Especial – Quem são os Mandelas da sustentabilidade? (parte 2)

Especial – Quem são os Mandelas da sustentabilidade? (parte 2)

Desde 2001, a Fundação Kellog é parceira do Instituto Ação Empresarial pela Cidadania (PE) na realização de seminários que visam sensibilizar empresários para a temática da responsabilidade social e cidadania. Como parte desse esforço que, a partir de 2003, integrou também o Save The Children-Reino Unido, nasceu o Lidera –Liderança Empresarial para o Desenvolvimento do Nordeste. Um dos objetivos do programa é mobilizar líderes empresariais para que, refletindo sobre seus papéis e os de suas empresas, possam participar mais ativamente da transformação de realidades sociais no país.
A força do pensamento sistêmico
Houve um tempo em que a expressão “visão holística” provocava o nariz torcido dos líderes acostumados aos métodos cartesianos em suas tomadas de decisão. Era um conceito que soava ingênuo, pouco científico e até nada pragmático. Talvez porque, com o tempo, as empresas descobriram que, além de serem em si um sistema complexo, também integram um outro sistema, mais amplo e não limitado aos seus muros,  a visão holística ou “sistêmica” ganhou status nas corporações. Já não se admite, nesses tempos de culto à noção de interdependência, que os líderes tomem decisões desvinculadas de uma análise maior dos interesses dos stakeholders, do meio ambiente e da sociedade.
“O líder em sustentabilidade consegue analisar riscos e oportunidades sob vários pontos de vista. Não enxerga só o que pensa e quer a empresa. Sabe que tudo o que está em volta dela é afetado por sua ação. Ao contrário do líder não sustentável, cuja visão é míope, ele observa o todo, o que é a empresa, onde está instalada, quem ela afeta e quem a afeta”, analisa Flávia de Moraes, gerente geral de sustentabilidade da Philips para a América Latina e Caribe. Para ela, esse líder precisa ter fé no futuro, construir redes de relacionamento e acreditar na possibilidade de um novo modelo de fazer negócios.
Segundo Flávia, a inclusão das mais diferentes ações de sustentabilidade na cultura organizacional da Philips tem ajudado a descobrir novos líderes entre funcionários que antes nunca haviam se destacado. “Pessoas que se engajaram em projetos começaram a florescer. Isso acontece porque passaram a conjugar a sua filosofia pessoal com a filosofia da empresa, o que proporciona um desabrochar inesperado de habilidades. A sustentabilidade agrega e valoriza outras competências”, conta.
Maria Luiza Pinto, diretora executiva de desenvolvimento sustentável, viveu experiência semelhante no ABN Anro Real. Desde que o banco passou a discutir a sustentabilidade, há sete anos, profissionais  antes indiferentes emergiram como lideranças. Não apenas nos níveis mais altos de executivos mas também nos intermediários.  “A  competência básica desses novos líderes é o pensamento sistêmico, a capacidade de reconhecer, identificar e valorizar a interdependência. Destacaram-se por pensar de forma inovadora e por não ter medo de trabalhar com a incerteza, em virtude de valores e propósitos muito fortes. Eles foram rápidos em identificar oportunidades e competentes em dar o recado e mobilizar as pessoas”, diz.
Segundo a diretora, os novos líderes não são os ativistas que, no início do processo, foram importantes para chamar a atenção sobre o tema. São sim profissionais com alto grau de maturidade, conscientes e apaixonados, que coordenam movimentos internos sob uma ótica de negócios e que encontraram na cultura de sustentabilidade um terreno fértil pra projetar seus valores pessoais. Para Maria Luiza, a cultura é um fator fundamental. Criá-la pressupõe educação, desenvolvimento e mudança sistêmica. “A questão da sustentabilidade perpassa, de modo transversal, todo tipo de treinamento do banco.
De nada adianta  estabelecer um política sustentável para contratação, fornecedores ou produtos, se os funcionários não mudarem o seu patamar de consciência. Para fazer a transformação necessária, é preciso olhar para os colaboradores como cidadãos que, além de trabalharem no banco, desempenham vários outros papéis. Eles são parte do problema e da também da solução maior”, argumenta.
Um mundo de oportunidades novas em cada porta que se abre
Para Alex Mansur Mattos, gerente executivo responsabilidade social empresarial do SESI Nacional, o líder sustentável deve estar atento ás inovações que a sociedade tem cobrado das empresas no que se refere aos aspectos éticos, da diversidade, da transparência, da governança corporativa e do melhor aproveitamos dos recursos naturais. “A pauta da sustentabilidade entrou definitivamente na gestão das empresas. E ela passou a cobrar das lideranças cuidados com os resultados sociais e ambientais. É possível obter resultados mais imediatos, mas a perenidade de uma companhia depende hoje do modo como seus líderes valorizam as grandes questões da responsabilidade social empresarial”, defende.
