Pequenas empresas pensando grande

Pequenas empresas pensando grande

Por Cristina Tavelin

Empresas pequenas, médias, grandes – não importa o tamanho: todas sofrerão com o aquecimento global. Os impactos causados pelas mudanças climáticas não discriminam ninguém. E a transformação em escala necessária para a sobrevivência do mercado como um todo exige atuação conjunta na construção de uma economia mais verde.

“O mundo dos negócios é muito tumultuado, empresas nascem e morrem o tempo todo. Serão bem-sucedidas aquelas que entenderem as mudanças por meio da observação, adaptarem-se às novas condições e trabalharem em redes de pessoas com ideias semelhantes”, avalia Charles Kent, pesquisador sênior do World Resources Institute (WRI), organização que mantém o programa New Ventures – voltado para a aceleração de novos negócios inovadores – em seis países emergentes.

Os pequenos empreendimentos costumam sofrer mais – com uma carga tributária pesada e praticamente a mesma burocracia enfrentada pelas grandes empresas para obter certificações ambientais, sua estrutura e capacidade para atender a essas demandas pouco é levada em conta.

Na tentativa de driblar esse ambiente hostil, no entanto, os pequenos empresários acabam se tornando grandes inovadores. “Nossa característica específica no que diz respeito a empreender negócios é a criatividade. O brasileiro pega e faz, não fica esperando se o governo vai apoiar ou não. Além disso, é muito intuitivo. É preciso apenas qualificar essa criatividade”, destaca Antonio Lombardi, sócio-diretor da consultoria Sustainable Hub e um dos diretores do New Ventures no Brasil.

Saber reconhecer aqueles que investem em sustentabilidade é outra característica positiva do brasileiro na qual os pequenos empreendedores também podem apostar, sugere Antonio Leitão, gestor de Sustentabilidade do laboratório Sabin. “Somos muito solidários. Enxergamos as empresas que prezam pelo conceito com bons olhos. Quando unimos o social e o ambiental, passamos a crescer cerca de 30% ao ano, na última década, ou seja: é algo bom para o negócio. Não se ‘gasta’ com sustentabilidade, ‘investe-se’. Falta o pequeno empresário enxergar isso e saber a hora certa de agir e contar o que está fazendo por meio de um marketing responsável.”

Qual seria, então, o cenário que se delineia no mercado para micro, pequenas e médias empresas que apostam no conceito da sustentabilidade tanto para sua gestão e prática quanto para o fomento de novas soluções necessárias ao suporte da economia verde em ascensão? É o que esta reportagem especial tenta responder a seguir.

Aposta em novos conceitos

As mudanças na economia nos próximos anos, decorrentes da necessidade de novos produtos e serviços para atender demandas relacionadas às mudanças climáticas, não serão poucas. E, para dar suporte a elas, novos campos de atuação devem surgir.

Para os que tiverem visão de futuro e ousadia de incorporar novas ideias, há um vasto território a ser explorado. Além disso, as pequenas empresas terão de se adaptar invariavelmente a padrões mais sustentáveis devido à pressão de novos marcos regulatórios. Do ponto de vista do mercado externo, a atenção a critérios socioambientais também será cada vez mais uma exigência.

“Para cumprimento das legislações, que exigem processos inovadores, muitas empresas pequenas precisam surgir – e são exatamente elas que possuem capilaridade e flexibilidade para operacionalizar atividades como gestão de resíduos na logística reversa, por exemplo. Dessa forma, ao mesmo tempo em que devem se adequar, ganham muitas oportunidades de novos negócios”, destaca Suênia Sousa, diretora do Centro de Sustentabilidade do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresase (Sebrae).

A entidade tem como proposta estudar e mapear essas novas oportunidades para facilitar a inserção das micro e pequenas em setores estratégicos, além de trabalhar a indução de políticas públicas visando à adequação dos requisitos de sustentabilidade de acordo com o tamanho das organizações.

O Centro Sebrae de Sustentabilidade, que iniciou suas atividades em meados de 2011, funciona como um gestor de todo o conhecimento da rede, fornecendo informações, metodologias e suporte técnico.

