Especial – Por que as empresas socialmente responsáveis são as melhores para se trabalhar?

Especial – Por que as empresas socialmente responsáveis são as melhores para se trabalhar?

Quando, na metade da década de 90, os precursores do movimento de responsabilidade social empresarial queriam convencer as empresas da importância de incorporar o novo conceito aos negócios, um dos argumentos utilizados era o fator atração e retenção de talentos. Defendia-se, como vantagem concreta, que os funcionários de empresas socialmente responsáveis jamais desejariam deixá-las e os profissionais do mercado, por sua vez, aspirariam portar os seus crachás funcionais. Essa idéia, fortemente associada à competitividade, continua a representar uma aspiração da maioria das empresas e também dos seus gestores de recursos humanos a quem cabe fortalecer vínculos hoje mais frágeis do que no passado.
À falta de outros benefícios tangíveis – ou talvez porque as empresas, acostumadas à lógica do resultado imediato, resistissem à época a perceber os ganhos potenciais de imagem e de geração de valor para os acionistas – esse argumento caiu como uma luva. Ele foi aceito, sem ressalva, como uma verdade incontestável, até porque encontrava abrigo em uma dedução bastante razoável: se questões inseridas na noção de RSE como ética, transparência, respeito à diversidade, boas condições de trabalho, preocupação com a comunidade e o meio ambiente influenciam a visão que o funcionário tem da empresa, então quanto mais essas idéias estiverem associadas a práticas, mais positiva tende a ser sua percepção e, portanto, maior seu nível de satisfação.
O fato é que, ontem como hoje, não se dispõe de nenhum estudo de impacto da responsabilidade social sobre o grau de satisfação dos funcionários. Mas pesquisas como a das Melhores Empresas Para se Trabalhar, das revistas Exame e Você S/A, demonstram que existe sim uma correlação importante entre um e outro ponto, ainda que não seja possível dimensioná-la. Segundo a metodologia utilizada na pesquisa pela FIA – Fundação Instituto de Administração, da Universidade de São Paulo, a responsabilidade social e ambiental compõe, com remuneração e benefícios, carreira profissional, educação, integridade do trabalhador e saúde, um conjunto de seis indicadores relevantes para avaliar a qualidade das práticas de gestão de pessoas.
Responsabilidade Social Empresarial impacta o nível de satisfação dos funcionários

Juntos, os indicadores acima mencionados formam o que os professores Joel Dutra e André Fischer, especialistas coordenadores do estudo, classificam como IQGP – Índice de Qualidade na Gestão das Pessoas. Na média das empresas pesquisadas, o IQGP recebeu uma nota de 52,2 pontos. O item “responsabilidade social e ambiental” ficou abaixo dessa média, com 48,6 pontos, perdendo apenas para “integridade do trabalhador” (30,5). A primeira conclusão possível é, portanto, a de que ainda há muito a melhorar nessa seara: submetidas a um questionário preparado pela equipe da FIA-USP, com indicadores técnicos objetivos, as empresas avaliadas, em sua maioria, não passariam de ano na matéria RSE – Responsabilidade Social Empresarial.
Analisando, no entanto, o desempenho das companhias consideradas as melhores para se trabalhar no Brasil, percebe-se que, nelas, invariavelmente, as notas conferidas à RSE estão acima da média. Na Masa (AM), a primeira colocada, e na Serasa (SP), a terceira do ranking, são as notas mais altas entre os seis indicadores. Coincidência? Provavelmente não. Os dados do estudo não permitem responder, por exemplo, até que ponto esse fator, isoladamente, contribui para um alto Índice de Felicidade no Trabalho, o índice geral que – segundo a FIA-USP – define, no final das contas, a melhor empresa para se trabalhar. Mas um outro ponto específico da pesquisa permite estender a reflexão. Nas dez corporações mais bem classificadas, o fator “identidade com a empresa” recebe sempre a nota mais alta entre os quatro itens que compõem o Índice de Qualidade do Ambiente de Trabalho. Na prática, segundo o estudo, isso significa que os seus funcionários se vêem mais afinados com os valores e objetivos da empresa, acreditam que ela contribui para preservar o meio ambiente e melhorar a vida da comunidade, percebem que ela trata com eqüidade funcionários, clientes, fornecedores e acionistas, e se sentem participantes das decisões que o afetam e ao trabalho.
Práticas socialmente responsáveis contribuem para aumentar a identificação dos funcionários com as companhias

