Entrevistas – Tempo de esperança para o Terceiro Setor. É o que diz o mais importante analista mundial do tema (parte 1)

Entrevistas – Tempo de esperança para o Terceiro Setor. É o que diz o mais importante analista mundial do tema (parte 1)

Há quem atribua a ele a paternidade do nome “terceiro setor”. “Não, o termo não é de minha autoria”, adverte logo Lester Salamon, diretor do Centro de Estudos da Sociedade Civil da Universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos. Autor ou não da expressão que, no Brasil, passou a representar um universo de organizações privadas, não governamentais e sem fins lucrativos, deve-se a Salamon o crédito de primeiro pesquisador mundial importante do tema.
Antes do seu Projeto Comparativo Sobre o Setor Sem Fins Lucrativos, pesquisa que, nos anos 1980, analisou 22 países (inclusive o Brasil), havia dúvidas se o universo de organizações gestadas por iniciativa da sociedade civil, e com algumas características comuns, constituía de fato um “setor” entre o público e o privado. E embora ainda hoje não haja consenso nem sobre a adequação do nome (visto, por algumas correntes acadêmicas, como impróprio, americanista e neo-liberal) nem sobre auto-suficiência do conceito (muitos o acham excessivamente reducionsita para abrigar um conjunto tão diversificado de organizações) é certo que ele caiu na boca do povo e passou a evocar, mais do que instituições privadas, um campo de afirmação de valores e práticas sociais que não eram comuns nem no governo, como o voluntariado, nem no mercado, como o altruísmo, a solidariedade e a participação comunitária.
Para Salamon, a despeito de eventuais resistências, o conceito observou uma considerável expansão nos últimos 20 anos. Mas a inda não equacionou, por completo, alguns de seus desafios originais, como a legitimação social ampla, a efetividade da gestão e a sustentabilidade. Como introduzir ferramentas de gestão preservando os ideais originais de justiça social? Como mobilizar os recursos em cenários nem sempre acolhedores? Como demonstrar para a sociedade o valor de sua atuação e o impacto dos resultados de suas atividades? Na entrevista a seguir, concedida á repórter Marina Terra, Salamon, um ex-professor de Princeton, formado em Ciências Políticas e Economia por Harvard, apresenta respostas para essas questões. Confira.
IS — Como se deu o seu interesse pelo estudo do terceiro setor?
 
 
Lester Salamon – Foi um envolvimento acidental, pois o meu trabalho era focado no que chamo de “ferramentas do governo”. Estudava e analisava os instrumentos que são usados pelo setor público. Observei naquela época que o real funcionamento do setor público nos EUA era bem diferente do que estávamos ensinando aos estudantes nas universidades. Os governos estavam oferecendo serviços de uma forma indireta para os cidadãos. E construíram um elaborado sistema burocrático, com uma variedade de ferramentas que engajavam diversos atores na disponibilização de serviços públicos. Essas ferramentas tomaram depois a forma de contratos, concessões, empréstimos, poucas garantias e regulamentos. Comecei a escrever sobre esse cenário durante as eleições presidenciais no início dos anos 80. Ronald Reagan, o presidente eleito, um político conservador, anunciou que iria apoiar o terceiro setor de um modo que julguei errado e preocupante. Ele afirmou que demitiria funcionários do governo e “cortaria na própria carne” para auxiliar o setor. Quando tomou tal iniciativa, negligenciou a importante mudança sobre a qual eu estava escrevendo naquele momento. O movimento já era de integração entre governo e terceiro setor. Não havia a necessidade de interferir no panorama. Nos anos seguintes, observamos um ostensivo apoio do governo a organizações sem fins lucrativos. Um grande progresso para o setor.
IS – Qual a sua avaliação sobre o desenvolvimento do conceito de Terceiro Setor, nos últimos vinte anos, em todo o mundo?
 