Também no sentido de apoiar as novas ideias, o programa New Ventures trabalha para viabilizar o financiamento de projetos inovadores de empresas já atuantes. De acordo com Lombardi, há duas gerações de empreendedores coexistindo: uma que já nasce com o conceito da sustentabilidade enraizado no próprio negócio; e outra que está percebendo a necessidade de mudança.

“Para esses últimos, a adaptação mais difícil é conceitual. Ainda existe uma dificuldade muito grande de entender que sustentabilidade não se traduz em ‘ou’ – ou sou sustentável ou ganho dinheiro – e sim no ‘e’ – sou sustentável e ganho dinheiro e respeito o meio ambiente”, destaca.

Um caso clássico da New Ventures é o da DryWash. Criada em 1994, a organização começou a atuar no segmento de lava-rápido por perceber que se tratava de uma área em ascensão.

Porém, logo surgiram as dificuldades típicas desse nicho.

“Entendemos ali que, apesar da pouca barreira de entrada, as empresas não se preocupavam com responsabilidade socioambiental. A situação era um pouco pior do que imaginávamos”, conta Lito Rodriguez, fundador e presidente da empresa.

Para conquistar o mercado foi preciso começar com ações básicas, mas nem por isso menos importantes. “Nosso grande investimento foi nas pessoas, por meio de práticas bem simples, como treinamento para integração dos funcionários. Com o passar dos anos, o foco passou para o desenvolvimento dos colaboradores por meritocracia. Do ponto de vista ambiental, começamos a entender que a água não significava nada para lavar os carros, porque a limpeza em si acontecia pelo uso de detergente.” A partir desse insight, a DryWash posicionou-se como um lava-rápido a seco.

Segundo Rodriguez, o maior desafio foi lidar com a quebra de paradigma, uma desconfiança inicial, pois os clientes associam limpeza com água. Mas, ao mesmo tempo, o diferencial inusitado representou uma oportunidade para atrair o interesse e conceituar o sistema.

“Muitas pessoas não deram ouvido à ideia. Outras, ainda mais radicais, praticamente decretavam o seu fim. Mas, no final das contas, essas foram as que mais nos motivaram a fazer diferente, a correr atrás do nosso objetivo”, lembra.

Enquanto a lavagem normal de um carro consome 350 litros de água, a da DryWash utiliza apenas 200 ml – pouco mais de meio por cento do recurso usado na convencional. No entanto, quando o autor da ideia foi conversar com um professor da Universidade de São Paulo (USP) sobre o assunto, obteve a seguinte resposta: “É mais fácil abrir uma padaria na lua do que lavar um carro sem água.” Ainda assim, Rodriguez não desistiu. “Esse é o espírito do empreendedor brasileiro”, complementa Lombardi, da New Ventures.

Para atender a esses empreendedores, dispostos a fazer a diferença, mas que muitas vezes não sabem como, a New Ventures realiza uma chamada de plano de negócios, por meio da qual os interessados se inscrevem, apresentam um planejamento e enfrentam uma seleção. Após essa fase, as organizações escolhidas passam por um processo de mentoring e seguem para o fórum de investimento, onde são apresentadas aos investidores.

Na versão brasileira do programa, há uma etapa de aula para os empreendedores com os conselheiros do New Ventures – entre eles, Ricardo Young, fundador do Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social. O WRI – gestor do programa em âmbito mundial – em princípio contestou a ideia. Mas a equipe brasileira decidiu levá-la adiante, até que a importância do processo foi compreendida lá fora. “Muitas vezes, os estrangeiros trazem novas ideias, mas não têm noção de que estão entrando em um mercado com um modus operandi próprio”, avalia Lombardi.

Outro case de destaque da nova geração de empreendedores financiados pelo programa é o da Neutralize Carbono – tanto por sua área de atuação na nova economia quanto por seu potencial financeiro.

A organização nasceu a partir de outra empresa, a Green Domus, cujo processo de neutralização de emissões era considerado um subproduto. Com o passar do tempo, a atividade conquistou uma dinâmica própria, emancipando-se do negócio e conquistando autonomia em 2010.

A empresa utiliza basicamente o mesmo princípio do mercado de carbono, mas em vez de plantar árvores, por exemplo, aloca certificados expedidos no âmbito da Organização das Nações Unidas (ONU) para clientes que desejam realizar ações voluntárias de neutralização.

