Simbiose pelo bem social

Simbiose pelo bem social

Por Cristina Tavelin

Valores, pensamento no longo prazo e cuidado na relação com a comunidade são características intrínsecas aos institutos e fundações empresariais.

Estrutura de planejamento, estabelecimento de metas e mensuração de resultados integram a rotina das empresas.

A união, portanto, dessas qualidades complementares certamente poderia ser chamada de evolução.

Apesar de não estar totalmente consolidada, essa noção vem tomando corpo ao longo dos últimos 20 anos, desde a ascensão do terceiro setor até o entendimento mais amplo da noção de sustentabilidade.

De acordo com Fernando Rossetti, secretário-geral do Grupo de Institutos Fundações e Empresas (GIFE), esse processo gerou uma confusão conceitual. “Há uma mudança completa no papel do investimento social privado. Algumas empresas já fizeram essa mudança, outras estão tateando o campo e outras ainda nem começaram. Quando surgiu o termo sustentabilidade, tinha-se a sensação de que o investimento social seria apenas mais um ‘penduricalho’, à parte da gestão do negócio”, recorda.

Hoje, o questionamento inevitável é: se a empresa deve ser, de fato, um ator social, manter institutos ou fundações como um ‘braço social’ torna-se  contraditório?

Divulgado durante o último congresso do GIFE, em março deste ano, o estudo O Papel dos Institutos e Fundações na Atuação Socialmente Responsável da Empresa vem lançar luz sobre a questão. “Se pensarmos que o investimento social privado corresponde a uma parte da consciência da empresa, esse recorte não pode ser feito, não se divide a consciência de um ser. Muitas empresas estão intuindo que em seus institutos e fundações há conhecimentos, habilidades e estratégias significativas a serem incorporadas. Essa é uma possibilidade. Porém, continua o desafio de reconhecê-los e, além disso, se apropriarem e reintegrarem essas identidades à sua própria identidade”, diz o documento.

As maneiras como as organizações estão realizando esse processo e as mudanças no que diz respeito à integração do investimento social privado no core business são algumas das discussões desta reportagem especial.

Evolução conceitual

No início dos anos 90, o terceiro setor era visto como destinação certa para o investimento social das empresas, muito ligado à questão da filantropia. Em 1994, o livro de Lester Salamon, The Emergent Nonprofit Sector, representou um marco na pesquisa metódica e seu resultado chamou a atenção de estudiosos da Economia, Sociologia e do setor público por mostrar como grandes economias movimentavam recursos e geravam empregos a partir de suas organizações da sociedade civil.

“Esses estudos foram objeto estratégico para influenciar a mudança no Departamento de Estatísticas da Organização das Nações Unidas (ONU) que, desde 1948, utilizava uma metodologia para contas nacionais excluindo o terceiro setor. No Brasil, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) publicou, em 2004, o primeiro trabalho abrangente sobre o tema, com colaboração do GIFE”, conta Luiz Carlos Merege, presidente do Instituto de Administração para o Terceiro Setor (IATS).

No início da década de 2000, houve uma valorização das ações sociais pelas empresas. Esse cenário influenciou movimentos de pensadores que vinham falando sobre a necessidade de o segundo setor ir alem do objetivo principal da geração de lucro e produção de bens. “As empresas passaram a investir de forma crescente em seus projetos sociais por meio de fundações ou da criação de uma área específica dentro da organização, seguindo a linha de pensamento do Instituto Ethos”, lembra Merege.

Havia, entretanto, uma discussão sobre a necessidade de independência desse investimento, e muitas adotaram o modelo americano de criação de institutos, constituindo um corpo de trabalho totalmente separado – um modelo hoje em fase de transição.

“Há uma mudança significativa na atuação das fundações e no próprio olhar da empresa sobre elas, que representam um elemento de capilaridade e muitas vezes estão trabalhando diretamente com o público-alvo. O conhecimento revertido para a gestão de negócios tem aumentado cada vez mais e se tornado mais significativo”, destaca Marina Grossi, presidente-executiva do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS).

