Especial – A Responsabilidade Social nos quatros cantos do mundo

Especial – A Responsabilidade Social nos quatros cantos do mundo

Investigar em que estágio de responsabilidade social empresarial (SER) estão as corporações de diferentes países, com o objetivo de estabelecer um quadro comparativo, está longe de ser uma tarefa fácil. Sua realização implica pesquisa ampla e aprofundada. Mais do que isso, requer identificar uma série de componentes que interferem na tomada de decisões das empresas, ditados pelas circunstâncias do contexto específico no qual cada uma está inserida. Entram nessa lista desde os diferentes níveis de desenvolvimento econômico, aspectos geográficos e padrões culturais, até a relação com os funcionários, pressão de consumidores e de acionistas e exigências da legislação ambiental.
A proposta dessa matéria de Idéia Socioambiental é situar o leitor, a partir de conversas com especialistas internacionais e de dados do relatório The State of Responsible Competitiveness 2007, da consultoria AccountAbility, sobre como corporações, de diferentes culturas, vêm enfrentando o desafio de inserir a sustentabilidade em seus negócios. São exemplos de empresas localizadas nos EUA e na Europa, que já avançaram no debate sobre o tema.  Nos países de economia emergente a RSE entrou na agenda dos executivos,  mas as ações efetivas não correspondem às intenções, condicionadas por problemas como miséria,  analfabetismo,  desnutrição, saneamento básico e governança débil.  Pior nas nações pobres, nas quais o conceito de responsabilidade social ainda se confunde com o de filantropia e as poucas iniciativas existentes são de multinacionais com unidades de produção locais.
É esse quadro complexo que a matéria pretende revelar. Os depoimentos e informações sobre empresas de países tão diversos quanto os da América latina, a França, a China, os Estados Unidos, o Malaui e a Índia permitem desenhar um breve quadro da sustentabilidade no mundo, reforçando a importância da RSE como diferencial de desenvolvimento em todos os sentidos.
Nos países desenvolvidos, desafio é medir resultados de estratégias sustentáveis
Os países desenvolvidos, especialmente os da Europa e América do Norte,  são também os mais avançados em responsabilidade social empresarial. A constatação está no relatório The State of Responsible Competitiveness 2007, da consultoria AccountAbility, que avalia  a adoção de práticas empresariais baseadas no principio da sustentabilidade em 108 países, conforme a situação política, econômica e social de cada um.
Em alguns países,  como os Estados Unidos e a França,  a atenção conferida à sustentabilidade tem crescido progressivamente. Mesmo na China, onde as iniciativas de responsabilidade social ainda estão se estruturando, a preocupação com o tema se intensificou de tal forma que hoje é possível comparar o gigante asiático com grandes potências capitalistas do Ocidente.
Com o conhecimento de quem atua nos três países e acompanha, de um posto privilegiado, o movimento de responsabilidade social, Aron Cramer, presidente da Business for Social Responsability (BSR) observa que a maioria das grandes corporações americanas, francesas e chinesas estão fazendo esforços “reais e conscientes” para desenvolver estratégias sustentáveis e medir os resultados dessas iniciativas. Segundo o especialista, as principais  atividades empresariais observam três tendências  bem definidas. Primeiro, a promoção de análises para determinar as questões de sustentabilidade mais relevantes para seus negócios, algo que, para Cramer, pode ser considerado  uma evolução a partir do modelo primário – e ainda aplicado na maioria das organizações –, segundo o qual se procura apenas cumprir uma lista de pré-requisitos de RSE.
Como segunda tendência, as companhias têm procurado mensurar resultados, demonstrando uma preocupação com a compensação efetiva de seus impactos na comunidade e no meio ambiente próximo. Por último, verifica-se uma importante  valorização do conceito de  transparência,  reforçada pelo cada vez mais intenso relacionamento com os stakeholders e pela crescente publicação de relatórios de sustentabilidade.  “O que mais surpreende é que, apesar das diferenças significativas entre as empresas desses  três países, elas estão se dedicando ao mesmo conjunto de questões. Isso não existia  cinco anos atrás”, ressalta Cramer.
A despeito da semelhança de objetivos, Estados Unidos, França e China têm –segundo o presidente da BSR — focos diferentes, orientados por suas peculiaridades culturais, políticas e econômicas. Nos Estados Unidos, por exemplo, os esforços se concentram na área de saúde, na França recaem sobre a inserção da sustentabilidade na cadeia produtiva e, na China, estão relacionados ao papel das empresas em economias emergentes, aos impactos ambientais e à governança corporativa. Uma preocupação comum, no entanto, é a escassez de energia e água, tema colocado inclusive acima dos debates sobre a redução da pobreza, muito comuns ainda em países como Brasil, nos quais a ênfase social mantém-se como  prioridade.