O modelo acabou tornando-se pioneiro no Brasil. “Até então as metas eram obrigatórias, impostas por acordos internacionais. Mudamos um pouco essa lógica, sugerindo às empresas que compensassem as emissões de eventos, por exemplo, de forma voluntária, destinando em definitivo esses certificados para elas”, destaca Felipe Bottini, fundador e presidente da Neutralize Carbono.

O empreendedor admite que investir nesse tipo de negócio foi praticamente “um tiro no escuro”, já que na época do surgimento da empresa esse mercado era incipiente e o tipo de serviço prestado não existia.

Segundo Bottini, apostar em novos conceitos traz desafios desconhecidos – diferente de um mercado já atendido, que requer basicamente qualidade e agilidade do empreendimento. No caso de um negócio completamente novo, não há concorrência, mas corre-se o risco de, eventualmente, tentar estimular um mercado que não se desenvolverá.

“Fizemos algumas apostas diante da leitura da crescente rigidez do ambiente regulatório. Mas a solução não é fácil de ser explicada e apreendida, depende do amadurecimento do mercado. Após compartilhar a percepção de que é importante neutralizar emissões, ainda preciso convencer esses clientes a realizar o processo com a minha empresa – gerar primeiro o mercado para depois trazer a demanda para nosso serviço”, pontua.

Davi e Golias no mesmo barco

Considerando-se que os dilemas socioambientais da atualidade não discriminam empresas por setor ou tamanho, ações conjuntas podem resultar num efeito dominó de impactos positivos. Para isso, no entanto, a consciência sobre o tema e a tomada de decisão devem partir de todos os lados. “A adesão das grandes empresas e a forma como vão integrar a sustentabilidade em sua estratégia são fatores determinantes neste momento. Como as pequenas estão no encadeamento produtivo das maiores, precisarão se adequar”, ressalta Suênia, do Sebrae.

Nesse sentido, o grupo Fleury Medicina e Saúde lançou, em março de 2010, o Programa de Excelência em Relacionamento com a Cadeia de Fornecimento (PERC), resultado de uma plataforma de atuação batizada de Diálogos com Stakeholders.

“Buscar oportunidades no relacionamento com os diversos stakeholders é um dos objetivos da estratégia de sustentabilidade do grupo para trazer benefícios mútuos. Discutimos quais as melhores alternativas e como podemos nos aproximar desses públicos para identificar oportunidades de parceria”, conta Daniel Périgo, gerente de sustentabilidade do Fleury.

A empresa divide seus fornecedores em três grupos para trabalhar de forma mais efetiva. Os chamados fornecedores estratégicos são os que recebem uma atenção maior em termos de capacitação.

“Identificamos as organizações menos preparadas e tentamos ajudá-las no entendimento mais amplo sobre os temas da sustentabilidade. Elas respondem a um questionário e, num segundo momento, fazemos uma visita in loco. Nosso programa tem caráter de verificação e capacitação, não realizamos auditoria e nem aplicamos penalidades”, destaca Afrânio Haag, diretor de Suprimentos do Fleury.

No primeiro ano do PERC, a empresa recebeu cerca de 46 ideias de melhoria de processos vindas de seus fornecedores. Dessas, 27 foram implantadas naquele mesmo ano. Já em 2011, houve 196 sugestões, 108 das quais implementadas. Foi o caso do recebimento de gelo que, em geral, vinha dentro de embalagens não retornáveis. Hoje, o laboratório dispõe de containers em locais estratégicos de suas áreas técnicas, e o próprio fornecedor repõe e controla o nível do produto.

Exemplos de sucesso, como o do gelo, são apresentados no fórum de fornecedores do grupo Fleury, durante a Semana de Saúde e Segurança. Devido à representatividade da empresa em seu setor, quando o fornecedor é reconhecido obtém um ganho para sua imagem.

“É uma forma de expor à corporação quais empresas estão engajadas, assim saímos do esquema compra e venda e criamos uma parceria. As ideias já existem de uma certa forma. Criamos uma formalidade para registrá-las, dar feedback e reconhecimento”, conclui Haag.

