambiental.
Ao voltar, desenvolveu paralelamente um trabalho acadêmico na UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) sobre sustentabilidade nos fundos de pensão e trabalhou na SR Rating, agência de classificação de riscos. “Isso me permitiu uma formação em diversos campos. Por um lado, eu tinha essa visão financeira de risco de crédito, em que a questão socioambiental é importante, e na academia eu analisava os avanços dos fundos de pensão”, conta. Hoje, aos 26 anos, Pimentel encabeça o programa Eco-Finanças da organização da sociedade civil Amigos da Terra no Brasil, que promove o uso sustentável de produtos florestais. O Eco-Finanças, por sua vez, visa minimizar os impactos no meio ambiente pelo viés dos bancos; financiadores, muitas vezes, de projetos danosos à natureza.
O programa também representa a rede Banktrack no Brasil, organização que reúne diversas ONGs do mundo na fiscalização dos impactos das ações do setor financeiro na sociedade. Recentemente, a entidade lançou a nova versão do relatório bienal Mind the gap, resultado de uma pesquisa que classificou as políticas bancárias em sete setores, sete áreas e quatro quesitos de transparência e accountability. As instituições financeiras enviaram suas políticas, que foram analisadas e pontuadas em uma escala de zero a quatro. “As notas foram baixas, mas acreditamos que em dois anos haja melhora por conta da quantidade de políticas atuais em processo de aprovação e das que ainda não se tornaram públicas. Agora existe o estímulo para publicar”, avalia. Em entrevista exclusiva a Carmen Guerreiro e Ricardo Voltolini, Pimentel falou sobre a evolução da sustentabilidade nos bancos e sobre os principais resultados do relatório Mind the gap.
Idéia Socioambiental – O que um banco precisa fazer para ser considerado sustentável?
Gustavo Pimentel – Precisa olhar para o seu portifólio, ver para onde o dinheiro vai e aplicar as políticas que recomendamos na pesquisa. Além disso, tem que ser muito transparente, com mecanismos de accountability para que seus clientes e sociedade entendam para onde vão os recursos. Dentro de setores específicos, ele deve direcionar o financiamento para os setores limpos, energia renovável e execução das ações da forma certa. Por exemplo: não adianta fazer biocombustível derrubando florestas e utilizando trabalho escravo. Dependendo da área de atuação, a instituição deve usar as melhores práticas de certificação e, quiçá, sair de outros setores que não têm como dizer que são sustentáveis, como o militar e o da indústria bélica.
Não tem jeito. Só é possível atingir a pontuação máxima se o banco cortar essas relações e, de forma clara, publicar este compromisso. Outro ponto importante é a existência de um mecanismo por meio do qual o banco possa ouvir a sociedade e as comunidades afetadas em relação aos projetos. A principal questão aí é parar de se esconder atrás do sigilo bancário e dar as informações que a sociedade precisa. Induzir os clientes a publicar essas informações. É claro que há limites, mas é possível condicionar o financiamento à divulgação de um plano de impacto ambiental, por exemplo. Isso não interfere em nenhuma questão estratégica de projeto.
IS – Você conheceu o movimento inicial da sustentabilidade no setor financeiro brasileiro em dois momentos. Antes e depois de morar na Europa. Quais diferenças pôde notar entre os dois momentos?
GP – O principal avanço foi  o tema ganhar as páginas de jornais, revistas e espaço na televisão, e virar  assunto de marketing e comunicação. Na época em que eu saí, o ABN já fazia bastante coisa, o Banco do Brasil também, e os outros começavam a olhar para o assunto. Quando eu voltei, já existia um movimento estruturado. O CEBDS [Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável] e alguns outros fóruns contribuem para colocar esse assunto na pauta.
IS – Você acompanhou de perto o movimento dos bancos em sustentabilidade. Como foi esse processo?
GP – O setor financeiro só começou a ser questionado sobre o tipo de desenvolvimento que gerava na segunda metade da década de 1980 e, ainda assim, somente  os organismos internacionais, como o IFC [International Finance Corporation] ou o Banco Mundial. Muitas vezes o financiamento de um oleoduto era feito sem nenhum critério ambiental, sem questionar os impactos. Em paralelo, algumas ONGs que se engajavam com organizações multilaterais começaram a ver que o percentual que estas tinham de financiamento era muito pouco comparado aos bancos privados.
Em 1997, um projeto nos EUA deu esse salto no foco. Alguns bancos privados foram selecionados como cobaias desse ativismo, entre eles o Citibank, alvo de campanhas notórias encabeçadas pela RAN [Rainforest Action Network], com a Susan Sarandon e a Daryl Hannah convocando o público a cortar seus cartões do banco. Essa e outras campanhas foram muito bem sucedidas e deram uma chacoalhada no setor. Nenhum banco privado pensou poder ser questionado em relação aos seus investimentos. Com as campanhas, a imagem dos bancos ficou arranhada e no setor financeiro a reputação é muito importante.
IS – No que isso resultou?
GP- Em 2002, começou a se desenhar o que veio a ser, em 2003, os Princípios do Equador. Foi uma resposta a esses danos de reputação. Ao ver os bancos se reunirem, as ONGs organizaram um encontro em Collevecchio, cidade próxima a  Roma, e preparam uma declaração, depois conhecida como Declaração de Collevecchio, que representava as expectativas da sociedade civil em relação ao setor financeiro. Algumas ONGs entenderam que era importante congregar várias entidades no movimento, pois o setor financeiro é cada vez mais global. Era necessário formar uma rede que pudesse angariar recursos expressivos e garantir a troca com os bancos. Foi criada, então, a rede Banktrack, no final de 2004, estabelecida em Utrecht, na Holanda.

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