Especial – Quanto vale ser sustentável? (parte 1)

Especial – Quanto vale ser sustentável? (parte 1)


Na matemática da sustentabilidade, sabe-se que a soma de um mais um nunca dá dois. Especialistas em finanças, contabilidade e gestão ou mesmo os executivos envolvidos com o tema nas empresas reconhecem que os modelos atuais são limitados para mensurar a adição de valor da sustentabilidade para o negócio. Há um consenso crescente, no entanto, de que, apesar de complexa, a tarefa de medir resultados é fundamental para a inserção cada vez maior do conceito nas estratégias empresariais.
Aumento da reputação e da produtividade, valorização da marca e das ações, diminuição dos riscos do negócio, maior facilidade de financiamentos e atração/retenção de talentos são alguns dos benefícios normalmente associados a um comportamento responsável. Mas o quanto, isolados ou em conjunto, e principalmente traduzidos em números, eles impactam na melhoria do desempenho global da empresa continua sendo uma incógnita no mundo corporativo. A ausência de respostas absolutas oferece a necessária munição para os céticos de plantão e fortalece o argumento dos que acham que sustentabilidade é apenas um receituário de boas intenções.
Para decifrar o enigma, Bob Willard, autor do livro “The sustainability advantage”, fez o que parecia óbvio, mas ninguém até então tinha ousado tentar. Não precisou criar uma nova teoria econômica nem mesmo desenvolver um sistema específico para mensurar o valor da sustentabilidade. Pelo contrário, usou apenas ferramentas e informações bem próximas ao negócio.
Munido de Excel e algumas regras de matemática financeira, Willard descobriu que, ao incorporar a sustentabilidade na estratégia do negócio, uma grande empresa pode alcançar até 38% a mais de lucro e uma pequena empresa, até 66%, no curto e médio prazos. Em tempos de forte competitividade, retornos dessa magnitude costumam melhorar o humor de qualquer gestor.
“Um equívoco comum é achar que o período de retorno para investimentos em sustentabilidade é maior do que a média usual de dois ou três anos. Com a aplicação de ferramentas de ecoeficiência, por exemplo, a recuperação do investimento ocorre em um ano ou até menos. Os benefícios de produtividade, por sua vez, podem gerar recursos por uma série de anos se os trabalhadores acreditarem que a companhia é mesmo séria em relação à sustentabilidade”, afirma Willard.
O autor chegou a essas conclusões depois de analisar centenas de estudos de caso de companhias, utilizando, como ponto de partida, o cruzamento de informações de seus balanços comerciais. Tanto os resultados da sondagem quanto a metodologia aplicada por Willard estão em seu livro, ainda sem tradução para o português. Ex-presidente da IBM, onde trabalhou por 35 anos, o canadense Willard apresenta também, de forma simples, as tabelas em que baseou seus cálculos, deixando claro que elas podem ser utilizadas para avaliar a sustentabilidade de qualquer empreendimento, bastando adaptar os números.
“Meu objetivo ao escrever o livro foi quantificar os potenciais benefícios que uma companhia pode alcançar quando decide orientar sua estratégia para a sustentabilidade”, afirmou Willard, em entrevista exclusiva a Idéia Socioambiental, de Ontário (Canadá), onde mora.
As vantagens da sustentabilidade, segundo Willard

Para o economista, são sete (veja box nessa página) os benefícios decorrentes de um comportamento mais sustentável. Com base nos recursos destinados a diferentes áreas-chave da empresa, ele calculou as economias proporcionadas a partir da incorporação da sustentabilidade na estratégia do negócio. Para estimar os ganhos, utilizou uma hipotética empresa de tecnologia da informação, a SD Inc., uma composição das cinco maiores companhias da área (IBM, Hewlett-Packard, Compaq, Dell e Xerox) em 2005, ano em que Willard escreveu o livro. Juntas elas possuem receitas de U$44 bilhões e 120 mil funcionários.
Em relação, por exemplo, à maior retenção de talentos, um dos benefícios relacionados, ele faz uma conta interessante. Se um quinto dos 1200 funcionários que deixam a SD Inc., média de desligamentos por ano, permanecessem na empresa como resultado da mentalidade de desenvolvimento sustentável, a companhia economizaria U$ 38 milhões, montante que poderia ser destinado a melhorias relacionadas às práticas da sustentabilidade.
Segundo Willard, a principal razão para uma companhia adotar estratégias sustentáveis é ter mais sucesso nos negócios. Por isso, essa questão deve ser tratada de forma pragmática. “A menos que os CEOs de empresas de capital aberto possam olhar nos olhos dos investidores e explicar o quanto são boas as iniciativas de sustentabilidade da companhia, não vão conseguir convencê-los quanto à importância da prática desse conceito sem resultados quantificáveis. Os líderes precisam basear-se em uma lógica empresarial pragmática para defender uma estratégia baseada no triple bottom line. Assim, conquistarão credibilidade e legitimarão a gestão baseada no equilíbrio dos aspectos econômicos, ambientais e sociais como relevante para o sucesso econômico e o retorno financeiro dos acionistas”, ressalta Willard.