LS – As organizações sem fins lucrativas são antigas, mas o conceito de terceiro setor é bastante recente. E o seu estudo foi uma grande novidade nos EUA, quando comecei o meu trabalho, no começo dos anos 80. Até então não havia nenhum setor de estudos acadêmicos. E predominavam estranhas concepções entre setores ligados às políticas sociais e econômicas. Estabelecer o conceito de terceiro setor passou a ser algo importante para o meu país e também para compreender os diferentes países que possuíam cenários similares. Não existia nenhuma base de dados nem a compreensão do propósito de se financiar projetos sociais. Sabia-se nada a respeito do tamanho do setor. Por muito tempo, os norte-americanos acreditavam que o setor sem fins lucrativos era igual à caridade. E que a filantropia era a grande fonte de financiamento da área social. Minha pesquisa mostrou que as taxas, despesas e o apoio do governo representavam mais recursos do que a filantropia, que se restringia a uma parte ínfima da renda dedicada a projetos sociais. Isso foi um grande choque. E a realidade era igual em países estrangeiros. Nos EUA, não se concebia a existência de um terceiro setor fora do país. Muitos menos na Europa Ocidental, onde acreditávamos que o Estado era o grande ator e que inexistia um grupo significativo de instituições. No meio da minha pesquisa comparativa, logo percebi que lá havia sim um enorme setor de organizações sem fins lucrativos. Financiado por governos, é verdade. Mas, sem dúvida, um setor sem fins lucrativos, maior até do que no meu país. De novo, essa descoberta representou um choque. Diante da análise das diferenças, percebemos que não era possível colocar todas essas instituições debaixo de mesmo guarda-chuva. Precisávamos trabalhar duro para desenvolver uma denominação comum, compreensível e bem aceita. E uma vez aceita, então começaríamos a reunir dados, usando-a como orientação conceitual. Primeiro, veio a descoberta conceitual. Depois, a empírica. Lembro-me de sugerir, no Brasil, que o setor sem fins lucrativos deveria incluir apenas as ONGs. Naquela época, elas eram pensadas como um conjunto particular de organizações, exercendo trabalho voluntário com muita dificuldade, com uma extensiva participação da comunidade e ênfase específica. Depois, revi meu pensamento. Na verdade, havia um conceito muito mais amplo que incluía, por exemplo, universidades privadas que não distribuíam os lucros para seus donos e sim para hospitais, clínicas de saúde e até associações profissionais.
IS — Há um eterno debate sobre a validade ou não da incorporação de técnicas de gestão na administração de organizações de terceiro setor. Parece haver uma tensão permanente entre duas lógicas, duas visões de mundo completamente distintas. Como o sr. avalia este quadro?
 
LS –– Essas tensões são reais. Isso é um fato. No entanto, há maneiras de conciliar boa gerência com os ideais do terceiro setor. Na verdade, muitos desses ideais tão fortes na trajetória do setor sem fins lucrativos começam inclusive a influenciar o de negócios. Observo um desejo de integrar esses dois estilos e conceitos de gerência. O empréstimo de ferramentas de gestão focadas em processos mais eficazes pode ser muito útil para o Terceiro Setor. Mas o risco permanente a ser evitado é que os processos se sobreponham em importância aos valores. As demandas do setor sem fins lucrativos são notáveis e inconfundíveis. A sua sobrevivência é um imperativo. Esta não é realmente uma questão de estilos de gerência. Creio que seja uma questão de recursos financeiros. Existem jeitos de reunir de forma harmônica os estilos de gerência do setor de negócios e do terceiro setor, contanto que os problemas financeiros estejam em pauta. Vejo que o grande problema é esse.
IS — Em seu entendimento, a capacitação de gestores evoluiu desde que o sr. Começou a analisar academicamente o tema? Há quem afirme que, na universidades, ainda se ensina técnicas distantes da necessidade da maioria das organizações de terceiro setor.
 