A proximidade com os fornecedores pode ser extremamente benéfica também para a contratante. Um exemplo de como o Fleury trabalha nesse sentido está na empreitada junto a uma pequena organização do Rio de Janeiro – uma construtora com poucos anos de vida, que não dispunha de uma estrutura ampla de qualidade.

O laboratório precisava de um parceiro estratégico na região e viu no incentivo às melhores práticas nessa pequena empresa uma oportunidade para suprir a lacuna.

“Ajudamos a criar a área de qualidade e fomentamos várias discussões sobre temas como o descarte de resíduos de obra. Cedemos o material, ajudamos na organização e eles entenderam o conceito como importante para o seu desenvolvimento”, indica Haag.

Trabalhar a sustentabilidade junto aos clientes é outra via pela qual as grandes empresas também podem contribuir com as pequenas, tornando toda a cadeia mais sustentável. Para o grupo de compradores no atacado e de construtoras, a Amanco (que agora integra Mexichem Brasil) vem realizando ações constantes no que diz respeito à sustentabilidade desses negócios. Contratou por dois anos seguidos uma consultoria externa para fazer um diagnóstico inicial nas áreas financeiras, de RH, TI, sucessão familiar, logística, armazenamento e vendas dessas empresas.

A partir desse diagnóstico, a consultoria passou a trabalhar com cada cliente de atacado por um período de seis meses, no qual foi possível reorganizar produtos em estoque – reduzindo o desperdício e a “quebra” de mercadoria -, treinar funcionários, entre outras ações.

“Observamos uma melhoria significativa nesses gaps. As empresas se apropriaram das ações instauradas pela consultoria e passaram a trabalhar em um processo montado e padronizado com todos os seus funcionários”, conta Adriano Andrade, gerente nacional de Vendas da Mexichem Brasil.

Para os clientes do varejo, a Amanco desenvolveu um treinamento voltado àqueles que desejavam ingressar no mercado de trabalho como instaladores hidráulicos ou que já atuavam na área, mas não possuíam um nível técnico tão apurado. O programa Doutores da Construção capacitou mais de 40 mil profissionais nos últimos quatro anos.

Além disso, instrutores técnicos realizaram treinamentos nas lojas. “Isso fez com que tivéssemos um melhor aproveitamento dos produtos pelos lojistas e até melhor utilização por parte dos profissionais nas obras, evitando desperdícios de material e de água”, destaca Andrade.

Para quebrar a resistência apresentada em um primeiro momento por alguns clientes, além de proporcionar o diagnóstico gratuito à rede de atacado, a empresa contribuiu com uma parcela da consultoria pós-diagnóstico. A surpresa positiva foi que, depois dos seis meses iniciais, a maior parte passou a contratar a consultoria por conta própria.

No caso dos varejistas, o mesmo processo aconteceu. “Podemos sugerir e mostrar ao cliente que ele terá benefícios usando modelos de sustentabilidade que a empresa já aplica, mas não podemos impor. Hoje, por volta de 40% dos nossos compradores têm uma receptividade positiva”, avalia Andrade.

Sustentabilidade em rede

Colaboradores sobrecarregados e denúncias de exploração de trabalho, entre outras acusações, impuseram ao setor de franquias – especialmente na área de fast food –, alguns anos atrás, uma imagem negativa perante muitos consumidores. Superado o problema, hoje essas redes com grande potencial de desenvolvimento já investem em uma gestão mais sustentável e multiplicam suas ações por toda a cadeia.

“O Brasil cumpriu uma agenda importante para as grandes empresas; agora, as pequenas e médias estão nesse caminho. Para o setor de franchising, particularmente, acredito que levaremos mais alguns anos para ter esse assunto um pouco mais tangível, talvez por volta de 2016”, prevê Cláudio Tieghi, presidente da Associação Franquia Sustentável (Afras), braço social da Associação Brasileira de Franchising (ABF).

Na Afras, o foco durante o biênio 2011-2012 está direcionado à educação para a sustentabilidade, com diversos esforços nesse sentido. Como cada franqueado se torna o representante da marca na comunidade, sua gestão reflete os valores da franquia para indivíduos no seu entorno, daí a importância de uma comunicação próxima e eficiente.

“O franqueado é como um embaixador da marca. Precisa ser orientado e preparado para assumir sua cidadania pessoal e empresarial e carregar, com orgulho, o poder de relacionamento e a influência do nome da empresa”, avalia Tieghi.