Não por acaso, alguns desses indicadores fazem par com os de responsabilidade social empresarial. Identificar-se com os valores de uma empresa – de acordo com a pesquisa – influencia mais a satisfação de um funcionário do que um bom salário. O sentimento de pertencer a uma companhia em cuja cultura o funcionário encontra afinidade com os seus valores pessoais retém mais talentos do que um chefe do tipo “boa gente”. “O que dá para perceber é que as empresas socialmente responsáveis acabam conseguindo que os empregados se identifiquem mais com elas. Eles sentem mais orgulho de trabalhar na empresa, percebem que a empresa tem um valor para a sociedade e isso acaba revertendo em valor para eles também”, afirma Elza Veloso, consultora técnica da pesquisa.
Segundo a professora da FIA-USP, não tanto pelos dados da pesquisa, mas por uma percepção pessoal, ela acredita que as empresas socialmente responsáveis são, de fato, mais atrativas para os funcionários e também para os que estão no mercado. “As pessoas querem trabalhar em organizações que respeitam as comunidades, que são solidárias e oferecem um bom ambiente. Essas companhias servem como uma espécie de espelho para o mercado. As empresas, por sua vez, também acabam buscando pessoas que acreditam nisso”, diz Elza, para quem a preocupação com a RSE gera, portanto, impacto também nos processos de recrutamento e seleção.
Ambiente humanizado atrai quem busca um lugar ético para trabalhar

Carmella Carvalho, gestora da área de responsabilidade social da 3M, compartilha da mesma opinião. Para ela, as empresas socialmente responsáveis são as mais desejadas pelos jovens profissionais porque acabam vistas como as mais éticas e as que propiciam um melhor desenvolvimento global. “Eles procuram um lugar ético para trabalhar. Querem estar em organizações sensíveis e preocupadas com as questões que afetam a humanidade. Esperam atuar em empresas que ofereçam uma gestão participativa e aberta, com boas parcerias com os stakeholders“, afirma Carmella, que acumula a presidência do Instituto 3M, organização criada para gerenciar as ações sociais da empresa, sempre planejadas em conjunto com os funcionários, e que tem como missão identificar, apoiar e propagar tecnologias sociais.
Com sede em Sumaré, região de Campinas, e 3200 funcionários espalhados pelo País, a 3M está entre as 57 melhores empresas de grande porte para se trabalhar no Brasil. De acordo com a pesquisa Exame-Você S/A, 93% dos seus funcionários acham que há tratamento equilibrado para todos os stakeholders. Cerca de 92% entendem que a empresa se preocupa com a qualidade de vida. “Responsabilidade Social para nós não é só trabalho com comunidade. É também respeito ao trabalhador. Um dos fatores que motivam o nosso funcionário é o seu envolvimento nos programas destinados ao desenvolvimento social das comunidades”, afirma Carmella.
Como faço para trabalhar aqui?

Na opinião de Paulo Ivan Campos, gerente de Relações Externas da Albras, o que define a atratividade das empresas preocupadas com a RSE é a qualidade do ambiente que elas conseguem criar. E qualidade significa, na prática, mais do que espaços bem equipados e agradáveis. Implica a existência de um “lugar humanizado, com gente satisfeita, feliz e orgulhosa de pertencer à corporação”. “Apenas as empresas humanas retém os seus talentos e atraem os que estão no mercado. E esse é o melhor investimento que uma organização pode fazer. Recebemos aqui de 40 a 50 visitas diariamente. E todos fazem a mesma pergunta: “Como faço para trabalhar aqui?” Nossos funcionários não querem sair”, conta Campos, ele mesmo um personagem de cenas de fidelidade explícita. Há dois anos recebeu um convite para ser gerente de comunicação de uma grande empresa, onde ganharia salário quase duas vezes maior. Recusou a proposta. Pesou em sua decisão o forte vínculo pessoal e a identificação irrestrita com a companhia. “Emprego não é só salário, é felicidade! Aqui todos recebem salários de mercado. E ainda por cima contam com um ambiente de trabalho único”, diz o gerente da Albras, empresa de Barcarena (PA), considerada a décima melhor para se trabalhar no Brasil. Segundo a pesquisa Exame/Você S/A, 90,1% dos 1367 funcionários se identificam muito com a empresa, 82,3% se dizem satisfeitos e motivados e 91% garantem que a indicariam para parentes e amigos.
Políticas de RSE resgataram o interesse por questões coletivas