À medida que o conceito de sustentabilidade ganha força, a dissociação entre investimento social e o cerne dos negócios começa a se mostrar incoerente.

“O distanciamento entre empresas e institutos é cada vez menor. Não faz mais sentido a percepção de que estar próximo poderia caracterizar interesse da empresa com vistas ao negócio e não com foco no interesse público. Tornou-se evidente que a parceria fortalece a atuação do instituto e vice-versa, isto é, pode contribuir para a sustentabilidade do negócio”, avalia Wilson Mello, vice-presidente de Assuntos Corporativos da BR Foods.

As empresas mais evoluídas já consideram o pilar social de maneira integrada ao seu negócio, em seus produtos, no dia a dia. “Começo a concordar que as organizações sem institutos talvez não venham a criá-los devido à crença da questão social já estar contemplada pela sustentabilidade. Ainda vivemos um momento onde tudo está meio esquizofrênico. Mas, se reconhecermos que estamos trocando o pneu com o carro em movimento, há uma perspectiva otimista“, pondera Graziella Comini, professora-doutora da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA/USP) e coordenadora do Centro de Empreendedorismo e Administração em Terceiro Setor da Fundação Instituto de Administração (Ceats/FIA).

Troca de ideias e ideais

Até pouco tempo atrás, quando uma empresa pensava em uma nova instalação em uma comunidade, por exemplo, pouco conhecia do seu dia a dia e de como suas obras poderiam influenciar o espaço.

Aos poucos, desenvolveu-se a percepção de que as fundações e institutos próximos a esses stakeholders poderiam oferecer uma visão de planejamento mais adequado às ações, reduzindo riscos para o negócio.

Com uma cobrança maior por parte da sociedade, agregar valores comunitários também passou a trazer ganhos de imagem para a empresa. O setor privado viu-se diante da crescente necessidade de avaliar ativos intangíveis.

O GIFE usa o termo “unidade de inteligência social” da empresa para denominar uma fundação – justamente a ideia de que repertório, competências e rede de relacionamentos resultantes da natureza da atividade comunitária podem ser úteis para o negócio. “Um banco que está pensando em produtos financeiros para a nova classe média brasileira pode chamar a fundação para ajudá-lo a conceber isso da forma mais adequada ao público-alvo. Na área de infraestrutura, a fundação pode contribuir para uma mineradora de impacto socioambiental grande estruturar um plano para lidar melhor com a comunidade e o meio ambiente. Então, por meio dessas competências, o negócio pode tornar-se mais sustentável e manejar melhor os seus impactos”, exemplifica Rossetti.

No sentido de absorver esse conhecimento inerente às fundações, o Instituto Camargo Corrêa tem atuado, desde 2007, no nível da holding – alinhando o investimento social de 20 companhias do grupo. Cada empresa se capacita e customiza um projeto do portfólio de acordo com a própria realidade. Quando um processo tem início em determinada comunidade, o instituto constitui um comitê para pensar formas de envolvimento empresa/comunidade e identifica lideranças locais para convidá-las a integrar o projeto. Após essa etapa, escolhe-se uma boa prática já adotada no Brasil e o instituto promove a interação entre os comitês, visitas e debates para replicagem do modelo. Há também oficinas especificas para elaboração de projetos e a busca de parceiros locais. “O grande desafio é fazer as empresas entenderem que a responsabilidade social deve fazer parte dos negócios e não ser apenas um ‘braço’. E o papel do instituto é mostrar os caminhos para envolvê-las e ajudá-las a pensar no assunto”, destaca Francisco Azevedo, diretor executivo do Instituto Camargo Corrêa.

Como algumas empresas permanecem por muitos anos nas localidades onde atuam, o desenvolvimento dessas regiões pode gerar diversos benefícios mútuos, como a descoberta de talentos locais para trabalhar na própria companhia.

