Especial – A cartada do consumidor no jogo da responsabilidade social empresarial (parte 2)

Especial – A cartada do consumidor no jogo da responsabilidade social empresarial (parte 2)

As empresas investem mais em RSE para atender á demanda de um consumidor ou é o consumidor exigente que pressiona as empresas a investirem mais?

Sívia Zanotti, da Nestlé acha que, no Brasil, a iniciativa das empresas se antecipou em muito à cobrança por parte da população. Na prática, as corporações foram proativas e fazem mais do que exigem os consumidores. Mas, com a ascensão do tema sustentabilidade na pauta brasileira, cada vez mais pessoas vão querer saber o que as empresas estão fazendo, conhecer os seus projetos de responsabilidade social e até adotar a RSE como critério para comprar produtos e serviços. “O consumidor brasileiro ainda não tem o hábito de preferir produtos que beneficiam o futuro das pessoas e do Planeta. Isso ainda não é forte em nossa cultura. Mas temos nos esforçado para desenvolver os nossos projetos sociais e ambientais porque entendemos que pode ser um diferencial importante para a companhia”, avalia.
Para Flávia, da Philips, o que cresceu mesmo foi uma nova consciência sobre o papel das empresas na sociedade e sobre o fato de que elas podem ajudar a construir, mas também destruir. Durante muito tempo –ressalta a diretora — as empresas foram vistas como parte do problema. E de uns tempos para cá, passaram também a ser consideradas parte da solução, em grande medida, porque possuem recursos tecnológicos, humanos e financeiros que podem ser colocados a serviço de um planeta mais saudável e de um mundo socialmente mais justo. “Despertamos para um tempo de convergência. Não acho que as empresas sozinhas sejam a solução. Acredito na reunião das capacidades dos três setores para buscar soluções para os nossos grandes problemas”, diz a executiva da Philips que, neste ano, pretende focar os seus esforços na eficiência energética, por causa do aquecimento global e porque é uma empresa que tem tecnologia para reduzir consumo de energia. “Vamos envolver o consumidor para que ele também faça a sua parte no esforço de redução de consumo de energia”, adianta.
Mindlin, da Fundação Telefônica, acredita que o investimento em RSE cresceu por causa do aumento da consciência das empresas e também em virtude da percepção de que os consumidores estão se tornando mais exigentes, mais informados e mais conscientes. “As empresas perceberam que as práticas de gestão socialmente responsáveis tendem a lhe garantir maior sustentabilidade no médio e no longo prazos. O consumidores, por sua vez, entenderam que isso faz bem para todo mundo”, afirma. Couto, da Suzano, concorda com a tese. Para ele, a ampliação da RSE no país decorre de dois fatores relacionados. “Um é a tendência mundial de aumento do nível de consciência do consumidor. O outro é a constatação de que nenhum negócio pode prosperar sem promover a inclusão social”, explica. Pellizzon, da VCP identifica até um benefício colateral. “Sob a inspiração das empresas, os consumidores começam a tomar consciência de que também precisam fazer a sua parte”, diz.
Na opinião de Marcia, da Aché, ao assumirem publicamente a co-responsabilidade pelo desenvolvimento social, as empresas precisam se submeter a uma reflexão, em primeiro lugar, “a respeito da oportunidade que estão criando para que a sustentabilidade se transforme em realidade”. “Devem refletir sobre o nível de consciência de seus colaboradores para que entendam o seu papel no processo de sustentabilidade. Devem rever seus modelos de produção, verificando o quanto são respeitosos ao meio ambiente, à saúde e á qualidade de vida da humanidade. Devem rever os processos de consumo, porque se consome muito mais do que se necessita e esse comportamento está levando á escassez de recursos”, completa com uma idéia que confronta a própria essência dos sistema capitalista.
Como as empresas fazem para que seus consumidores percebam e valorizem a responsabilidade social empresarial?