LS– O dilema anterior era o de que simplesmente não existia nenhum treinamento de gerência no terceiro setor. Não que o treinamento fosse ruim, simplesmente ele inexistia. Essa situação se assemelhava à observada no mundo dos negócios. Nos anos 1920 e 1930, as pessoas chegavam a postos de liderança de corporações privadas, sem capacitação para gerenciar. Eram engenheiros ou economistas de carreira. Cresciam profissionalmente porque eram bons em suas áreas de especialização, sabiam projetar automóveis, pontes e prédios. Eram competentes na linha de negócio das corporações. Mas, ao assumir posições de gerência, uma realidade de deficiências também veio à tona. Foi a partir da necessidade de ensinar pessoas que tinham conhecimento acadêmico mas não sabiam gerir grandes empresas que surgiu o curso de MBA (Management of Business Administration). O terceiro setor está passando pelo mesmo processo. As pessoas subiram posições e adquiriram responsabilidades nessas organizações porque eram experts ou agentes sociais importantes. E hoje se vêem gerenciando grandes complexos de organizações sem as habilidades necessárias. O campo do gerenciamento de organizações sem fins lucrativos, acredito, tem na educação, o caminho para construir essas habilidades.
IS — Em uma de suas visitas ao Brasil, em 2002, o sr. Apontou como quatro os principais desafios do terceiro setor em todo o mundo. Eram eles legitimação, eficácia, cooperação e sustentabilidade. Em que nível esses desafios foram ou estão sendo superados?
 
LS –– Os quatro desafios, acredito, obtiveram um grande progresso, especialmente no Brasil. O setor é muito mais amplamente reconhecido, muito mais legitimado. Estamos trabalhando conjuntamente com o IBGE para formar um banco de dados sistemático e regular sobre o terceiro setor. Acredito que isso ampliará ainda mais a legitimação do setor sem fins lucrativos. A eficácia também está em processo de evolução. Ainda é um desafio global, que enfrenta questões latentes. Mas são muitas as evidências de bons programas de capacitação para gestores em todo o mundo. No Brasil, temos uma parceria com o SENAC para criar um time coeso de treinadores que serão capazes de prover treinamento de gerenciamento sólido para comunidades no Brasil. Não tenho dúvida de que isso contribuirá para ampliar a efetividade das ações de organizações sociais. A cooperação está igualmente em alta. No Brasil e no mundo. É verdade que ainda existem tensões entre o terceiro setor e o setor de negócios. Mas são cada vez mais significativos os bons exemplos de parcerias. A sustentabilidade é, no meu modo de ver, o desafio mais complicado dos quatro mencionados. De alguma maneira, o vejo como algo maior e mais complexo do que há cinco anos atrás. Uma possível causa para esse quadro é que as corporações, que antes faziam doações formais às organizações sem fins-lucrativos, parecem estar investindo seus recursos em projetos próprios. Isso significa, na prática, que elas já não necessitam tanto dessas organizações para cumprirem suas responsabilidades sociais. As organizações precisam, portanto, encontrar novas formas de mobilizar recursos, o que exigirá delas recorrer a técnicas de mercado. Com esse inevitável movimento, estabelece-se um novo desafio: o de preservar o foco na justiça social. Na ânsia de assegurar sua sustentabilidade, elas podem se desgarrar do foco original de eliminação da pobreza, tornando-se meras prestadoras de serviços. Este é um grande desafio hoje nos EUA, cujas organizações têm no mercado a maior fonte de receitas. Preservar os valores do terceiro setor aparece como um fator essencial para o seu funcionamento e sucesso.
IS– Quando o sr. começou a estudar o terceiro setor, nos anos 1980, a participação de empresas na discussão dos temas sociais era muito pequena e esporádica. Hoje a situação é outra. O investimento social privado cresceu exponencialmente. Qual o impacto desse novo ator no financiamento das atividades de terceiro setor, antes concentrado na doação de indivíduos e governos?
 