“Preocupar-se com a elevação da qualidade de ensino dos municípios é um investimento social descolado da empresa diretamente, pois está se investindo na comunidade, em princípio. Mas há interesse do negócio porque, na medida em que se eleva a escolaridade de uma região, pode-se contratar mais facilmente, evitando deslocamento e desistência de colaboradores.

Além disso, outras organizações – inclusive concorrentes -, são beneficiadas com o aumento da qualidade da mão de obra local”, reflete Ricardo Piquet, diretor-presidente da Fundação Vale. A empresa patrocina o Movimento HotSpot Brasil de incentivo a novos talentos em diversas área profissionais, com foco em inovação.

Por ter um olhar para o planejamento mais efetivo no longo prazo, os institutos e fundações podem ampliar essa consciência aos colaboradores da empresa, auxiliando na melhoria de sua gestão. Quando uma nova indústria da Votorantim vai ser aberta, por exemplo, o instituto trabalha junto ao negócio diagnosticando impactos e oportunidades para alavancar o desenvolvimento do território; questiona, entre outros aspectos, quais ações são necessárias para fazer com que os empregos gerados sejam ocupados por residentes da região e, a partir disso, monta programas para sanar as fragilidades identificadas.

Como o instituto entra em ação antes do início da obra e pode permanecer após a sua saída, também investe em ações para evitar a dependência da comunidade da empresa. “A presença da companhia gera crescimento econômico por natureza. Percebemos isso observando os indicadores dos municípios. Nosso desafio é transformar esse processo em desenvolvimento sustentável”, destaca Rafael Gioielli, gerente de Pesquisa e Desenvolvimento do Instituto Votorantim.

Com o programa Futuro em Nossas Mãos, o instituto qualifica colaboradores da comunidade – principalmente para a construção civil -, e acaba absorvendo esses profissionais por meio da articulação com os parceiros de construção de suas fábricas. Já o programa Evoluir forma jovens para postos de trabalho dentro da empresa: eles estagiam em outras unidades e voltam para a comunidade no início da operação. “Para a empresa isso é muito importante porque não precisamos levar funcionários de outras regiões”, destaca Gioielli.

O Instituto Votorantim foi criado em 2002 com o objetivo de qualificar e definir o foco do investimento social do grupo. “A Gerência Geral de Sustentabilidade da empresa estipula os projetos socioambientais dentro do ciclo de planejamento estratégico para todos os negócios, enquanto o instituto participa da elaboração dos temas e fornece as metodologias e tecnologias adequadas para desenvolvê-los no âmbito social”, destaca David Canassa, gerente geral de Sustentabilidade da Votorantim Industrial.

Para viabilizar seus projetos, o instituto prepara funcionários da empresa para a gestão em cada unidade de atuação. Nesse processo, os colaboradores também começam a ter noção da importância de considerar os aspectos socioambientais para o sucesso do negócio. “No desenvolvimento de uma planta nova, por exemplo, um engenheiro pensará na logística para a produção sair da fábrica e chegar à estrada da forma mais rápida, podendo desconsiderar os impactos na comunidade. É o papel dele. O instituto consegue enxergar que, muitas vezes, é preciso fazer um desvio, pois a empresa pode ter prejuízos posteriores, como ações de indenização das famílias afetadas”, exemplifica Gioielli.

Esse cuidado no planejamento, considerando os impactos no longo prazo, é crucial para a perenidade dos negócios. “Se uma empresa não entende sua realidade como um todo, sofrerá as consequências dessa falta de conhecimento. Qualquer companhia cuidadosa está construindo relações de respeito para não correr esse risco”, enfatiza Christopher Pinney, senior fellow do The Aspen Institute, voltado ao fomento de valores com base em liderança e na discussão de questões sociais críticas.

Com base no trabalho que vem realizando nos Estados Unidos, Pinney identificou que o grande potencial das fundações está justamente em educar a companhia para a realidade social na qual ela opera e ajudá-la a entender onde precisa mudar seu comportamento para tornar-se mais efetiva. “Há um grande espaço para os institutos desempenharem um papel mais catalisador. No modelo tradicional, eles operam completamente separados da empresa. Agora, precisamos de um alinhamento muito maior”, avalia.