As dificuldades enfrentadas pelas empresas desses países também são distintas, embora, em comum, eles enfrentem o desafio de transformar discursos fáceis e bem estruturados em práticas efetivas de negócio. “O maior obstáculo consiste em construir estratégias de longo prazo confrontando uma lógica de mercado que valoriza o pensamento de curto prazo”, afirma Cramer.
Para as nações ricas, a prioridade são os recursos naturais
Mais preocupados com as questões de meio ambiente, os países desenvolvidos direcionam suas práticas de responsabilidade social para a economia e a reutilização dos  recursos naturais. A fabricante americana de peças automotivas Johnson Controls, por exemplo, desenvolveu um sistema de gerenciamento de água que resultou em significativa redução de custos. O dinheiro economizado foi reaplicado em ações voltadas para a eficiência energética.
Um  estudo do WBCSD (World Business Council for Sustainable Development) sobre a iniciativa ressalta que um programa simples, baseado essencialmente em desenvolvimento tecnológico, ajudou a reduzir em 22% o uso de água. Em parceria com outras empresas, a Johnson Controls  criou também a iniciativa Buildings for a Livable Future, uma forma de aumentar a consciência  dos  impactos positivos dos “prédios verdes” (construções fundamentadas em princípios de ecoeficiência) sobre meio ambiente.
Na mesma linha, a distribuidora de energia francesa EDF iniciou o programa Energy Access, com o propósito de oferecer energia menos impactante a populações de baixa renda em países emergentes, contribuindo assim para  promover o desenvolvimento econômico das regiões beneficiadas.
Na Índia, problemas sociais ainda dão o tom
Um pouco à frente dos países mais pobres, que engatinham no debate sobre sustentabilidade,  mas ainda distantes do patamar alcançado por nações da Escandinávia, cujas empresas já incorporaram a RSE à base de seus negócios e hoje evoluem para abordagens mais complexas , os países emergentes encontram-se em uma fase de transição. A situação equivale ao seu contexto socioeconômico. Enquanto ainda lidam com problemas como miséria e mudança de valores, surpreendem o mundo com números econômicos cada vez mais competitivos.
Para George Matthew, diretor do Institute of Social Sciences em Nova Delhi,  a RSE na Índia se encontra em um estágio semelhante ao do Brasil, no qual a maioria das empresas, além de compreender o seu novo papel, já adotou o conceito no negócio transformando-o em algo mais do que  uma simples ferramenta de promoção corporativa. “Cada vez mais organizações têm percebido que se trata de um investimento com múltiplos benefícios”, observa Matthew. Contudo, as empresas indianas, mesmo sensíveis ao tema, e com todos os recursos disponíveis para promovê-lo, ainda  permanecem inibidas em relação ao seu alcance, tanto geográfica quando demograficamente. Na prática, significa que o esforço de responsabilidade social na Índia tem sido ofuscado pelos graves e diversos problemas sociais do país.
Não por outra razão, aliás,  os programas de RSE indianos abordam temas como educação, saúde, meio ambiente, governança, voluntariado corporativo, microcrédito, igualdade de gêneros, padrões de trabalho, economia e reutilização de energia e recursos naturais e serviços de Tecnologia da Informação (TI). Nesse sentido, a Índia convive tanto com questões similares às de países mais pobres da África quanto com as de  países desenvolvidos. Segundo Matthew, apesar do avanço registrado em alguns setores empresariais,  ainda são comuns no País uma certa confusão do conceito com a filantropia — típica dos países mais pobres – e a resistência das corporações em relatar suas políticas de responsabilidade social, o que atesta que ainda não foram incorporadas à base do negócio.
A despeito do atual quadro na Índia, Matthew vê com otimismo o futuro da RSE nas empresas de países emergentes. Em sua opinião, o envolvimento com o tema deve ser cada vez maior. “As tendências mostram que as empresas estão inclinadas a  promover, no futuro, a criação de novos empregos, uma maior oferta de serviços básicos à população e reserva de empregos para minorias”, afirma . Ele alerta, porém, que, se quiserem evoluir no conceito,  as corporações indianas precisam se ater  a questões menos tradicionais, como biodiversidade e o impacto socioeconômico no desenvolvimento nacional e social. Outro ponto importante, de acordo com Matthew, é arrebanhar para o movimento as pequenas e médias empresas, ainda marginalizadas das discussões de RSE.