Ambiente de trabalho humano, com gestão ética, respeito às diferenças, espírito de cidadania e estímulo à aprendizagem contínua. É esse conjunto de atributos de responsabilidade social que, na opinião de Wagner Celeste, da CPFL, atrai os novos profissionais. O gerente de Recursos Humanos tem um ponto de vista muito particular sobre o impacto da RSE na vida das empresas e, principalmente, na dos funcionários. Em sua análise, a implantação de políticas de responsabilidade social resgatou o interesse das pessoas pelas questões coletivas, perdido em decorrência da ascensão do individualismo cultuado pela doutrina capitalista. “As pessoas hoje se dão conta da importância da cooperação, do partilhamento e do companheirismo nas ações cotidianas de uma empresa. E também o quanto esses sentimentos andavam fazendo falta. Nesse sentido, entendo que os colaboradores estão, sim, muito mais felizes com essas práticas”, afirma Celeste.
Um dos indicadores mais efetivos do alto nível de satisfação dos funcionários – aponta o executivo – é o engajamento em campanhas sociais criadas, ou conduzidas, pelos grupos de voluntários existentes na empresa. Distribuidora de energia elétrica, com 4344 funcionários e sede em Campinas (SP), a CPFL figura entre as 57 melhores empresas de grande porte para se trabalhar no Brasil. O estudo da FIA-USP indica que 89% dos funcionários acham que o trabalho na empresa torna suas vidas melhores.
Interesse por empresas socialmente responsáveis reflete movimento de evolução da sociedade

Na Accor, a RSE exerce inegável impacto no nível de satisfação dos seus 30 mil funcionários. Segundo Jean-François Hue, gerente de Comunicação Corporativa e Desenvolvimento Sustentável do grupo, a maioria dos colaboradores vem de camadas de baixa renda. E, por essa razão – acredita – reconhecem mais os esforços da empresa na educação profissional e também valorizam mais as ações de responsabilidade social e de desenvolvimento sustentável. “Muitas dessas ações foram idealizadas e iniciadas pelos próprios colaboradores. Cabe ao nosso Instituto Accor apoiar, promover, multiplicar e coordenar essas ações”, admite.
Na opinião de Hue, as práticas de RSE se encaixam à perfeição nas crenças de um profissional que tem o perfil forjado nos valores do novo século. “A sociedade tem evoluído muito. E o colaborador também. Não podemos esquecer que o funcionário exerce vários papéis simultâneos: ele é consumidor, formador de opinião e cidadão preocupado com o desenvolvimento sustentável da nação e do mundo que legará aos seus herdeiros. Como representante desta nova sociedade, ele preferirá cada vez mais participar da trajetória de empresas que atuam de maneira responsável”, conclui.
Filosofia da Serasa é símbolo de um tempo de rima entre sensibilidade e competitividade

O que talvez mais atraia os profissionais para as empresas socialmente responsáveis é o fato de que suas práticas sociais e ambientais, suas crenças de respeito ao indivíduo e a sua gestão baseada em princípios de diversidade e participação resgatam os aspectos humanos que se perderam com o crescimento das companhias. Evocam a imagem de um tempo anterior ao das sociedades anônimas em que as organizações respiravam, agiam e pensavam como gente. E eram a cara e o temperamento de seus proprietários.
Nove entre dez especialistas concordam que o mundo corporativo mudou com a ascensão do conceito de RSE. Modelos de gestão que, até a década de 80, soariam ingênuos, experimentais ou até mesmo alternativos hoje são aclamados em seminários de management, inspiram líderes e se transformaram em casede sucesso. É o caso da Serasa, empresa de informações de crédito para negócios, que tem 2160 funcionários e é a terceira melhor empresa para se trabalhar no Brasil, segundo a pesquisa Exame-Você S/A.
Creia-se ou não no poder de sua filosofia, ela é um exemplo de coerência. E um símbolo desses tempos em que sensibilidade rima com competitividade. “As pessoas que trabalham na empresa não são funcionários, pelo simples fato de que não vêm à empresa para cumprir uma função. Para nós, cada um é um Ser Serasa, conceito que está contido na idéia de um modelo de gestão em que empresa e pessoas se confundem e são uma coisa só. Para nós, cada um é a empresa inteira e esta é o resultado da somatória de todo mundo”, prega Elcio Aníbal de Lucca, presidente da Serasa.
Para justificar a sua tese de que o colaborador “é a própria empresa”, Elcio tem um argumento forte: “Na empresa cada Ser Serasa é um cidadão com responsabilidades. O resultado do seu trabalho é um serviço prestado para a sociedade. E ele sabe que precisa trazer resultados para o acionista, que deve ser responsável em sua ação para não prejudicar o meio ambiente, que precisa tratar adequadamente os fornecedores. Então constitui um pedaço da empresa, a empresa integra a realidade de sua vida”, explica o presidente de uma corporação que optou por não ter instituto ou fundação, incorporando o investimento social em comunidades às práticas cotidianas da empresa e dos colaboradores.
Parte da felicidade que os funcionários admitem ter por trabalhar na Serasa – a pesquisa indica que 95,8% se sentem totalmente identificados com a organização – pode ser atribuída, segundo Lucca, à percepção de que se sentem importantes “na construção de um processo coletivo”. Ninguém concorre com ninguém. Se o sucesso do outro é o sucesso da empresa, então ele passa – na visão do presidente – a ser também de cada pessoa que trabalha nela.
Uma das crenças da Serasa é que, para entregar um serviço de qualidade, as pessoas que trabalham na empresa precisam ter, no mínimo, o mesmo nível de satisfação dos clientes, hoje acima dos 90%. “Como é que poderão atender com excelência se não se sentirem atendidos com excelência pela empresa?, filosofa Lucca.
Na Masa, funcionários têm o maior índice de felicidade no Brasil