LS — Tenho estudado o modo como as companhias estão abraçando a responsabilidade social empresarial e o engajamento social corporativo no Brasil. E posso afirmar que este movimento é mais desenvolvido aqui do que em qualquer outro país da América Latina. Em nenhuma outra nação, observa-se a mesma amplitude e profundidade. Outro ponto a considerar é que nem todas as corporações brasileiras desenvolveram plenamente uma posição estratégica de engajamento corporativo. Uma posição estratégica significa ter um planejamento corporativo claro e articulado, ligado à estratégia de negócios e conectado, a longo prazo, com compromissos definidos em relação a determinados problemas sociais do País. Existem exemplos interessantes desse tipo de prática no Brasil, mas não creio que esta seja a forma dominante de envolvimento corporativo. Um terceiro ponto a ser destacado é que, em muitas empresas, as parcerias com organizações sem fins-lucrativos ainda estão em estágio preliminar. Elas são episódicas e as corporações têm uma clara visão de que não são duradouras. Para a maioria, felizmente, são verdadeiramente determinantes. Há exemplos admiráveis no Brasil. Este é um campo que evoluiu muito desde que comecei a pesquisar o setor em fins lucrativos brasileiro.
IS — E nos EUA? Qual é o cenário?
 
 
LS –– A situação é semelhante nos EUA. Existe um grande número de corporações que progrediram muito e de modo contínuo, ao longo dos anos. Construíram parcerias substanciais com instituições. Mas o mesmo tempo, as organizações sem fins-lucrativos estão lutando para sobreviver, como em outras partes do mundo. Realmente não é uma tarefa fácil para elas também.
IS—Gostaria que o sr. voltasse a analisar o papel do investimento social privado para a consolidação das atividades do Terceiro Setor. Que impacto está gerando ou pode gerar?
 
 
LS –– Ao analisar a experiência ao redor do mundo, afirmo que a filantropia privada nunca foi suficientemente forte a ponto de suportar por inteiro um setor sem fins lucrativos vibrante e robusto. As organizações precisam encontrar outras fontes de recursos para realmente crescer e cumprir bem suas missões. Na Europa Ocidental, a fonte principal tem sido o setor público. Na Ásia e nos EUA, essencialmente o mercado. Mas raramente é filantropia. Nos EUA, apenas cerca de 20% da renda das organizações de Terceiro Setor provêm da filantropia. Em geral, essa é uma realidade comum na maioria dos países. Por isso, surge como tarefa fundamental impulsionar a filantropia privada. Só assim o setor sem fins lucrativos poderá atingir umcerto grau de independência. É bastante urgente que ela aumente. Nesse sentido, existem progressos positivos. Mas não acredito que isso signifique que podemos olhar para esse tipo de fonte como a maior contribuinte. É uma fonte importante e, como tal, precisa ser desenvolvida, tanto quanto a que provém do setor público.
IS — Com a eleição de diversos governante de esquerda na América Latina, a agenda social tornou-se o centro das atenções. Qual o papel do Terceiro Setor nesse novo contexto? E o das empresas?
 
 
LS –– Acredito que esses movimentos são, em parte, produto da globalização. Basicamente, estão colocando na agenda temáticas sociais que precisam ser debatidas. Mas se as soluções recomendadas são as mais corretas, aí é outra questão. O simples fato de ocuparem a agenda já é bastante positivo. E creio que parte dessa conquista deve ser creditada à atuação do terceiro setor. Uma conseqüência positiva foi energizar as pessoas do mundo corporativo e fazê-las entender seu papel decisivo em questões sociais. Funcionou como um despertador para muitas companhias. Acredito que tenha ajudado a dar apoio a indivíduos progressistas que estão em corporações, que vêm falando sobre isso há bastante tempo e promovendo, de fato, o engajamento corporativo. O Brasil, mais uma vez, tem sido o líder. As seguidas decepções com a política na América Latina serviram para firmar a posição de pessoas que clamavam por um sincero e forte comprometimento das corporações. Um grande número delas realizou esse processo. E já há exemplos indiscutíveis de que é possível conciliar a busca por lucros com investimento na comunidade e mudança social. As corporações precisam se ver como parte de suas comunidades. Precisam enxergar que o seu investimento gera benefícios sociais inestimáveis. O único risco é que movimentos radicais acabem gerando políticas danosas para o crescimento da economia. As composições entre as corporações, organizações do terceiro e governos, em torno de políticas sociais é, sem sombra de dúvida, um arranjo m moderno para construir soluções para os problemas sociais Vejo esse arranjo com grande esperança. E acredito que o governo no Brasil está em posição privilegiada, por que já se moveu nesse rumo e trabalha com modelos que certamente serão seguidos por outros países.
IS– E nos EUA e Europa? Qual é o cenário?
 