Latinos estão mais preocupados com empregados e ambiente de trabalho
O quadro é bem diferente na América Latina, que reúne tanto países com baixos níveis de desenvolvimento como nações emergentes. Estudo publicado recentemente pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e a Ikei revela que pequenas e médias empresas da região estão se comprometendo com práticas de RSE chegando a ser, surpreendentemente,  mais ativas que as do sul da Europa, incluindo Espanha, Itália e França. Segundo Alice Lariu, pesquisadora do Center for Business in Society (Iese), os latinos estão mais preocupados com os empregados e o ambiente de trabalho do que, por exemplo, com iniciativas em defesa  de meio ambiente.“As motivações dos empresários tendem a ser de caráter ético ou moral, ou, ainda, relacionadas ao desejo de motivar seus empregados”, destaca.
A pesquisadora comenta que, ao analisar a participação dessas nações no Global Compact, da ONU, a impressão que se tem  é que “há práticas responsáveis por toda a parte”. Na realidade, porém, não é bem assim. “Uma análise mais detalhada da distribuição desses números por país indica que as atividades se concentram basicamente na Argentina, no Brasil, Panamá e Peru. Juntos, correspondem a 85% do total de países da região que aderiram ao Pacto Mundial”, informa. Para Alice, muitas empresas brasileiras reconhecem, valorizam e disseminam a RSE. Mas, aqui, a implantação de práticas na gestão do negócio “encontra-se em estágios  muito distintos dependendo da região de origem”. A solução para uma expansão mais homogênea, segundo ela, seria ampliar o debate sobre a sua importância, mobilizando, não apenas empresas, mas também governos e organizações da sociedade civil.
Na avaliação da ex-colaboradora do BID, o alto interesse dos latinos pela RSE decorre da ampla divulgação do tema na mídia e em eventos cada vez mais freqüentes do mundo corporativo. No entanto, as mesmas variáveis que paralisam o crescimento econômico e afetam o desenvolvimento de setores público e privado fortes –  falta de capacidade institucional dos governos, uma governança corporativa débil e um clima de negócios não favorável – dificultam o fortalecimento da RSE na região. A situação atual é–segundo Alice — de um visível contraste. De um lado, ela observa enorme potencial e claro desejo de impulsionar o tema, projetando-o na forma de oportunidades para os negócios. Por outro, ainda há resistência em assimilá-lo como um instrumento para o aumento da competitividade.

Nos países emergentes, empresas suprem lacunas do Estado

Semelhante à Farmácia Popular, do governo federal brasileiro, uma rede privada de drogarias mexicana montou a Mi Farmacita Nacional, que vende medicamentos genéricos à população de baixa renda. Estudo de caso do WBCSD (World Business Council for Sustainable Development), a iniciativa  compreendia, até o mês de março de 2007, 57 franquias e 15 estados, com vendas que totalizaram 2,9 milhões de dólares em 2006.
Além disso, o programa também oferece consultas médicas a preços acessíveis, água filtrada e acesso ao telefone, entre outros produtos e serviços.
Outro objeto de pesquisa do Conselho Mundial foi a brasileira Natura, empresa de cosméticos que, desde sua fundação, há pouco mais de 30 anos,  baseia sua atuação na  sustentabilidade e por isso é considerada hoje uma referência nacional na inserção do conceito em práticas de negócio. Para  o WBCSD,  o trabalho da Natura com a castanha-do-pará e outros materiais in natura, envolvendo a subsistência das comunidades dos locais onde atua,  é  exemplo de prática sustentável, por combinar bons resultados econômicos com resultados sociais e ambientais.
Na África, a filantropia ainda dá o tom
Se os países pobres são, de acordo com o relatório The State of Responsible Competitiveness 2007, ainda retardatários na corrida da responsabilidade social empresarial, as nações africanas –  onde hoje se observam os piores níveis de desenvolvimento, altos índices de miséria e baixíssimos IDHs (Índices de Desenvolvimento Humano) – ocupam o fim da fila em matéria de noções e práticas de sustentabilidade corporativa. Para Daisy Kambalame, especialista em responsabilidade social e coordenadora do Global Compact, no Malaui, o ainda baixo desempenho em RSE está relacionado à fragilidade da economia nacional. “Os recursos são limitados para a implementação de programas. Além disso, falta capacidade para entender as questões-chave da responsabilidade social”, observa.
Em um recente relatório denominado Corporate Social Responsibility in Malawi, ainda em fase de aprovação, Daisy concluiu que, em sua luta pela sobrevivência, os indivíduos de seu país “não conseguem fazer as escolhas críticas e as trocas certas entre recurso sustentável e o uso imediato daquilo que precisam em curto prazo.”  “Isso leva a uma crescente pressão sobre os recursos naturais, contribuindo para a degradação do solo, o desflorestamento e a poluição das águas”.
