Especial – A cartada do consumidor no jogo da responsabilidade social empresarial (parte 1)

Especial – A cartada do consumidor no jogo da responsabilidade social empresarial (parte 1)

Estudos mais recentes confirmam que consumidor brasileiro valoriza cada dia mais os compromissos sociais e ambientais das empresas na hora de se decidir pela compra de um produto. Próximo estágio é sair da intenção para a atitude.
Pesquisa realizada no final de 2006 pela TNS/InterScience para a revista Consumidor Moderno revelou que 51% dos consumidores de empresas de comércio e serviços consideram a responsabilidade sócioambiental um fato relevante na sua decisão de compra. Em relação ao mesmo estudo de 2005, houve um avanço de sete pontos percentuais, o que, por si, confirma tendência de maior valorização da importância do tema na percepção do consumidor brasileiro.
Atributos como qualidade (61%), atendimento (58%) e preço (46%) continuam sendo vistos como fundamentais no momento de comprar um produto ou serviço. Mas já não são os únicos. As preocupações sociais e ambientais da empresa assim como a propaganda séria e comprometida (45%) surgem como um diferencial, digamos ético, reacendendo o debate sobre o papel que o consumidor mais consciente pode ter no estímulo às práticas de responsabilidade social empresarial (RSE).
Estudos como este Empresas que Respeitam o Consumidor, feito com uma amostragem de mil pessoas em quatro capitais brasileiras, captam, na verdade, a fotografia de um momento em que o consumidor parece mais bem informado e mais disposto a considerar os compromissos sociais e ambientais de uma empresa. Mas entre a intenção e a atitude de preferir uma companhia socialmente responsável vai uma distância muito grande.
Apesar de incipiente, no entanto, o fenômeno já apresenta pelo menos uma característica particular: a RSE é mais valorizada entre os consumidores de maior poder aquisitivo, maior escolaridade e, portanto, com maior informação e capacidade de crítica. Nem todos percebem o seu valor. Segundo a pesquisaTNS/InterScience, 72% das pessoas de classe A a consideram um item “muito importante”. “Nível de educação pesa sim porque isso está na raiz da forma como se enxerga o mundo e se toma decisões”, afirma Paulo Itacarambi, diretor executivo do Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social. Segundo ele, as lideranças de qualquer classe social do país costumam ter um comportamento diferenciado em relação à valorização da RSE. Mas o conjunto dos consumidores– ressalta– ainda não tem o mesmo nível de exigência, por exemplo, dos europeus. “Aqui, apenas 17% escolhem uma empresa de acordo com o seu comportamento socialmente responsável. Entre os líderes, o percentual é um pouco maior”, explica.
Em processo de aprendizagem, consumidores não querem mias a cultura da não sustenabilidade

Para Itacarambi, estudos mais recentes indicam uma tendência de mudança do comportamento do consumidor, cujo ritmo, menos rápido do que o desejável, obedece ao que ele classifica como “um natural processo de aprendizagem” que se opera entre os indivíduos na condição de consumidores, empregados e cidadãos. “A cultura da não sustentabilidade afeta a vida de todo mundo e do Planeta. As mudanças climáticas, a perda da biodiversidade e a extinção dos recursos naturais estão aí para provar. As pessoas já perceberam que tudo isso ocorre por causa dos impactos da atividade econômica. E começam a querer uma mudança ética no modo de as empresas conduzirem os seus negócios”, admite.
Na opinião do diretor executivo do Ethos, as empresas, por sua vez, já identificaram esse anseio da sociedade e, por essa razão, passaram a utilizar os valores sociais e ambientais em sua propaganda de marca. “Se elas estão inserindo na propaganda é porque isso faz diferença para o futuro de seus mercados”, aponta.
Diante desse novo quadro, sobram novas perguntas em busca de novas respostas: Que peso tem o nível de educação do consumidor na valorização da RSE como critério para escolher uma empresa? Qual é o papel do consumidor para a expansão do conceito de responsabilidade social empresarial? As empresas investem mais em RSE para atender espontaneamente á demanda de um consumidor exigente ou é o consumidor exigente que pressiona as empresas a investirem mais? Como as empresas fazem para que seus consumidores percebam e valorizem a responsabilidade social empresarial?
Para responder a essas questões centrais, a revista IdéiaSocial ouviu seis executivos de grandes empresas, com larga e reconhecida atuação no campo da responsabilidade sócioambiental. O resultado, um conjunto de opiniões de quem está com a “mão na massa”, você confere a seguir.

Que peso tem o nível de educação do consumidor na valorização da RSE como critério para escolher uma empresa?