Porém, tanto institutos e fundações como as áreas de sustentabilidade das empresas começaram apenas recentemente a exercer alguma influência sobre a gestão dos negócios. E, na medida em que se profissionalizam, desempenham um papel fundamental para a concepção de projetos integrados.

A partir da evolução dos conceitos, o Instituto Algar readaptou sua estrutura de atuação. “Evoluímos nosso trabalho quando nossa responsabilidade passou do investimento social privado para a sustentabilidade. Há cinco anos o instituto é responsável, em todo o grupo, pelo programa de sustentabilidade na gestão dos negócios”, destaca Camila Fioranelli, coordenadora interina do Instituto Algar. O programa Algar Sustentável, sob sua coordenação, estabelece um comitê focado no tema em cada empresa, composto por um colaborador de cada área.

Segundo Pinney, nos EUA esse tipo de alinhamento entre a corporação e o instituto tem crescido significativamente. Companhias como IBM desenvolvem ações conjuntas nos níveis de filantropia, instituto e empresa, construindo uma rede dinâmica e eficiente. “A grande vantagem de se ter uma mediação fora da companhia é a criação de um canal de comunicação mais aberto, transparente e com maior credibilidade”, avalia.

Desafios e soluções em rede

Cada vez mais a atuação dos institutos e fundações estará em consonância com as estratégias de suas empresas mantenedoras. Entretanto, fazer com operem dentro dos padrões tradicionais do mundo corporativo poderia significar um erro, até porque o modelo de gestão tradicional das empresas ainda encontra-se atrasado em relação às questões socioambientais. Por outro lado, alguns aspectos práticos dos negócios podem contribuir para uma atuação mais efetiva de seus institutos. O desafio é construir linguagem e dinâmica conjuntas.

“A mentalidade dos dois grupos é de independência e segmentação. Pouco a pouco novas brechas estão sendo abertas – de forma ainda muito tímida, se pensarmos no potencial de sinergia e na geração de novos negócios”, reflete Luiz Ros, gerente da área de Oportunidades para a Maioria do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).

Profissionais que hoje atuam nas fundações e vieram do terceiro setor podem não ter tanta abertura na hora de tratar da integração com o setor privado. “Eles muitas vezes tendem a desprezar ou não colocar a relação com a empresa como prioridade, preferem a postura de ‘deixa que eu faço e quanto menos intromissão, melhor’. Nessa ânsia por autonomia, muitas vezes descolam-se do negócio. Mas o entendimento é muito importante para disseminar o que a fundação está fazendo, envolver e conscientizar colaboradores em outro nível, não apenas por meio do voluntariado”, destaca Graziella, do Ceats/FIA.

O movimento de conscientização na maneira de fazer negócios ainda não chegou à dimensão formal das empresas, mas já está latente nos profissionais que as compõem. Segundo Rossetti, do GIFE, as trocas existentes e a riqueza do relacionamento evidenciam que essa separação é apenas um jeito antigo de pensar e agir e, na medida em que evoluírem, trarão benefícios a todos. “Ainda há necessidade de aprender muito mais com a escuta da comunidade sobre a humildade necessária para lidar com processos complexos como educação, saúde pública e meio ambiente. As soluções para esses problemas não são simples”, avalia.

A mudança da cultura organizacional, que abrange desde a percepção de tempo à razão de existir, pode ser lenta. Porém, não há mais tantas resistências. Nesse sentido, o Instituto Votorantim desenvolveu, em 2008, a metodologia de Engajamento das Partes Interessadas, com a aplicação de cases-piloto, em 2009 e 2010. “Durante esse processo, integrantes da atual Gerência Geral de Sustentabilidade estiveram junto com o instituto nas operações para a aplicação in loco. Ajustes foram feitos e hoje temos uma metodologia padrão para todos os nossos negócios”, revela Canassa, da Votorantim Industrial.