Todo líder socioambientalmente responsável precisa ser um pouco antropólogo para entender como funciona o mundo em que está vivendo. Essa é a opinião de Marcelo Takaoka, diretor da Y.Takaoka Empreendimentos. Embora considere “muito novo” o movimento em torno da sustentabilidade nos negócios, o empresário vê cada vez mais jovens profissionais conscientes para a importância do tema. “Essa nova visão abre muitas portas de oportunidade. Cada líder precisa descobrir a sua fazendo uma análise de como o negócio que dirige pode gerar benefícios para o meio ambiente e a sociedade. E para isso, ele deve cruzar seus conhecimentos com os de ONGs, por exemplo, Aqui, na empresa, descobrimos possibilidades inteiramente novas para a construção civil formando uma ponte com o mundo dos ambientalistas”, confessa.
Para Jason  Clay, presidente do WWF, o líder em sustentabilidade deve ter a coragem de “fazer algo cujo caminho não tem a mínima idéia do que seja, mas que precisa dar certo para o bem da empresa e de toda a sociedade”.  Em sua avaliação, há ótimos exemplos de lideranças que “abriram que transformaram crises em soluções.” “Sempre que penso nisso me ocorre o caso de um líder da fábrica da L’Oreal nos Estados Unidos. Certa vez, a empresa teve um problema com água na cidade em que estava atuando e foi, por essa razão, forçada, a mudar o seu plano de processamento de água. O líder estava convencido que de que deveria haver um modo melhor de produzir. Descobriu, com o apoio dos funcionários, um jeito de fazer o produto sem usar água. O uso de água foi reduzido no ano seguinte em espantosos 95%”, conta.
Segundo Clay, a principal barreira às mudanças –e, portanto, o maior entrave ao trabalho dos líderes — se concentra nas gerências intermediárias das corporações. Como são eles que cuidam de boa parte dos processo operacionais, resistem muito á idéia de mudar os modos de produzir. “nada adiante ter diretores e presidentes visionários, líderes que empurram os processos, se os gestores  não estiverem dispostos a aderir”, enfatiza. Os gestores, por sua vez, quase sempre sabem como melhorar os processos, mas não têm o poder para mudar. No caso da L’Oreal –destaca – o presidente empoderou todos na empresa para descobrir modos de economizar água, deu-lhes a oportunidade de sugerir, aceitou erros na busca pela melhor solução.
E assim cumpriu um dos papéis que – na avaliação de Clay – definem um bom líder em sustentabilidade.  E como se forma esse líder novo líder sustentável. Simon Zadek, presidente da AccountAbility, tem uma opinião muito peculiar a respeito do assunto: “Pode ser nas Artes, na Economia e até mesmo na contabilidade. Em qualquer área onde o indivíduo não seja submetido a uma lavagem cerebral que o leve a achar que as coisas que estão aí não podem mudar”.
Perfil do líder em sustentabilidade
Habilidades:
1 ) Identificar oportunidades e criar soluções novas;
2 ) Visão ampla e de longo prazo do propósito da empresa;
3 ) Saber dialogar, envolver colaboradores e identificar sinergias;
4 ) Saber escutar;
5 ) Saber comunicar estratégias;
6 ) Interagir com stakeholders;
7 )
Planejar de modo sistêmico;
8 ) Analisar riscos e oportunidades sob vários ângulos;
9 ) Construir redes de relacionamento
Atitudes:
1 ) Coragem para romper barreiras à mudança;
2 ) Crença firme; Coerência nas atitudes;
3 ) Prazer em educar e servir;
4 ) Respeitar a diversidade;
5 ) Inserir o tema na cultura da empresa;
6 ) Perseverar;
7 ) Paixão pelo que faz;
8 ) Pró-atividade;
9 ) Visão coletivista;
10 ) Acreditar nas pessoas;
11 ) Estreitar pontes com os setores público e da sociedade civil
Valores:
1 ) Elevado senso de justiça;
2 ) Apego á liberdade;
3 ) Senso de humanidade;
4 ) Solidariedade;
5 ) Tolerância;
6 ) Transparência;
7 ) Ética;
8 ) Fé no futuro
Conhecimento:
1 ) Compreender a complexidade do tema, sua transversalidade e suas conexões em toda a cadeia produtiva;
2 ) Entender que sustentabilidade é inovação;
3 ) Cultura geral e ampla visão de mundo;
4 ) Compreender o conceito da interdependência
5 ) Considerar os dilemas atuais nas estratégias de negócio;
6 ) Entender o triple bottom line
7 ) Saber como mudar modelo de gestão;
8 ) Dominar as variáveis do sistema;
Os quatro desafios-chave dos líderes globalmente responsáveis:
1 ) Pensar e agir em um contexto global –O ambiente operacional das corporações tornou-se mais complexo de tal modo que, no mundo globalizado, é necessário hoje conciliar diferentes forças – tecnologias, políticas, aspectos financeiros, ambientais e sociais – em um mundo ao mesmo tempo local e global. Os desafios empresariais também são locais e globais.