 
LS — Nos EUA, também existe um movimento para a esquerda. Existe um novo tipo de pensamento de esquerda que já compreendeu o terceiro setor como um parceiro importante do Estado. As velhas políticas de esquerda não reconheciam essa realidade. A França é um ótimo exemplo de transição. Antes dos anos 80, a esquerda basicamente ignorava o terceiro setor. A Revolução Francesa era bastante hostil às instituições sem fins lucrativos. Pensava-se na igreja como único exemplo de organização social e as grandes instituições privadas não possuíam qualquer tipo de controle democrático, sendo inclusive consideradas ilegais pelos governos. Elas só se tornaram legais em 1901. Existe uma longa história de antagonismo. O que aconteceu na França em 1980 foi, na verdade, uma transformação de certas partes da esquerda que culminou no governo Miterrand, em 1982. As políticas comuns passaram a ser bastante apoiadoras do terceiro setor. Acredito, portanto, que não é suficiente dizer que existe uma oposição simplista entre esquerda e direita. É importante entender de que esquerda estamos falando. É a esquerda que tomará a posição de que tudo deve ser feito pelo Estado ou aquela que vai em busca de parcerias e se aceita alianças com o terceiro setor e atores em potencial no empresariado?
IS—Muitos especialistas acham que avaliar economicamente projetos sociais é uma prática extremamente importante. Qual sua opinião a respeito da importância da mensuração de resultados e impactos das atividades de terceiro setor?
 
 
LS — É fundamental. Sem exagero, penso mesmo que seja a chave para o progresso do terceiro setor. Existem diversos níveis de avaliação. O nível básico a ser atingido é o da transparência e honestidade nas atividades e na gestão dos recursos. Mas existe um nível mais amplo, e difícil de ser atingido, que é o da efetividade de suas ações. O terceiro setor reclama, muitas vezes, que as suas organizações, graças á natureza de suas missões, têm dificuldade de avaliar resultados. Acredito que elas vão crescer quando reconhecerem que não basta apenas fazer o bem. É necessário dispor de ferramentas para demonstrar resultados e impactos. É preciso ter a capacidade de mostrar o que se está fazendo para a sociedade. Este deve ser um ponto central em qualquer modelo de gerência de organizações. Chamo isso de “show me attitude” (“Mostre-me a atitude”). Obviamente, existem grandes riscos ao executar esse lema, porque as coisas que são mais fáceis de serem medidas nem sempre são as mais importantes de serem feitas. Às vezes aparecem problemas, desafios, mas não há dúvidas de que o terceiro setor mostrar a sua performance de uma maneira periódica e transparente.
IS — As ferramentas para avaliar resultados evoluíram? São suficientes?
 
 
LS — Não evoluíram muito. Acredito que ainda seja um desafio grande e problemático. Os gestores têm múltiplas maneiras de medir resultados e as organizações de terceiro setor acabam gastando boa parte do tempo que poderiam dedicar às suas missões na elaboração de relatórios. O outro ponto a ser levantado é que não é desejo dos fundadores financiarem o desenvolvimento dos indicadores. Informação tem um custo, não é de graça. Isso deve ser reconhecido como um fato importante nesse contexto.
IS — Regra geral, os gestores de organizações de terceiro setor estão preparados para enfrentar os grandes desafios de legitimação, cooperação, efetividade e sustentabilidade?
 