Dos seis entrevistados, quatro consideram que o nível de educação interfere sim no grau de consciência do consumidor e no valor que ele atribui às preocupações sociais e ambientais como elemento de influência sobre sua decisão de compra. “Muita gente acha que destruímos a Amazônia para produzir papel. Desconhecem as nossas práticas de responsabilidade social. Por causa de uma educação deficiente, as pessoas não se informam adequadamente. E não sabem distinguir, por exemplo, quem tem uma prática correta de quem não tem”, avalia Gustavo Couto, gerente de marketing da Suzano.
Esta é também a opinião de Flávia Moraes, gerente-geral de Responsabilidade Social da Philips para a América Latina. “Quanto mais alto é o nível de escolaridade, mais informação a pessoa tem. Quanto mais desenvolvida é uma sociedade, mais os seus cidadãos cobram das empresas comportamentos de sustentabilidade e sabem avaliar riscos e desvantagens de um produto não sustentável”, atesta a executiva de uma empresa cujo investimento social se concentra em projetos educacionais. “Em um população iletrada como a brasileira, com analfabetismo funcional muito alto, ainda que se coloque a informação socialmente responsável na embalagem de um produto, será difícil a sua assimilação e compreensão”, completa.
Para Sérgio Mindlin, diretor-presidente da Fundação Telefônica, a defasagem educacional é um fator relevante. “Avaliar as práticas de uma empresa requer capacidade e hábito de lidar com informações. Entre os consumidores de baixa escolaridade, normalmente os de baixa renda, a RSE não tem sido um critério de escolha”, explica. Segundo Marcia Tedesco, gerente de Responsabilidade Social do Aché, a noção de consumo consciente se constrói a partir de um processo evolutivo iniciado nos bancos da escola. Educação é, portanto, condição imprescindível. “Observo que o nível de consciência dos adolescentes, que já aprenderam na escola o respeito ao meio ambiente e à diversidade, é maior do que o de muitos jovens de 25 anos”, ressalta.
Já Murillo Pellizzon, gerente de produtos da Votorantin Celulose e Papel, não vê a baixa qualidade da educação brasileira como um entrave específico. Em sua opinião, a desinformação sobre RSE é um fenômeno mundial, porque não faz parte da rotina das pessoas, por exemplo, pensar no modo –responsável ou não — com que os produtos são fabricados. Pelo menos, não hoje. “Muitas vezes, paga-se barato por um produto. Mas ninguém se pergunta se, ao produzí-lo, a empresa está respeitando os funcionários, o meio ambiente, as comunidades e a sociedade”, alerta.
Qual é o papel do consumidor para a expansão do conceito de responsabilidade social empresarial?

Para Silvia Zanotti, diretora da Fundação Nestlé-Brasil, o consumidor tem papel central na medida em que “é o juiz que decide se a prática da empresa merece ou não existir”. Ele constitui –segundo a executiva — o elo que fecha o ciclo virtuoso. “Para a RSE se efetivar em um movimento crescente, o consumidor precisa distinguir a boa empresa da ruim no momento de fazer a sua escolha”, afirma. Couto, da Suzano, pensa de modo semelhante. Em sua análise, a crescente cobertura do tema pelos meios de comunicação –e o necessário grau de isenção que eles possuem para identificar e divulgar quem, de fato pratica a RSE — ajudarão o consumidor a fazer escolhas mais conscientes. Mas a RSE tem um custo –lembra — que não pode, como vem acontecendo, ser repassado para quem compra os produtos e serviços. “A prática da sustentabilidade deve estar alinhada a uma boa gestão de custos, porque o consumidor não vai pagar mais caro por ela. O segredo é balancear essa equação”, acredita o gerente de marketing.
O custo do produto social e ambientalmente responsável é, na visão de Marcia, do Aché, um fator que concorre para tornar “o consumo consciente quase uma utopia em um país com tantas desigualdades sociais.” “Ás vezes, as pessoas até têm consciência. Mas não podem pagar o preço mais elevado, por exemplo, de móveis feitos com madeiras certificadas. Na medida em que esse quadro evoluir, o consumidor poderá comprar a partir dos critérios preço e valor socioambiental”, aposta.
Para valorizar, no entanto, os consumidores precisam estar bem informados. Os entrevistados de IdéiaSocial concordam que, embora não gere resultados de curto prazo, a educação pela informação é, de longe, o melhor caminho e também o principal desafio. Quanto maior o repertório do consumidor, mais ele se sentirá à vontade para fazer julgamentos. Esta é a opinião de Pellizzon, da VCP. Ele cita, como exemplo, o desconhecimento sobre a fabricação do papel. “Procuramos mostrar que, além de ecológico, o papel é eficiente. Quando vai para o aterro sanitário, ele se decompõe e não prejudica o meio ambiente. É um dos poucos produtos fabricados eficiente do início ao fim do processo. E quase ninguém sabe disso”, conta.
Segundo Mindlin, da Fundação Telefônica, a informação “funciona” melhor quando o consumidor enxerga nela, mais do que a intenção de melhorar a imagem da empresa, um benefício concreto para si, sua comunidade e toda a sociedade. Para exemplificar, o executivo lembra uma campanha realizada recentemente pela empresa baseada em histórias cujas mensagens destacavam o combate ao trabalho infantil e a educação como instrumento para uma vida melhor. “Uma pesquisa mostrou que as pessoas gostaram muito de saber que a Telefônica estava comprometida com uma causa. E valorizaram especialmente o fato de ela não falar de si mesma, mas divulgar uma proposta útil para toda a sociedade”, diz Mindlin, para quem posturas como essa, indicam a receptividade do consumidor para o tema mas também o seu olhar crítico em relação ao conteúdo das mensagens. O discurso da auto-promoção –acredita — não vai funcionar para o consumidor mais consciente.
Na avaliação de Flávia, da Philips, o consumidor, como cidadão e indivíduo, possui a força de boicotar ou privilegiar uma empresa conforme a intensidade de seus compromissos e práticas de sustentabilidade. “Toda vez que ele exerce o seu poder, está contribuindo para a construção de um mundo melhor”, afirma a executiva, ressaltando, mais uma vez, a relação entre esse ato, uma boa educação básica e a existência de uma sociedade integralmente democrática e participativa. “Se não tem senso crítico e capacidade de lidar com informação, o indivíduo acaba ficando à mercê de interesses que podem não ser os mais éticos”, completa.

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