Para trabalhar o tema no setor foram desenvolvidos os Indicadores Ethos-ABF-Afras de Responsabilidade Social, uma ferramenta diagnóstica para traçar um panorama de pontos vulneráveis e virtudes de cada empresa. Dessa forma, torna-se possível reforçar ações eficientes e criar planos que reverberem na rede como um todo.

Exemplo disso é o processo desenvolvido pela rede Spoleto, uma das empresas que ajudaram a fundar o programa Franchising de Baixo Carbono. Em 2009, após uma convenção com todos os franqueados, a rede adotou a sustentabilidade como um direcionamento importante em sua gestão e criou o programa Spoleto 21 – uma referência numérica ao novo século.

Mudamos a forma de operação dentro das lojas e possibilitamos às equipes um aumento de 50% no salário. Trocamos o fogão a gás pelo modelo elétrico, zerando, dessa forma, o consumo do gás, reduzindo a necessidade de produtos de limpeza e diminuindo o uso de água em 30%”, destaca Renata Rouchou, diretora de Expansão do grupo Úmbria, detentora da marca.

Todas as lojas inauguradas em 2011 já integram o novo formato 21, e os franqueados em processo de reforma também têm adotado o modelo. Nos próximos dois a três anos, o grupo estima que todos estejam padronizados – a rede inaugura 30 lojas por ano e reforma outras 30.

Para estimular a mudança, os empreendedores visitam unidades já adaptadas e avaliam os resultados obtidos.

Muitas vezes um consultor da franquia vai até o local explicar à equipe o funcionamento do programa.

De acordo com Renata, uma dificuldade desse processo está na demonstração da efetividade técnica: mostrar aos shoppings que o forno elétrico realmente não precisa de um sistema de exaustão.

Como se trata de uma inovação, a dificuldade em explicar faz parte do desafio do projeto. Nosso departamento de obras, junto com o departamento técnico do shopping, oferece todas as informações sobre o equipamento em locais que já aprovaram o programa. Em alguns casos, nossos técnicos visitam essas instalações.”

Já no Boticário, o Programa de Gestão da Sustentabilidade para Franqueados, criado em 2005, direciona os esforços da rede à incorporação da sustentabilidade por meio de orientações e dicas sobre como aplicar ações no dia a dia. São enfocados temas como ecoeficiência e promoção da diversidade. Em 2011, lançou-se um espaço virtual – o banco de práticas em sustentabilidade – para que os lojistas pudessem compartilhar suas experiências e iniciativas de sucesso.

“A contribuição do franqueado está em suas práticas de gestão, seu relacionamento com stakeholders e influência. Trabalhamos para disponibilizar conteúdos e orientações para que eles tenham operações cada vez mais alinhadas e contribuam para a consolidação de nossa marca, gerando valor para todos os envolvidos”, explica Malu Nunes, gerente de Responsabilidade Social Corporativa e Sustentabilidade do Grupo Boticário.

Desde a quarta geração do franchising no Brasil, a chamada Net Learning Franchise, os franqueados têm tido cada vez mais influência na tomada de decisão das redes. “Nessa etapa, a franqueadora orquestra o conhecimento já estabelecido e reorienta seus franqueados”, destaca o presidente da ABF e autor do livro Uma Nova Geração no Franchising, Cláudio Tieghi. Hoje, a sexta geração surge no Brasil – nesse nível, as franquias incorporam modelos mais sofisticados de gestão e operação, além de trazer a sustentabilidade para a pauta de negócios.

Na rede Spoleto, um conselho de franqueados se reúne a cada dois meses – uma espécie de cogerência, por meio da qual todos dão suas contribuições. “O interessante do franching é exatamente essa troca de informação, de conhecimento. São muitas cabeças pensando”, destaca Renata.

Para reconhecer ideias inovadoras vindas dos franqueados, o Prêmio ABF Afras possui uma categoria específica para esses empreendedores. “A premiação gera força às ações e fomenta o compartilhamento de experiência. A capacidade de cooperação é muito grande nesse setor. O franchising representa um modelo de gestão que pressupõe a governança compartilhada”, avalia Tieghi.