Em busca de um modelo que a valorize como ativo intangível

A perspectiva da sustentabilidade está mudando a percepção do valor da empresa. Vista hoje como “ativo”, ela faz parte do grupo de intangíveis, junto a fatores que, de um certo modo, estão sob o seu guarda-chuva conceitual, como reputação, governança corporativa, qualidade da gestão, histórico de respeito aos direitos humanos, aspectos sociais e trabalhistas, e relacionamento com a comunidade.
Segundo o Guia de Sustentabilidade do IBGC – Instituto Brasileiro de Governança Corporativa, ativos intangíveis são direitos, sem representação física, que dão à empresa uma posição exclusiva ou preferencial no mercado, ou seja, contribuem para o seu valor econômico. Alguns de seus aspectos podem ser registrados na contabilidade, como, por exemplo, gastos com marcas e patentes, concessões públicas, direitos de reprodução e licenças. Outros, como carteira de clientes e reputação, apesar de sua contribuição para o valor da empresa, ainda não são contabilizáveis.
Segundo estudo de Arthur D. Little , há 27 anos, os intangíveis representavam 17% do valor de mercado das empresas, enquanto os tangíveis equivaliam a 86%. Em 1998, essa relação passou a ser de 71% para os intangíveis, contra 29% dos tangíveis. O que era visto como imaterial passou, portanto, a ter um impacto maior na valorização de uma companhia.
Para descobrir o impacto dos intangíveis na geração de valor para empresa, habitualmente costuma-se tirar a diferença do seu valor de mercado pelo valor patrimonial. Apesar de ser um ponto de partida, esse raciocínio não oferece resposta para o quanto a sustentabilidade adiciona ao negócio. “Infelizmente, essa é a melhor forma que temos hoje para medir intangíveis. É preciso oferecer subsídios para que os profissionais de finanças e contabilidade desenvolvam métricas melhores para calcular esses ativos de forma que sejam incluídos nos demonstrativos financeiros”, ressalta Willard.
É o que está fazendo a consultoria brasileira DOM Strategy Partners que desenvolveu o IAM (Intangible Assets Management). A sua metodologia consiste na avaliação do desempenho da empresa nas três dimensões da sustentabilidade (econômica, ambiental e social). A partir desses resultados, chega-se a um coeficiente que é aplicado ao valor dos intangíveis. O cruzamento dessas informações permite a aferição do valor do capital sustentável ou qualquer outro intangível definido como estratégico para a empresa.
“Hoje, os modelos tradicionais de contabilidade consideram os intangíveis como custo. Esse tipo de valor fica no âmbito da percepção e o fato de não ser quantificado faz com que sua volatilidade seja muito alta. Em momentos de crise, por exemplo, a empresa vai cortar tudo aquilo que não apresenta valor quantificável e os intangíveis podem ser comprometidos. Essa atitude representa um tiro no pé porque são esses ativos que vão trazer valor para a empresa no médio e longo prazos”, afirma Daniel Domeneguetti, presidente da DOM Strategy Partners.
Construindo um instrumento adequado para medir resultados

