José Goldemberg – Parte II

José Goldemberg – Parte II

I.S: O Brasil também deveria pensar em uma política de incentivo para o setor de energia renovável?
J.G: Em relação ao combate às mudanças climáticas, o Brasil tem poucos problemas. O país é um emissor modesto de carbono porque grande parte da energia, como se sabe, é de origem hidrelétrica. O desafio está em reduzir efetivamente o desmatamento da Amazônia, que produz três vezes mais gases de efeito estufa do que o resto do Brasil. Mas há uma novidade não muito boa nesse quadro. Diante da dificuldade na construção de usinas hidrelétricas, o governo, em desespero, tem autorizado a realização de leilões para a produção de novas fontes de energia. Quem ganha com esses leilões são as usinas movidas a carvão e óleo diesel, excessivamente poluentes. Pelo modelo que o governo está seguindo, até o ano de 2017, a percentagem de fontes renováveis em nossa matriz energética, hoje de 85%, cairá para 75%, devido ao aumento das usinas termoelétricas. Em sua defesa, o governo afirma que os ambientalistas não deixam construir, mas o motivo real é a falta de planejamento.
O planejamento de usinas hidrelétricas aqui no Brasil praticamente cessou. Isso porque, na década de 1990, quando começou a privatização da Eletrobras, que acabou não se completando, o setor de planejamento da Petrobras começou a se esvaziar. A conseqüência disso é que não há usinas com o planejamento pronto para serem licenciadas. Também é preciso um pouco de coragem para enfrentar as ONGs. A verdade é que os ambientalistas têm que ser enfrentados com as alternativas que existem, e as opções são as hidrelétricas ou as usinas a carvão, que são muito mais poluentes, ou mesmo a nuclear. A partir daí a escolha tem que ser feita. Governar é fazer escolhas e defendê-las depois de tê-las feito.
 
I.S: Como o Brasil pode transformar as suas vantagens comparativas, decorrentes, sobretudo, de uma matriz energética predominantemente de fonte renovável, em vantagens competitivas de fato?
J.G: No fim do governo Fernando Henrique formulou-se um programa chamado Proinfa, voltado para energias renováveis, pelo qual se estabeleceu algumas diretrizes, como preços mínimos e máximos para leilões. O primeiro, para energia eólica, será realizado no final do ano. Isso deveria ter sido feito em 2004, mas vai acontecer apenas agora. E um dos argumentos é que a indústria brasileira não está capacitada para fazer os equipamentos. Mas se não começarmos a fazer, não estaremos capacitados nunca. Tome o exemplo da indústria automobilística. No começo, todos os automóveis eram importados. Aí veio a Volkswagen e começou a montar veículos no Brasil. Como o mercado era grande, não valia a pena trazer as peças da Alemanha. Hoje a indústria nacional é de primeiro mundo. Automóveis que circulam no México e em toda a América Latina são produzidos aqui. Então, não há nenhum motivo para que com essas novas tecnologias não se siga o mesmo modelo.
I.S: No âmbito das energias renováveis, quais, na sua opinião, têm maior potencial de desenvolvimento no Brasil?
J.G: O Brasil é um dos poucos países do mundo que pode ser autossuficiente em energia. Os Estados Unidos estão muito longe de atingir a autossuficiência. A segurança energética tem sido pauta de todos os presidentes norte-americanos. Aquele país importa hoje mais da metade do petróleo que consome. Isso explica as razões da forte presença militar americana no Oriente Médio. Já o Brasil é praticamente autossuficiente. A primeira grande fonte de energia que vejo para o País é a hidrelétrica. Mas, como já afirmei, essa área precisaria ser objeto de um planejamento mais sério para permitir que os projetos fossem aprovados com maior agilidade. O que o Brasil deve fazer, a meu ver, é expandir as hidrelétricas e o uso da biomassa. O uso do bagaço para a produção de energia elétrica está virando uma grande atividade industrial e comercial. Em petróleo, o Brasil é autossuficiente. E se o pré-sal for desenvolvido – o que ainda exigirá uma  longa caminhada – ele pode ser exportado. Essa seria a alternativa natural. As alternativas vento e sol não são tão importantes no Brasil quanto na Europa, tanto que os europeus estão pensando seriamente em utilizar o deserto do Saara, uma área que tem apenas Sol, para colocar coletores solares, gerar energia elétrica e transportar para os seus países. Mas, claro, trata-se de um processo bastante caro.
I.S: Projetos para geração de energia renovável costumam enfrentar mais dificuldades para obter financiamento. Argumenta-se que há um risco maior do que no caso de tecnologias convencionais que usam combustíveis fósseis. Esse cuidado procede mesmo no caso de tecnologias que se mostraram tecnicamente eficientes, como as PCHs e a biomassa?
 
J.G: Não acho que o problema seja o risco. Algumas tecnologias são mais caras mesmo. Mas o que os governos fizeram na Europa e nos EUA foi obrigar as empresas de produção de eletricidade a colocar na sua matriz uma taxa de energias renováveis. Isso é o que chamamos de Global Protocol Standards. Eles foram criados, curiosamente, no Texas, quando o George Bush (filho) era governador. Essa lei estabeleceu que as concessionárias de energia poderiam gerar eletricidade da maneira que quisessem – por carvão ou petróleo – mas 10% deveria ser destinado às fontes renováveis. Acho que uma lei como essa caberia no Brasil, a fim de privilegiar a energia eólica e solar. Na Alemanha, eles foram mais longe ainda. Se um morador colocar um conjunto de coletores solares em seu quintal, a empresa geradora de eletricidade é obrigada a comprar a energia gerada. Eles chamam isso de feed in law. Por isso, o vento se tornou um grande negócio na Alemanha. Existem soluções, mas os governos precisam ter uma visão clara do aquecimento global. Quando se lê o que o Ministério de Minas e Energia está fazendo no Brasil, percebe-se que ainda não se está levando o problema a sério.
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