Mudança de mentalidade e de prática

De acordo com dados do Sebrae, cerca de 90% das empresas instituídas no Brasil são micro e pequenas.

Para avaliar o entendimento desses empreendedores sobre questões socioambientais, a entidade realizou uma pesquisa focada no tema que traz números bastante interessantes.

Embora muitos empresários tenham afirmado não conhecer o conceito, na prática já realizam ações nesse sentido. A sondagem mostrou que a economia de energia, água e papel é adotada, respectivamente, por 80%, 78% e 68% das organizações. Além disso, 66% fazem coleta seletiva de lixo e 61% afirmam realizar tratamentos de resíduos tóxicos.

Esses dados mostram que as empresas já estão agindo, mesmo sem ter conhecimento pleno sobre sustentabilidade. “Nesse momento, nosso grande desafio é estabelecer os processos de ecoeficiência nas micro e pequenas, para garantir sua sobrevivência no mercado dentro dos novos padrões de consumo”, destaca Suênia, do Centro Sebrae de Sustentabilidade.

Visão do todo – para focar ações no core business e causar impacto positivo – representa outro grande desafio. Nesse sentido, o mapeamento de processos, como também para as empresas grandes, é o primeiro passo a ser dado.  Foi assim que o laboratório Sabin começou a buscar alternativas para solucionar o maior impacto negativo inerente à sua atividade: a destinação dos resíduos sólidos e efluentes.

De acordo com Antonio Leitão, gestor de Sustentabilidade da empresa, as organizações também precisam estar atentas aos seus impactos secundários. “Para coletar amostras, por exemplo, nossa frota roda cerca de 100 mil quilômetros, gerando emissões de CO2. Tendo consciência desse impacto, formatamos um programa ambiental para controle e consumo de combustível com diversas ações, como implementação de GPS nos veículos e inspeção de segurança”, destaca.

Para as empresas que estão começando a pensar no assunto, implantar ações mais simples pode ser um primeiro passo para seguir um caminho mais sustentável. “Sempre ouvimos que a empresa é pequena, não tem estrutura. Mas se há uma área de qualidade, será que o tema não pode começar a fazer parte dela? Ações como coleta seletiva e descarte de embalagens não demandam muito da empresa. Muitas delas estão sendo tomadas, mas não compreendidas no âmbito da sustentabilidade”, destaca Haag, do Fleury.

No Sebrae, a gestão dos resíduos está entre os nichos estratégicos de atuação do Centro de Sustentabilidade, assim como a eficiência energética. “Só podemos alçar as micro e pequenas a patamares competitivos – e somente dessa forma elas conseguem se manter no mercado – se garantirmos as adequações às novas exigências. Escolhemos esses eixos porque são a base para a utilização de recursos de forma responsável”, destaca Suênia.

Além disso, uma mudança mais ampla de atitude só traz benefícios ao desenvolvimento das organizações. “As pequenas e médias empresas precisam deixar a visão assistencialista e pontual da sustentabilidade. O gerenciamento dos processos e o monitoramento de resultados podem oferecer condições reais e seguras para assumirem novos desafios”, avalia Tieghi, da Afras.

Cenário burocrático

O céu pode ainda não ser de brigadeiro, mas o cenário atual está mais propício à ascensão das micro, pequenas e médias empresas – muito mais por um processo evolutivo do próprio mercado do que pelo fomento dos órgãos governamentais.

“A economia em si está mais favorável em comparação com dois ou três anos atrás. O principal desafio, no Brasil, é que precisamos girar com capital próprio e isso acaba limitando o potencial de crescimento”, destaca Bottini, da Neutralize Carbono.

O enfrentamento dos desafios do aquecimento global certamente garantirá a esse nicho de empresas um papel importante. Mas elas ainda se ressentem da falta de apoio e da alta tributação. De acordo com Tieghi, da Afras, a ausência de benefícios fiscais representa um entrave para o avanço da sustentabilidade, mesmo estando claro que os grandes movimentos e articulações políticas não vão dar conta das crises ambiental e econômica sozinhos.

“A questão do desenvolvimento da economia local, por exemplo, considerando a extração de matéria-prima e a geração de emprego, é tangente a esse grupo e poderia ser mais valorizada”, destaca.

