Entrevistas – O ex-ministro Rubens Ricupero aborda o impacto da desigualdade social na imagem do Brasil no exterior (parte 1)

Entrevistas – O ex-ministro Rubens Ricupero aborda o impacto da desigualdade social na imagem do Brasil no exterior (parte 1)

Pobreza e desigualdades sociais comprometem imagem do país no cenário internacional
Em 1994, ele pediu demissão do cargo de ministro após a repercussão negativa de uma frase (“O que é bom a gente mostra e o que é ruim a gente esconde”) dita no intervalo de uma entrevista ao jornalista Carlos Monforte da TV Globo, que foi ao ar por causa de um erro técnico de transmissão. O vazamento inadvertido custou-lhe muito caro. Menos do que o posto, ele perdeu a paz. Ficou com a fama –hoje felizmente esquecida no tempo — de alguém que agia com poucos escrúpulos. Se o Brasil ficou sem o seu respeitável Ministro da Fazenda, ganhou, por outro lado, um pensador sensível e analítico dos efeitos dos problemas sociais na economia e no desenvolvimento do país e do mundo.
Diplomata e Bacharel em Direito, Rubens Ricupero foi secretário-geral da Unctad – Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento por XXX anos. Hoje é diretor da Faculdade de Economia da Faap – Fundação Álvares Penteado, em São Paulo. Nessa entrevista à Idéiasocial, Ricupero classificou a pobreza e as desigualdades sociais como variáveis importantes para a credibilidade de um país no cenário internacional, destacou o papel das empresas no combate á exclusão, comentou a importância das políticas de transferência de renda e apontou as organizações da sociedade civil como importantes agentes políticos de mudança no mundo contemporâneo. Confira a seguir o que pensa o ex-ministro Ricupero sobre como o Brasil poderá superar os seus históricos dilemas sociais:
 
Idéiasocial – As desigualdades sociais geram impacto negativo para a imagem do Brasil no mercado internacional?
 
Rubens Ricupero – Ela prejudica enormemente a nossa imagem. A tendência atual é considerar que a desigualdade é um índice mais grave – pois atinge a qualidade da vida – do que os índices propriamente materiais, como taxa de crescimento e dinamismo da economia. Tanto assim que a admiração que se tem pela China e pelos asiáticos em geral decorre de uma combinação entre os aplausos às taxas rápidas de crescimento e o fato de terem conseguido diminuir a pobreza. Já no caso brasileiro, a nossa imagem sofre um arranhão duplo porque perdemos o dinamismo econômico desde o começo da década de 80 e também não conseguimos melhorar nem a porcentagem absoluta de pobreza e indigência nem a desigualdade. A tendência ao classificar os países é valorizar os índices qualitativos. Por isso, as Nações Unidas criaram o IDH, – Índice de Desenvolvimento Humano. Infelizmente o Brasil tem ido muito mal nessa matéria. É discutível se temos o segundo maior índice de desigualdade social do mundo (o primeiro seria Serra Leoa). Mas não há duvidas de que estamos certamente entre os primeiros da lista
IS – Qual a importância de uma boa política de responsabilidade social para as empresas que querem fazer grandes contratos internacionais?
 
RR – A importância é extraordinária e deve aumentar ainda mais. Nos países desenvolvidos, onde estão boa parte dos grandes mercados, o nível de consciência a respeito do problema da justiça social tem aumentado muito. Como exemplo, destaco a campanha do fair trade (comérico justo). Nos países europeus, há muitos técnicos para implantação desses programas e há até uma tendência hoje em dia de se criar grandes entidades para orientar os investimentos, até os de bolsa de valores, em negócios que sejam socialmente justos. Se por um lado, esse tipo de investimento tende a crescer, por outro há uma tendência em se castigar produtos feitos a partir da exploração de trabalho infantil e condições sociais injustas. O Brasil é muito vulnerável neste quesito. Aparece com freqüência nas denúncias de trabalho escravo e trabalho infantil.
Os produtores de açúcar de beterraba na Europa estão fazendo o que já se fez no passado contra o ferro guza e os meninos carvoeiros: em defesa de seus interesses, afirmam que o Brasil explora bóias-frias e que o processo de produção do açúcar brasileiro se baseia em injustiças. A Vale do Rio Doce enfrentou um grande problema no projeto Carajás por causa disso. Os exemplos são numerosos de empresas brasileiras que precisam gastar dinheiro para se defender de acusações semelhantes. E isso vai aumentar. Aconselho então às empresas a se tornarem conhecidas por excelência em responsabilidade social. São poucas as empresas brasileiras que se destacam pela consciência de seu papel social.
 
