José Goldemberg – Parte III

José Goldemberg – Parte III

I.S: Existem projetos de lei hoje tramitando no Congresso que tratam da questão da taxação de atividades com maior impacto ambiental. Qual a sua opinião sobre o assunto?
 
J.G: Essas medidas estão sendo tomadas no mundo todo. É a ideia de botar uma taxa sobre o carbono.  Existem duas maneiras de se fazer isso. A primeira forma é a que os economistas gostam: coloca-se um preço no carbono a fim de desestimular as atividades altamente emissoras. Trata-se de ferramenta puramente econômica. No entanto, esse método acaba por encarecer as atividades. Esse é um raciocínio perverso, que acabaria beneficiando a energia nuclear. Mas a energia nuclear não prosperou por outras razões, não necessariamente econômicas, simplesmente porque as pessoas não querem esse tipo de risco por perto.
Na Europa, preferiu-se estabelecer mandatos. O governo decide que no ano que vem tem que emitir 10% menos carbono, repassando essa meta às empresas. Algumas delas conseguem mudar seu processo produtivo rapidamente e não usam a cota, podendo vendê-la para outras empresas. Assim, cria-se um mercado muito ativo de créditos de carbono. No fundo, se estabeleceu um valor para a tonelada de carbono, hoje aproximadamente € 10.
I.S: A precificação de carbono é uma tendência irreversível? Os países passarão a adotar seus próprios regimes de comercialização de créditos de carbono? De que maneira isso impactará as energias renováveis?
 
J.G: A lei americana que regulamenta o Emission Trading, aprovada recentemente na câmara baixa, configura para mim uma tendência universal. Defendo esse sistema para o Brasil, apesar de ser um país em desenvolvimento. A China e a Índia estão se opondo à adoção de uma meta. Acham que se um país está crescendo, o fato de aceitar uma meta prejudicará seu desenvolvimento. Não concordo com essa ideia. A adoção da meta é um esporão para se procurar tecnologias limpas. No momento em que se fixa um limite, surge a obrigatoriedade de tomar as medidas para que ele se concretize. Atualmente, metade das emissões advém dos países ricos. Então, é impossível resolver os problemas só com ações das nações industrializadas. Ainda que, subitamente, elas deixassem de aumentar as emissões de carbono, as emissões dos países em desenvolvimento continuariam a fazer subir a concentração de carbono na atmosfera.
Em visita recente à China, Hillary Clinton argumentou que sendo um grande emissor, aquele país deveria ter compromissos e responsabilidades de redução. No entanto, alegando ser uma nação em desenvolvimento, o ministro chinês afirmou que não aceitaria metas. Isso é uma incompreensão do que se chama desenvolvimento porque é possível se desenvolver a partir de uma trajetória melhor e mais sustentável.
Os Estados Unidos sozinhos respondem por 25% da emissão mundial. Mas a China também emite 25%. A diferença é que os EUA são grandes importadores de matérias-primas e produtos manufaturados de todo o mundo. No projeto de lei norte-americano que estabelece metas de redução das emissões há um dispositivo, determinando que os produtos importados sejam taxados de acordo com seu conteúdo de carbono. Isso vai forçar os outros países a rever e reduzir a utilização de produtos e processos altamente emissores. Com essa história, o Brasil acaba se saindo bem porque o etanol brasileiro é melhor do que o americano. Vale lembrar que os EUA colocaram uma taxa para impedir que a entrada do etanol brasileiro lá. Usando a regra de que quanto menos carbono, menos barreira há, o etanol brasileiro tem mais chance de ser valorizado.
 
 
I.S: Quais as suas expectativas em relação à Conferência do Clima, a ser realizada em Copenhague, no mês de dezembro?
 
J.G: O cenário mais otimista que podemos esperar é de um acordo pelo qual os países industrializados se comprometam a reduzir suas emissões de 50% a 80% até 2050. Também é importante que adotem metas intermediárias, pois 2050 está longe e prometer o futuro costuma ser tarefa muito fácil. A União Européia prometeu reduzir suas emissões em 20% até o ano de 2020. A adoção dessa meta pelos demais países industrializados seria para mim um resultado bom da Conferência de Copenhague. Defendo também que os países em desenvolvimento adotem metas mandatórias. Seria uma meta mais fraca, mas eles passariam a também aceitaria limites em suas emissões de carbono..
I.S: Normalmente, encontros como o de Copenhague reúnem lideranças políticas do mundo todo. Que papel as empresas podem exercer na negociação de um acordo climático?
 
J.G: Elas estão participando ativamente. Redes como a do World Business Council for Sustainable Development (Wbcsd) reúnem as grandes empresas mundiais. Como perceberam que se opor é pior, na medida em que os governos adotarão medidas difíceis de cumprir, elas têm discutido entre si o que podem fazer. Isso já rendeu relatórios muito bons. Estão pensando da seguinte forma: melhor fazermos nós mesmos, que entendemos do nosso negócio, senão vamos ter que aceitar uma lei imposta de cima para baixo, com grandes chances de ser mal formulada. No fundo, acho que é verdade. As facas do governo não são bem afiadas. A mão costuma ser pesada e o olhar não atento para os detalhes importantes. Então há áreas em que se pode fazer muita coisa, outras não.
Na área de cimento, por exemplo, o Wbcsd tem um relatório mostrando que boa parte das indústrias no mundo poderia melhorar seus processos. O mesmo acontece com a indústria siderúrgica, que tem sido bastante ativa. Por exemplo, a ideia de utilizar carvão vegetal de floresta plantada está tomando corpo. As empresas têm um papel importante, quando trabalham de boa fé, sem a preocupação de fazerem green washing. Só vou levar a sério companhias que  produzirem, junto com o balanço financeiro anual, um balanço de suas emissões de gases de efeito estufa.
I.S: Enquanto se discute a necessidade de frear o aquecimento global e, portanto, reduzir o consumo de energia em diferentes processos, um terço da população mundial não tem acesso à energia elétrica. Como universalizar o acesso à energia sem comprometer a sustentabilidade?
 
J.G: Curiosamente, quem está fazendo isso direito é o governo brasileiro e o da África do Sul. Apesar de ter sido inventado por uma razão totalmente diferente, de natureza eleitoral, o Programa Luz Para Todos é o único caminho certo. E o governo brasileiro colocou bastante dinheiro, já que um projeto desse porte custa caro. Cada família “ligada” à rede de distribuição de energia custa, em média, U$S 2 mil. O governo brasileiro já gastou entre U$S 4 bilhões e U$S 5 bilhões nessa iniciativa. O Luz Para Todos está fazendo sucesso e já “ligou” muita gente. Agora, restou uma quantidade muito grande de comunidades isoladas, sobretudo na Amazônia, porque lá não se pode puxar linha de eletricidade. E tem pelo menos umas 300 comunidades isoladas que utilizam motores a diesel – um problema terrível – como única alternativa para não ficarem no escuro. Agora há projetos de colocar unidades que já tenham energia solar. Isso está começando agora e é uma boa oportunidade.

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