2 ) Ampliar o propósito das corporações para além dos resultados econômico-financeiros – O lucro continua sendo o objetivo central de uma empresa. Mas ele deve vir acompanhado de preocupações sociais em ambientais. As empresas criam valor par a sociedade não apenas produzindo e distribuindo bens e serviços, mas gerando bem estar social. Empresas são agentes de desenvolvimento social.
3 ) Colocar a ética como questão central – São muitas as barreiras para a adoção de um foco mais ético nas companhias, especialmente em virtude do acirramento da competição e da necessidade de fazer mais com menos. Os líderes precisam ver no comportamento socialmente responsável um investimento e não um custo. E as suas atividades não como um conjunto de demandas adicionais, que geram risco (de não ser recompensadas), sobrecarga e desvio de finalidade empresarial, mas a própria estratégia de um negócio bem-sucedido.
4 ) Reestruturar a educação dos executivos—Nas escolas de negócio, a disciplina ética nos negócios, quando oferecida, é vista como um curso marginal não inserida nos tópicos centrais de gestão. O desafio é inserir a responsabilidade social empresarial transversalmente nos currículos de centros de formação de executivos.
Fonte: Liderança Globalmente Responsável: Um Chamado ao Engajamento/ Global Compact da ONU
Como formar líderes para a sustentabilidade
Para a maioria dos entrevistados de Idéia Socioambiental, as escolas de negócio, embora mais preocupadas com o tema, ainda não estão formando adequadamente os líderes socioambientalmente responsáveis. Alguns acham que isso se deve ao fato de o movimento ser novo. Outros acreditam que as universidades, sempre resistentes à mudança, precisam fazer uma revisão radical nos seus currículos e abordagens. Todos concordam, que além das universidades, escolas, família e sociedade devem assumir responsabilidade por educar para novos valores e para uma nova visão de mundo.
A seguir, as opiniões de 10 entrevistados:
Cedo para ter formados
“De fato, a academia está um pouco atrasada na discussão desse tema. Muitas empresas estão tomando a iniciativa de levar a discussão para as escolas de negócio(…) Formar dá uma idéia de que se está pronto, Nenhum líder pode se dizer pronto. É preciso pensar em um modelo no qual os líderes estejam em processo contínuo de aprendizado até porque o tema é ainda muito incipiente para que alguém possa se considerar formado nele”
(Fábio Barbosa, Banco ABN Anro Real)
Educação geral deficiente
“Temos universidades preocupadas com o tema liderança e escolas onde a ética e a responsabilidade social são disciplinas. O mal é que a nossa educação, de modo geral, é ruim”
(Elcio Aníbal de Lucca, Serasa)
No começo ainda
“As escolas de ponta têm focado a liderança para a sustentabilidade. É um começo ainda. Mas está indo bem. Creio que elas podem ser muito úteis no processo de ampliar a visão dos futuros profissionais”
(Rolf Dieter Acker, BASF)
Nada para alarmar
“Pelo que conheço, são poucas as universidades que estão desenvolvendo lideranças em sustentabilidade. A graduação não está focando muito o assunto. As iniciativas estão no nível de pós-graduação. Não é uma situação alarmante. Afinal, o movimento está apenas começando no Brasil”
(José Luciano Penido, Votorantim)
Sem enxergar a importância
“Pode-se formar o líder sustentável nas universidades sim. Mas elas ainda não enxergaram a importância desse aspecto para o jovem profissional e não o conduzem a ter uma visão social e ambiental mais ampla”
(Francisco Tancredi, Fundação Kellog)
Sem formação específica
“Não acho que tenha uma formação específica. É importante dominar alguns conceitos e valores básicos, entre os quais, principalmente, o de interdependência”
(Guilherme Peirão Leal, Natura)
Imersão em convivência
“O método mais rápido para formar um líder sustentável é a convivência, por um período de um a dois anos, com um lidere já consagrado com esse enfoque”
(Júlio Moura, Grupo Nueva)
Transversal necessária
“As universidades não estão formando ainda. Quando contratamos trainees de escolas de primeira linha precisamos explicar o que é sustentabilidade. Tem até disciplinas específicas. Mas o tema não está na transversal dos currículos. Como a empresa não tem uma veia acadêmica, acaba tendo que viver o dilema de discutir soluções a partir do pensar sistêmico. Criamos programa próprio para formar líderes para a sustentabilidade”
(Maria Luiza Pinto, ABN Anro Real)
Visão integradora
“O conhecimento é parte importantíssima do processo. Mas a universidade deve formar pessoas e não simplesmente profissionais (…) Acredito que precisamos trabalhar mais na formação e educação de base. Ainda somos educados para papéis separados. Precisamos ter uma visão mais integradoras do ser humano”
(Marcelo Araújo, Camargo Correia)
Nova visão de mundo
“A universidade acordou para a questão da sustentabilidade. Quem entra na empresa hoje sabe mais sobre o tema do que quem está aqui há mais tempo. Claro que não estamos no estado da arte. Seria muito bom se todos os cursos ensinassem sobre sustentabilidade porque esse tema representa uma nova visão de mundo”
(Flávia de Moraes, Philips)

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