IS – Como o senhor reage a idéias como a do economista Milton Friedman, que prega que a função das empresas é exclusivamente gerar lucro para os acionistas?
 
RR – Acho que Friedman tem uma visão equivocada. Obviamente, ser rentável, dar lucro para os seus acionistas e aumentar o valor das ações é finalidade básica de qualquer empresa. Por outro lado os que seguem radicalmente essa posição não se dão conta de que os investimentos sociais e ambientais também produzem resultados concretos para a melhoria da eficiência da empresa. Está provado que uma boa política ambiental produz grandes economias, como de energia e no uso de recursos naturais. Do mesmo modo, está provado que empresas que tratam particularmente bem seus funcionários têm retorno muito maior em termos de dedicação e envolvimento.
Outro dia assisti a uma entrevista na TV com o dono de um posto de gasolina que só emprega deficientes físicos. Ele afirmava que obtém resultados muito melhores com este novo quadro de funcionários, na medida em que eles são mais devotados ao trabalho. Gratos ao empregador, que enxergou o seu valor, o seu potencial e as suas competências, estes trabalhadores dedicam-se mais. Isso não é caridade, mas respeito. E o mundo está cobrando cada dia mais este tipo de postura das empresas. Já vimos empresas muito eficientes economicamente, como a Nike, por exemplo, sofrerem campanhas terríveis que as fizeram mudar de comportamento. Gostem ou não, as empresas precisam mudar a forma de ver o mundo. No Brasil, notamos que as de capital estrangeiro têm mais consciência ecológica e social que a maioria das nacionais. Não é porque sejam melhores, mas porque são mais sensíveis às campanhas que podem sofrer nos países de origem. Sabem que podem pagar um preço muito alto por erros de conduta. Ser socialmente responsável é compensador sob o ponto de vista econômico,
 
IS – Em O Capitalismo Global, o economista Celso Furtado afirmou que o que mais pode levar um país à ingovernabilidade é a desigualdade social. Outros teóricos concordam, acrescentando que seria mais fácil governar um país se recuperando de uma guerra do que um país com fortes desigualdades sociais. O senhor concorda com essa tese?
 
RR – Concordo sim. Até mesmo porque elas são comprovadas pela experiência histórica. O rendimento da Europa Ocidental e do Japão depois da Segunda Guerra, e o da Coréia do Sul, depois da Guerra da Coréia, mostram exatamente isso. Nas guerras, parte-se do pressuposto de que todos ficam iguais, todos pobres. Depois da guerra na Coréia, por exemplo, não havia diferenças. Numa situação como essa, pode haver pobreza, mas há uma unidade de propósitos. Nas situações de desigualdade aguda, os conflitos sociais se multiplicam e é muito mais difícil ter soluções moderadoras e negociadas em relação a aumentos salariais, combate a inflação ou a escolha das prioridades dos investimentos.
Cada um puxa para o seu lado. Uma prova da verdade contida nessa idéia são as sociedades ibero-americanas: tradicionalmente elas estão entre as politicamente mais instáveis, as que mais foram vítimas de golpes e as que tiveram mais dificuldades de consolidar o regime democrático, pois têm a sua herança cultural baseada nas desigualdades sociais do colonialismo. Nessas sociedades, criou-se uma instabilidade crônica, como hoje se verifica, por exemplo, na Venezuela, um país polarizado em duas metades. A Bolívia e outros países da América Latina mostram bem o quanto a desigualdade social representa um gravíssimo obstáculo para o estabelecimento de uma política econômica racional e para o próprio desenvolvimento econômico. É também próprio das sociedades desiguais ter governos ou autoritários ou populistas, comandos que oscilam entre o populismo e o autoritarismo.
 