Segundo Domeneguetti, outro desafio importante na gestão de intangíveis é a necessidade de estabelecer estratégias específicas para cada grupo de ativos. Por isso, é essencial conhecer o impacto de cada um deles no negócio. Essa foi a principal motivação para o desenvolvimento do IAM, metodologia que já está em fase de implementação em 17 empresas.
Para descobrir o valor do capital sustentável, deve-se fazer uma análise envolvendo todos os departamentos da empresa. O primeiro passo consiste em verificar e qualificar as metas de sustentabilidade – presentes no BSC (Balance Score Card) ou outra metodologia de administração estratégica adotada pela empresa, tanto em termos de geração de valor (imagem, reputação, melhoria no relacionamento com stakeholders, por exemplo), quanto em proteção de valor ( gestão de riscos, passivos potenciais e perda de credibilidade, entre outras).
Feito isso, passa-se à avaliação do peso e/ou relevância específicos que a sustentabilidade tem no setor de atuação da empresa a partir do estudo de iniciativas já implementadas por companhias concorrentes. De acordo com Domeneguetti, em seguida, mapeia-se as ações, programas, projetos e iniciativas de sustentabilidade já existentes na empresa, verificando o alinhamento destes com a estratégia global do negócio.
O mesmo processo deve ser realizado também com os stakeholders, devidamente organizados em categorias, visando apurar, de forma qualitativa e quantitativa, o valor, o peso e a relevância que eles conferem para cada ação de sustentabilidade da empresa. “O valor percebido pelos stakeholders precisa ser contraposto com a avaliação interna. Isso indicará um dado numérico quantitativo, o coeficiente de ajuste e alinhamento”. explica Domeguetti.
Todas essas informações devem ser expressas em indicadores de sustentabilidade em cada uma das três dimensões do conceito (econômica, ambiental e social), procedimento que permitirá registrar a evolução ou involução do conjunto de fatores na forma de gráficos e funções percentuais de agregação ou desagregação de valor. Dados como estes –enfatiza Domeneghetti — orientarão os gestores quanto à necessidade de readequar orçamentos e programas, realizar ações de comunicação segmentada ou mesmo melhorar relacionamentos, entre outras medidas para equilibrar as expectativas internas e externas.
“Em paralelo, a empresa deve desenvolver e implementar um novo modelo de gestão dos programas, projetos e ações, baseado em ferramentas como o BSC(Balance Score Card), o Cockpit ou o modelo PDCA para atribuir responsáveis, metas e métricas de monitoramento da sustentabilidade”, explica Domeguetti.
Ainda segundo o consultor, só será possível conhecer efetivamente os números relacionados à sustentabilidade depois de “arrumar a casa.” A evolução ou retrocesso dos indicadores dessa prática aplicada ao valor dos intangíveis (resultado da diferença entre o valor de mercado e o patrimonial) indica o capital sustentável da companhia.
“É essencial calcular quanto a sustentabilidade responde pelo valor da empresa, pois a incorporação desse conceito à estratégia está intrinsecamente ligada à perenidade do negócio”, ensina o consultor.
Com a aprovação da Lei 11.638/07, a mensuração de intangíveis passará a ser uma exigência, a partir de 2010, para empresas brasileiras baseadas em sociedades por ações e de capital fechado com ativos acima de R$ 240 milhões ou receita bruta superior a R$ 300 milhões. Por conta dela, as companhias terão que apresentar suas demonstrações contábeis conforme o padrão internacional baseado nas regras do IFRS (International Financial Reporting Standards).
O presidente da DOM Strategy Partners acredita que a assimilação dessas novas práticas causará mudanças profundas na estrutura interna das companhias. “São muitos os departamentos da empresa que geram valor, mas no modelo tradicional de contabilidade o único que produz receita é o de vendas. Os demais recebem inclusive a denominação de centros de custo, embora não gerem custo pura e simplesmente. A mensuração dos ativos intangíveis possibilitará conhecer o valor gerado por eles, o que pode mudar as suas formas de remuneração e orçamento”, ressalta Domeneguetti.
A origem de tudo, nas décadas de 1970 e 1980

A sustentabilidade também tem sido um parâmetro cada dia mais utilizado para os investidores na hora de escolher empresas, principalmente em segmentos mais conservadores que buscam segurança e constância no retorno.
Socialmente responsável, ético, verde ou sustentável são algumas denominações atribuídas ao processo de investimento que considera as conseqüências socioambientais, tanto positivas quanto negativas, em um contexto de rigorosa análise financeira.
Segundo a pesquisa “Investors Opinion Survey” da McKinsey & Co. (2000), em parceria com o Banco Mundial, os investidores estariam dispostos a pagar entre 18% e 28% a mais por ações de empresas que adotam melhores práticas de administração e transparência.
Outros números mais recentes confirmam o interesse dos investidores de aplicar dinheiro em fundos socialmente responsáveis. De acordo com a associaçãoSocial Invest , o montante destinado a esses fundos de perfil peculiar atingiu U$ 2,290 bilhões. Segundo relatório Socially Responsible Investment Trends in the United States, de 1995 a 2005, os investimentos destinados a essa categoria de fundos cresceram mais de 260% nos Estados Unidos. Ao final de 2005, 9,4% (US$ 2,3 trilhões) dos US$ 24,4 trilhões movimentados no mercado de fundos estavam nas carteiras socialmente responsáveis.
Ao contrário do que possa parecer, o interesse do mercado financeiro por empresas responsáveis não é recente. Começou na década de 60 a partir da criação dos primeiros fundos dessa categoria, como o Trillium e o Pax, nos Estados Unidos. Eles excluíam empresas de armas, fumo, bebidas, assim como de petróleo e mineração, setores considerados de alto de impacto para o meio ambiente.
Segundo o economista Gustavo Pimentel, da ONG Amigos da Terra, em seu artigo “Origem do Investimento Socialmente Responsável”, alguns eventos, ocorridos nas décadas de 1970 e 1980, influenciaram o surgimento dos investimentos socialmente responsáveis, entre os quais destaca os movimentos em defesa dos direitos civis e das mulheres, da proteção do meio ambiente, o sentimento geral anti-guerra, a oposição ao apartheid na África do Sul nas décadas de 1970 e 1980, quando houve forte desinvestimento em títulos públicos e ações de empresas com negócios naquele país.
Nas décadas de 1980 e 1990, esses fundos passaram a incluir, entre outros, setores promissores como os de energia eólica e solar, reciclagem e biotecnologia e informática.
A partir de 2000, os fundos de investimento socialmente voltaram-se às melhores práticas sociais e ambientais nos diferentes setores empresariais. São exemplos dessa categoria o Storebrand (Noruega) e o Ethical (ABN-Real, no Brasil).

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