Antonio Leitão, do laboratório Sabin, atribui à falta de lucidez e de incentivo dos governos a maior dificuldade para empreender de forma sustentável. “Somos muito sobretaxados, não temos nenhum estímulo para desenvolver ações de sustentabilidade. Por isso, as pequenas e médias empresas precisam de muita determinação e persistência para se tornarem sustentáveis, destinando uma parte do lucro a iniciativas nesse sentido. Porém, para resultados em grande escala, precisa-se de incentivo do governo”, avalia.

Kent, do WRI, vê a questão por um outro prisma. Para o pesquisador americano – que vem trabalhando na construção de políticas públicas nas áreas de energia e meio ambiente há cerca de 30 anos -, a imposição de barreiras desnecessárias é o maior empecilho para o avanço de novos negócios sustentáveis.

“Ajudar os governos a visualizar essas barreiras, entendê-las e removê-las é mais importante do que buscar incentivos. Alguns estão tentando incentivar, então devemos estudar e entender como funcionam esses mecanismos, comparar resultados de diferentes países e ajudar a política pública nesse sentido”, pontua.

Outra dificuldade burocrática está na obtenção de certificações e licenças ambientais para operação. Hoje, no Brasil, as normas são iguais para as empresas de todos os portes na maioria dos municípios do país.

As micro e pequenas têm uma capacidade operacional menor e não conseguem romper a burocracia de uma certificação. Esse é um gargalo enorme. Marcos legais, como a Política Nacional de Resíduos Sólidos, vão impactar fortemente alguns setores como construção civil, mecânica e produção de alimentos”, observa Suênia.

O Sebrae tem trabalhado também para criar um ambiente mais favorável nesse sentido. Para isso, atua junto a prefeituras, buscando diferenciar a micro e pequena empresa para as legislações ambientais, principalmente no que diz respeito à documentação.

Além disso, é o primeiro parceiro oficial do governo na Rio+20 e tem como meta influenciar os governos para a criação de regulações voltadas às pequenas organizações, facilitando suas práticas sustentáveis.

Outro programa que visa ampliar a sustentabilidade de diversos setores é o das Condições de Trabalho Sustentável para Melhor Desempenho da Empresa – por meio de um convênio do Serviço Social da Indústria com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (SESI-BID).

A iniciativa pretende, ao longo de quatro anos, trabalhar arranjos produtivos locais ou aglomerações empresariais em seis estados diferentes (Paraná, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Ceará, Distrito Federal e Roraima) para aumentar a competitividade das empresas por meio de práticas sustentáveis. A meta é atender 360 indústrias, diretamente beneficiadas com os planos de ação, e até 2.000 com os conhecimentos gerados a partir dessas operações, adaptações, diagnósticos e indicadores.

“Primeiro faremos o raio-x da situação atual e, a partir dele, planos de ação para cada estado e para cada setor industrial, no sentido de identificar gargalos e indicar soluções”, destaca Fernando Elias Penedo, analista de Negócios Sociais do SESI.

A operação, que teve início em janeiro de 2011, também busca correlações possíveis entre as empresas de cada estado, em quais pontos elas se relacionam e se influenciam. Para cada indústria beneficiada o plano de ação terá 18 meses de execução, com aporte de recursos e serviços do SESI e, eventualmente, das próprias indústrias.

“Nosso objetivo, muito mais do que distribuir recursos para as pequenas empresas, é estimular que elas tomem determinadas iniciativas que resultarão em maior competitividade e na construção de uma metodologia a ser replicada posteriormente por toda a nossa rede e instituições parceiras, nos 27 estados brasileiros”, explica Renato Caporali, diretor superintendente do SESI Nacional.

Iniciativas como essa são extremamente salutares, já que os especialistas avaliam que ainda há uma falta de compreensão geral sobre o tema da sustentabilidade – e não só por parte dos empreendedores. O consumo ainda se dá, sobretudo, com base no preço mais baixo, e não no valor agregado de um produto ou serviço. “Não existe a consciência de pagar mais por algo que é melhor”, avalia Lombardi, da New Ventures.