LS — No treinamento, como em qualquer organização, deve-se começar compreendendo quem são os stakeholders e como eles se relacionam. Nas aulas que ministro, enfatizo que não estou dando um treinamento de gerência. Digo que é um “treinamento capacitador”. O treinamento de gerência é focado em torno do controle e essa é a parte complicada do conceito. Mas não é o ponto central para o terceiro setor. O essencial é dar uma característica de capacidade e habilidade. Possibilitar que as pessoas vejam claramente seu papel. O que o treinamento capacitador pretende é ensinar as pessoas como liderar a organização, como capacitar suas equipes e, principalmente, como cuidar de uma comunidade. Existem habilidades que podem ser aprendidas. E que são úteis para uma gestão mais adequada, como por exemplo, a de captação de recursos. A capacitação de gestores representa sim um problema. Ele existe, é importante e deve ser reconhecido e enfrentado cotidianamente pelos líderes do terceiro setor.
IS — Como o sr. analisa o panorama da legislação do terceiro setor ao redor do mundo? Existem avanços? Quais são as principais dificuldades?
 
 
LS — A estrutura legal é importante. Os últimos cinco anos mostraram um grande movimento de progresso nas estruturas legais do terceiro setor em todo o mundo. Sei que em muitos países, incluindo o Brasil, houve sim uma evolução incentivada por governos e organizações. Mas o terceiro setor ainda tem regras bastante restritivas. O principal movimento é a busca por uma legislação específica e não geral. Em outras partes do mundo, como na Rússia, por exemplo, há restrições muito mais sérias na legislação. Uma situação, hoje sob análise em todo mundo, é a existência de uma variedade de imposições legais tentando lidar com potenciais falhas na aplicação da legislação. Acredito que algumas dessas leis, além de excessivamente restritivas, exageram no controle e engessam o setor mais do que ajudam. O terceiro setor possui iniciativas e ferramentas auto-regulatórias que são benéficas para o seu funcionamento adequado e que deveriam ser incentivadas.
IS – O sr. é apontado como o criador do termo terceiro setor. Isso é verdade?
 
 
LS –– Não, o termo não é de minha autoria. Posso até receber o crédito por alguns termos, como por exemplo, “partidos de Terceiro Setor”, que é diferente do conceito “terceiro setor”. A minha idéia é que cada vez mais o setor público, ao redor do mundo, está virando uma variedade de “partidos de Terceiro Setor”, com funções especiais. As organizações sem fins lucrativos representam um desses partidos. Mas considero o fenômeno como algo muito mais geral e isso foi, repito, no começo um fenômeno que provocou meu interesse pelo Terceiro Setor em meu país, nos anos 60. Sua rápida expansão em várias formas de apoio ao Terceiro Setor. Essa era a característica principal do desenvolvimento do setor público nos EUA. Um enorme crescimento de apoio governamental ao Terceiro Setor, e um crescimento do setor. Aquele fenômeno todo foi deixado de lado pela maioria das pessoas que escreviam os discutiam políticas públicas.
IS – Nesse momento, o sr. está estudando o investimento social privado na América latina. E o Brasil é um dos objetos do seu estudo. De que trata essa pesquisa?
 
 
LS –– Fui convidado pela Fundação Interamericana para escrever um relatório interpretativo sobre o fenômeno de engajamento corporativo social na América Latina. A idéia é estudar as formas que esse movimento que está tomando e como ele deve ser interpretado em uma perspectiva mais ampla de desenvolvimento do terceiro setor e da sociedade civil da região. O foco da análise está centrado em México, Colômbia, Brasil, Argentina e Chile. Recrutei alguns colegas meus para me auxiliarem com as pesquisas em cada um desses países e, ao mesmo tempo, estou fazendo pessoalmente meu trabalho de campo.
IS– O que já foi possível observar?
 
 
LS — Existe um volume enorme de inovação social acontecendo no Brasil e na América Latina. Os países que citei estão sintonizados com esse processo cujo objetivo é criar formas inventivas para mobilizar energia e recursos no combate de problemas sociais. Após muitas tensões sociais, há sinais positivos evidentes de real inovação. Acredito que seja o produto de tudo que estava sendo feito antes do estabelecimento do terceiro setor, durante o reconhecimento de sua presença e papel. Mas acredito que vá além disso. Governso e empresas começam a ter papel decisivo. O progresso não é tão rápido como eu gostaria que fosse, mas observo elementos bastante interessantes surgindo. Acredito que este seja um tempo de esperança.

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