Empresa fabricante de componentes plásticos que faz parte do grupo americano Flextronics, a Masa é o exemplo mais bem acabado da tese de que seres humanos felizes fazem toda a diferença para o bom desempenho do negócio de uma corporação. E também de que uma visão socialmente responsável contribui para melhorar o grau de felicidade dos funcionários. Não por acaso, a Masa foi apontada como a melhor empresa para se trabalhar no Brasil.
Não é preciso mais do que cinco minutos de conversa para entender o quanto tem de Ulisses Tapajós Neto, o seu diretor-presidente, no título de campeoníssima da Masa. As histórias que conta soam ficcionais no cenário corporativo. Ou alguém acha comum que um dirigente de grande empresa conheça pelo nome e pela função todos os seus 952 funcionários? Ou que se disponha a entrevistar pessoalmente os seus colaboradores para um telejornal semanal transmitido em circuito interno? Ou que estabeleça como política licenças-maternidade de seis meses para as mulheres? Tapajós encarna a figura do comandante das empresas familiares de antigamente que tinham rosto, alma e coração, e cuja palavra valia por uma sentença de honra. “Há treze anos, íamos fechar. Então prometi aos meus colaboradores que, se saíssemos daquela situação, a companhia saberia reconhecer e promover o crescimento de cada um deles. Foi o que fizemos. Começamos a colocar em prática uma série de programas que visam educá-los, capacitá-los, melhorar a sua qualidade de vida e a de suas famílias, e estimular a sua criatividade”, disse à Idéiasocial.
Na Masa, todos os funcionários foram incentivados a, no mínimo, terem o Ensino Médio completo. Ágil e flexível em sua gestão, a empresa estimula a participação, incentiva que os colaboradores sugiram inovações, dispõe de um código de ética muito respeitado, adota processo de absoluta transparência na comunicação de resultados, facilita a ascensão na carreira e oferece um pacote generoso de benefícios. Um dos compromissos assumidos na fase de vacas magras – lembra Tapajós – hoje faz parte da vida de cada um dos 952 funcionários. “Como nos tornamos bastante rentáveis e prósperos, precisamos retribuir à sociedade amazonense, investindo na diminuição de suas desigualdades. Queremos contribuir para que todos atinjam um estágio melhor de cidadania. E o Estado, uma situação mais positiva de sustentabilidade”, diz o dirigente de uma empresa que conta com um atuante quadro de 201 voluntários e faz investimento social regular no seu entorno. Segundo a pesquisa Exame-Você S/A, o índice de qualidade de ambiente de trabalho alcança impressionantes 94,5 pontos. “Ninguém consegue cumprir metas se não está feliz. Procuramos trabalhar para que todos os colaboradores se sintam muito bem na empresa. Entendemos, definitivamente, que pessoas felizes conseguem sempre os melhores resultados”, explica.
Visionário e disciplinado, Tapajós já traçou o seu plano de vida: no mesmo dia em que pretende se aposentar (primeiro de janeiro de 2009), ele deverá inaugurar uma fundação cuja sede será no Distrito Industrial de Manaus e terá o nome de seu pai e de sua mãe, José e Maria Tapajós. Também já definiu a que missão se dedicará nessa organização: canalizar a energia dos trabalhadores e as capacidades financeiras das empresas do pólo da capital amazonense para desenvolver projetos que eliminem o desemprego na região. “Com o trabalho da Fundação, minha idéia é transformar Manaus, num horizonte de dez anos, na cidade com melhor qualidade de vida no Brasil”, diz. E quem é que pode duvidar?

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