Fazer com que a sustentabilidade seja percebida como lucrativa continua sendo um dos desafios mais evidentes para os empreendedores. No caso dos franqueados do Spoleto, aqueles que adotaram o modelo 21 conseguiram uma lucratividade 7% maior, na comparação com o sistema anterior – a unidade do shopping Via Parque, no Rio de Janeiro, loja da matriz franqueadora, aumentou seu lucro de 15% para 22%. “Quando apresentamos os resultados para os fraqueados, eles quiseram implantar o novo modelo também”, conta Renata, do Spoleto.

Ao contrário do que se pensa, porém, a questão financeira nem sempre é a mais importante. “Muitas vezes, para iniciar um negócio, não é necessário dar dinheiro às empresas. Um contrato já viabiliza o projeto. O acesso ao mercado é essencial”, destaca Lombardi, do New Ventures.

Investir em pessoas: a decisão mais importante

Independente do setor e do tamanho da empresa, investir no potencial das pessoas sempre será uma premissa básica para o desenvolvimento dos negócios – e, para os pequenos, parece fazer ainda mais diferença. “Nosso maior investimento nos últimos anos foi num software de gestão. Muitos questionam: ‘O que tem a ver com o negócio?’ Tudo, porque trabalhamos com produtividade. Hoje, o grande mote da sustentabilidade está em encontrar pessoas e oferecer a elas a missão correta”, avalia Rodriguez, da DryWash.

O índice de turn over costuma ser grande nas pequenas empresas, por isso deve-se dar atenção especial aos recursos humanos, sabendo trabalhar, por exemplo, o potencial dos jovens que ingressam no mercado de trabalho.

“A pequena empresa é povoada desses novos profissionais com voracidade, interesse em mudar e inovar. O emprego deve dar conta disso”, lembra Tieghi, da Afras.

Foi o que fez o laboratório Sabin ao enfrentar o seguinte dilema: o que fazer com os resíduos decorrentes de seu processo produtivo? Não havia pesquisa do tipo no setor, nem no país nem fora dele – nenhuma metodologia científica sobre o tema, apenas a legislação cobrando o seu tratamento.

Janete Vaz e Sandra Costa, fundadoras da empresa, não tiveram muita dúvida: encontraram a solução incentivando o aperfeiçoamento de Antonio Leitão, atual gerente de Sustentabilidade da organização. “Elas olharam para mim e disseram: ‘Vá estudar’. Cursei Planejamento e Gestão Ambiental na Universidade Católica de Brasília. Aproveitei a oportunidade para concluir o mestrado com um projeto para tratamento de resíduos químicos”.

Leitão levava amostras de resíduos do próprio laboratório para estudar na universidade e desenvolveu uma metodologia diferente de oxidação – futuramente ela deve ser replicada por outras empresas com resíduos semelhantes.

“Uma grande capacidade que as líderes da empresa têm é saber identificar as pessoas certas para as funções certas. Além disso, o primeiro grande desafio da sustentabilidade é educar e sensibilizar os indivíduos – aqui tivemos um facilitador, porque essa consciência veio de cima para baixo”, conclui Leitão.

Não sem motivo, a política de gestão do Sabin tem se destacado quando o assunto é sustentabilidade nas pequenas empresas. “Sempre buscamos entender os anseios e sonhos dos colaboradores e fazer o possível para que eles possam se realizar. A empresa faz parte da história deles. Por isso, o indivíduo precisa acreditar nos projetos, na gestão, e na visão de futuro da organização desde o começo”, diz Sandra.

Valorizar as pessoas também tem sido prioridade para a Úmbria – dona da marca Spoleto. Funcionários que começaram como balconistas, por exemplo, hoje são gerentes de suas próprias lojas ou funcionários da administração da franqueadora. A cada seis meses, cada integrante do grupo é avaliado por outros dez, de diferentes níveis hierárquicos – o resultado pode significar uma promoção dentro da loja ou um convite para trabalhar na franqueadora, em alguma posição administrativa.

Segundo Renata Rouchou, diretora de Expansão do grupo, hoje no escritório de São Paulo pelo menos 30% dos profissionais vieram do chão da loja. “A partir desse incentivo, muitas pessoas começam a fazer faculdade e se realizam.” Entre os planos futuros, está a criação de uma universidade corporativa. Sustentabilidade, certamente, estará entre as disciplinas obrigatórias.

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