Para os executivos ouvidos por IdéiaSocial, a resposta para essa pergunta está na combinação de comunicação adequada com iniciativas concretas. A opinião unânime é de que um bom discurso de marketing pode até ser persuasivo. Mas se não vem acompanhado de ações concretas e visíveis, simplesmente não produz resultado: os consumidores só percebem e valorizam a responsabilidade social empresarial quando tomam contato com benefícios claros gerados pela empresa que, de alguma forma, podem fazer diferença para a sociedade.
Márcia dá o exemplo da Aché. “Fomos a primeira indústria farmacêutica a colocar braille nas embalagens de medicamentos para atender ás necessidades das pessoas com deficiência visual. E também a primeira a oferecer, na sua central de atendimento ao consumidor, um telefone para atender pessoas surdas. No ano passado, criamos a bula em áudio, para pessoas analfabetas, idosas ou com baixa acuidade visual. Isso é mais do que inclusão. É respeito ao ser humano. Pelos retornos que recebemos, não tenho nenhuma dúvida de que os nossos clientes percebem e valorizam essa preocupação”, afirma.
Segundo Couto, da Suzano, sua empresa não pratica responsabilidade social empresarial apenas para “parecer correta” aos olhos dos clientes. Ela o faz porque os temas sociais e ambientais representam uma premissa do seu negócio. “Não dá para fazer papel, ocupando áreas extensas, como ocupamos, sem incentivar a inclusão social e o desenvolvimento das comunidades. Simplesmente não dá”, conta. O consumidor –acredita –identifica e confere valor á atitude da companhia. E com o tempo tem se mostrado até mais exigente em relação aos compromissos estabelecidos pela Suzano. “Antes, as pessoas compravam o nosso papel reciclado porque sabiam que parte dos lucros obtidos com o produto apoiava a estruturação de cooperativas de catadores de papel. Hoje, elas se mostram preocupadas com as condições de trabalho dos catadores, com a estrutura para a atividade e com o impacto que sua ação pode gerar para as ruas da cidade”, comemora.
Comunicar bem o valor ambiental também está nos planos da Suzano. A parir deste ano, o papéis fabricados pela empresa passam a ter o certificado da FSC (Forest Stewardship Council), que credita o manejo sustentável das florestas. Couto garante que o selo será estampado nas embalagens, como forma de sensibilizar o consumidor mais consciente para a qualidade de suas práticas sócioambientais. “Uma parcela cada dia maior dos consumidores começa a prestar atenção a este tipo de valor. É algo que vai evoluir no Brasil”, aposta.
A VCP segue a mesma linha de raciocínio. De acordo com Pellizzon, a empresa está posicionando os seus papéis como ecoeficientes. Neste momento, prepara o lançamento de uma embalagem nova, ambientalmente responsável, para o seu principal produto de varejo. O objetivo é fazer com que o consumidor perceba que os recursos utilizados na fabricação do produto obedecem a uma preocupação de sustentabilidade. E que atribua valor á uma noção de ecoeficiência que se sustenta –segundo o gerente — no equilíbrio dos cinco elementos da natureza: a água, o ar, a terra, a energia e as pessoas. “Hoje em dia não se destrói mais floresta para fazer papel. Fomenta-se a floresta como matéria-prima, como qualquer outra cultura agrícola: planta-se eucalipto para depois colhê-lo. E todos os recursos utilizados no processo são renováveis. Queremos enfatizar isso em nossa comunicação”, ensina.
Comunicar é, na opinião dos entrevistados, a melhor forma de sensibilizar o consumidor brasileiro para o valor da RSE, tanto aquele mais consciente quanto o que ainda não parou para compreender o assunto. Comunicação não significa necessariamente propaganda. Ela pode se dar por meio de instrumentos mais sutis, como eventos, assessoria de imprensa, internet, publicação de balanços sociais, relações públicas, divulgação acadêmica, participação em eventos e comunicação dirigida a stakeholders. “Procuramos criar acontecimentos que reforcem publicamente as causas adotadas pela empresa. Um exemplo foi o concurso Causos do Eca, que mobilizou muita gente e multiplicou a informação sobre alguns valores importantes para nós. Pela primeira vez, depois de sete anos de existência, decidimos fazer uma campanha de propaganda institucional, mais abrangente”, destaca Mindlin. Para ele, essas campanhas não são feitas com maior freqüência porque são custosas e retiram recursos do investimento social. Nas pesquisas com grupos de opinião, a Telefônica já identificou que, quando os consumidores conhecem o investimento social da empresa, passam a enxergá-la como mais próxima e participativa. “Mas é claro para nós que criar uma boa imagem a partir do investimento social não é suficiente para uma avaliação totalmente positiva do consumidor se a empresa não tiver bons produtos, bons serviços e bom atendimento”, afirma Mindlin.
A Nestlé também não possui nenhuma política mais agressiva de comunicação do investimento social. Prefere recorrer ao trabalho de assessoria de imprensa para divulgar seus projetos, publicar todos os anos o balanço social e se inscrever em premiações importantes do setor. “A companhia tem uma pesquisa mundial para avaliar como o consumidor a percebe no cumprimento de suas responsabilidades, inclusive a social. Ficamos bem colocados entre os demais países. A imagem da empresa é muito boa junto ao consumidor brasileiro”, avalia Sílvia.
Por princípio, a Philips não propaganda das ações de RSE. Segundo Flávia, todos os recursos são investidos diretamente nos projetos de sustentabilidade. Para comunicar os seus compromissos sócioambientais, a empresa participa de palestras, concede entrevistas aos veículos de imprensa e integra organizações referenciais na área. A julgar por recente pesquisa de reputação empresarial, o consumidor brasileiro faz associações positivas da marca Philips com as questões da responsabilidade social. “Um estudo mostrou que os clientes estão mais preocupados com o modo como a empresa trata os funcionários do que com questões ambientais. Mas os dois temas são do universo da RSE. E isso indica uma evolução. O consumidor começa a dar o seu recado de que não vai mais respeitar corporações que não atendam critérios de sustentabilidade”, festeja Flávia. O trabalho do seu departamento é –ressalta — tornar a empresa cada vez mais responsável. “Quanto mais o consumidor for exigente, melhor. Queremos ser reconhecidos pelo nosso esforço de sustentabilidade. Isso é um diferencial competitivo”, completa.
Estudo do Akatu confirma maior sensibilidade do consumidor brasileiro para a RSE

Com base em um estudo realizado em 2005, o Instituto Akatu fez uma comparação entre as ações sociais e ambientais que os consumidores conscientes mais valorizam nas empresas e as práticas adotadas por 66 corporações com reconhecida prática de responsabilidade social, que responderam à sua escala de responsabilidade social empresarial.
Para o consumidor, a contratação de deficientes físicos é a ação de RSE mais importante de todas, seguida da existência de normas de antiassédio moral e sexual. As duas práticas são realizadas respectivamente por 47% e 57% das companhias pesquisadas. Apoiar o desenvolvimento social e cultural dos filhos dos empregados é a quinta prática mais valorizada pelos consumidores – 47% das corporações possuem projetos voltados para este tema.
Das 60 práticas analisadas na pesquisa, a partir de uma escala de zero a dez de importância, a que teve menor nota ficou com 6,9, prova de que os consumidores atribuem valor elevado ás ações de RSE. Chamou a atenção especialmente a ênfase dada ás práticas de valorização dos funcionários e colaboradores, como, por exemplo, estímulo á diversidade de raça e gênero, desenvolvimento das pessoas e regras claras de carreira e remuneração.

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