A situação diagnosticada por Daisy reflete a própria realidade de carências de todo o continente africano. As dificuldades no debate sobre o tema, ainda são as mais básicas, como, por exemplo confundir o conceito com filantropia ou com relações públicas (marketing corporativo). “A maioria das organizações ainda acha que ser socialmente responsável é doar cobertores, computadores, poços, dinheiro direto ou indireto ou mesmo apoiar a comunidade em projetos como a construção de mercados e quarteirões de escolas”, explica. Por outro lado, Daisy acha que existe a crença entre as empresas de que a sustentabilidade pode ser uma boa ferramenta para o desenvolvimento nacional. “Isso é positivo. E pode vir a mudar a estrutura social e econômica do Malawi com reais benefícios para a população, levando a uma economia mais sustentável”, analisa.
O relatório de Daisy aponta que as maiores dificuldades enfrentadas por países pobres, como o Malawi, consistem em “nadar contra a corrente”– por causa do foco no combate à miséria e outras questões de base – e na luta contra uma resistência na mudança dos princípios e formas de se fazer negócios. O movimento avança menos do que seria desejável, porque, segundo a especialista, ainda não se observa entusiasmo suficiente para superar as variáveis de um quadro complexo e implantar uma cultura de RSE.
Há ainda há pouca informação sobre as práticas de responsabilidade social no Malawi. De acordo com estudo da mídia local, feito durante ao longo de ano (de julho de 2006 a julho de  2007), foram publicadas apenas 50 reportagens mencionando o tema. “Todas elas tratavam de doações de bens, serviços, dinheiro ou uma combinação desses elementos.
A falta de informação resulta de uma cultura de não reportar, já que a maioria das organizações não enxerga benefícios diretos de tais iniciativas para a essência dos seus negócios”, observa. Outro indicador importante é o reduzido número de empresas que publicam relatórios de sustentabilidade. As que adotam essa prática são normalmente as maiores corporações e as que atuam no mercado externo. Das 11 empresas listadas na Bolsa de Valores do Malaui, apenas sete têm algum tipo de balanço social e isso porque a declaração da empresa sobre governança corporativa é uma exigência da Bolsa. Da mesma forma, os balanços refletem a incipiência da RSE no país. Apenas um, entre os sete relatórios de sustentabilidade  apresentados, informou o montante investido nas atividades de responsabilidade social.
Os temas que mais recebem atenção das empresas, segundo Daisy, estão ligados ao trabalho infantil e à AIDS. Mesmo assim,  não são vistos sob a ótica da responsabilidade social, mas a partir de uma lógica de assistencialista. Recentemente, o fair trade, ou comércio justo, passou a integrar a pauta de RSE das corporações, o que a especialista considera compreensível, considerando que a maioria dos países africanos ainda tem a economia baseada na agricultura. Esse setor gera no Malaui, por exemplo, com 87% dos empregos e 38% do GDP (Gross Domestic Product – Produto Doméstico Bruto) semelhante ao PIB (Produto Interno Bruto), enquanto a participação da indústria é de 14% e a do setor de bens e serviços, 22%.
Nos países pobres, as iniciativas  vêm de fora

O estudo do WBCSD (World Business Council for Sustainable Development) constatou que, na África,  as melhores experiências de RSE são iniciativas de grandes corporações, com sede internacional e atuação em todo mundo.
A indústria farmacêutica suíça Novartis, por exemplo, oferece, desde 1997, apoio físico e psicológico aos órfãos da AIDS em 13 países africanos, por meio de sua Novartis Foundation for Sustainable Development (NFSD), preenchendo vácuos de atuação governamental. A fundação disponibiliza também capacitação a ONGs, para que continuem e multipliquem o trabalho. O programa quer atender  cinco milhões de órfãos até 2010.
Por meio de parcerias, a NFSD conseguiu envolver diversas instituições, entre empresas, ONGs, governos e escolas, na capacitação, em diversas frentes, para atender à população beneficiada. “É um importante exemplo de como uma fundação corporativa pode fazer uma grande diferença”, descreve o relato da WBCSD.
Outro case estudado pelo conselho foi o da holandesa Heineken, em Serra Leoa. A companhia desenvolveu um sistema de medição de seus impactos, diretos e indiretos na economia local. Como efeitos  diretos foram classificados os empregos e os investimentos locais e, indiretos, a verba reinvestida no país e os empregos criado por terceiros. Para cada dólar gasto em Serra Leoa, o efeito econômico total é cinco vezes maior.

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