IS – Até há pouco tempo havia quem condicionasse a redução da pobreza e dos problemas sociais ao crescimento econômico. Ficou célebre a tese de que era necessário primeiro fazer o bolo crescer, para depois dividi-lo. Hoje, sabe-se que crescimento econômico sem educação para todos e de qualidade pode ampliar as desigualdades sociais, não é verdade?
 
RR – Não há dúvida de que a educação é o grande caminho para o País. Acredito que todos os especialistas estejam de acordo que, de longe, as políticas mais eficazes de combate à desigualdade social são as voltadas para a educação. Não falo apenas em quantidade de crianças e pessoas nas escolas. Mas principalmente na qualidade desta escola, pois não basta ter educação de massa que não prepare adequadamente as pessoas. Nos últimos anos, o Brasil até que resolveu muitos de seus problemas de acesso á escola. Mas a qualidade segue muito ruim.
O caso dos asiáticos é típico, pois, além das políticas de melhoria da educação, tomaram outras medidas de combate à desigualdade, medidas distributivas tanto por meio de impostos quanto assistenciais, como bolsas e programas de transferência de renda. Um dos grandes problemas do Brasil, no meu modo de ver, é ter sido, nos primórdios de sua história, uma sociedade escravocrata que nunca deu prioridade à educação do seu trabalhador, da sua mão-de-obra produtiva. Não havia interesse em educar a população de trabalhadores, sob o receio de que, se educados, eles poderiam criar problemas e contestar mais. Esta herança, pesada, sem dúvida, ainda exerce uma influência muito forte no Brasil.
 
IS – Comparativamente, qual a eficácia de programas de transferência de renda e programas de geração de renda no combate à pobreza e quando cada um deve ser utilizado?
 
RR – Em alguns casos, os programas de transferência de renda são necessários, e em outros, até indispensáveis. Mas não vão à raiz do problema. São importantes quando tratam de segmentos que não têm nenhuma renda e que não terão possibilidades de ter, como pessoas muito idosas ou deficientes físicos e mentais de alta gravidade. O ideal, no entanto, é combiná-los com contrapartidas possíveis, como, por exemplo, as de mandar os filhos para a escola ou para os postos de saúde –isso tudo é investimento no futuro, as novas gerações devem ter condições de vida melhores que as anteriores. Se não houver perspectiva de continuidade, a tendência é que esses programas se perpetuem sem que gerem soluções efetivas.
Um programa de transferência de renda é válido como medida emergencial, para resolver problemas imediatos, como os de alimentação, por exemplo: pessoas que não têm o que comer não têm forças para trabalhar. Exceto nesses casos extremos, nos quais sempre haverá necessidade de ajuda, os programas de transferência de renda precisam ser seguidos por programas de geração de renda. Na maioria dos casos, a contra-prestação precisa existir e ser viável. Não se pode, por exemplo, exigir que depois de um determinado período de recebimento dos benefícios do programa de assistência, o indivíduo esteja empregado numa região e numa situação em que o emprego não existe. É preciso ter bom senso na hora de estabelecer as contrapartidas e criar condições para cobrá-las.
Nesse sentido, voltamos á pergunta anterior. Entre todas as ferramentas, a mais poderosa e a que mais perpetua as soluções é a educação de qualidade. Os países que melhor resolveram seus problemas de pobreza e desigualdade foram aqueles que, primeiro, avançaram na educação fundamental, depois, na educação secundária e só, em seguida, na superior.
 

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