Nessa integração entre empresa e instituto, alguns cuidados devem ser observados. Para Graziella, do Ceats, a energia de business de “tudo para ontem” pode atropelar o ritmo das fundações, fazendo com que se perca a sua contribuição mais preciosa: as parcerias arranjadas com cautela e no tempo certo. Outras características como negociação, trabalho colaborativo e o olhar cuidadoso para as necessidades do outro fazem parte do planejamento estratégico de uma fundação.

“O foco da empresa em resultado é muito positivo. O lado negativo é usar a mesma noção para o tempo: ou seja, o resultado no curto prazo. No social não se obtém isso: precisam-se considerar as diferentes métricas, tempos e movimentos. O receio também é trazer pessoas do negócio que desconhecem a dinâmica social, muito mais colaborativa, participativa e lenta no processo decisório.”

Mostrar o resultado dessa integração para estimular o trabalho das empresas também representa um desafio. É o que o Instituto Camargo Corrêa visa fazer estruturando um estudo de caso – no município de Pedro Leopoldo (MG) – que evidencie os benefícios do investimento social para o poder público, sociedade e, principalmente, para o negócio.

A unidade de cimentos da empresa instalada na região teve a maior produtividade no ano de 2011 – exatamente quando mais investiu no social e mais funcionários foram envolvidos nos projetos. “A própria pesquisa de clima corporativo já apontou uma melhoria significativa depois do investimento social. Hoje, ainda são raros os exemplos evidentes, mas esperamos com isso estimular cada vez mais as empresas a investirem nessa interação”, destaca Azevedo, do Instituto Camargo Corrêa.

Colocar na ponta do lápis essas melhorias é o caminho para estimular os trabalhos em parceria e mudar o olhar das empresas sobre suas fundações. “O fato de se estar precisando melhorar esses dados permite também que a empresa consiga enxergar aquilo como parte de seu negócio”, avalia Marina Grossi, do CEBDS.

Para engajar de fato os colaboradores, os temas socioambientais não podem estar distantes do seu dia a dia. “A empresa e as pessoas sentem-se envolvidas quando o tema tem a ver com o que fazem. Estamos em um momento na sociedade no qual temos de aprender muito com a experiência de cada um, precisamos nos considerar parte do problema e da solução. Por isso é muito importante criar estratégias para que se consiga fazer esse debate dentro da empresa”, destaca Graziella.

Sair do discurso e ir para a prática representa outra fronteira a ser ultrapassada – particularmente pelos institutos. “O desafio é ir além de um discurso poético, apesar de a crença ser muito importante. Mas o instituto, hoje, é tratado como parte do negócio e precisa dar resultado. A diferença é que o resultado dele não está no lucro, e sim na evolução dos projetos”, avalia Eliane Garcia Melgaço, vice-presidente de Marketing e Sustentabilidade da Algar.

Repensando o terceiro setor

Com a ascensão da sustentabilidade, muitas rupturas aconteceram dentro e fora do âmbito de atuação das empresas. Agora, fundações e institutos, juntamente com o terceiro setor, precisam rever seus papéis. “Se no caminho de tornarem-se cada vez mais atores sociais as empresas incorporarem muito do que os institutos e fundações fazem hoje, de certa forma essas instituições não precisariam mais existir; no entanto poderiam rever sua vocação”, pontua o estudo do GIFE.

E, na medida em que os negócios redirecionam seus recursos para institutos e fundações, o terceiro setor perde voz; perde seus profissionais qualificados para as empresas, onde passam a receber salários mais altos. Surge aí um ponto que exige reflexão, justamente para que esse processo não se torne mais um aspecto negativo do mundo globalizado. Há uma crise na captação de recursos pelo terceiro setor gerada exatamente pelo novo posicionamento das empresas.

“Atualmente, há uma tendência cada vez maior de as companhias investirem em seus projetos empresariais. Precisaríamos de um estudo estatístico para saber se elas investem na esfera social por meio de fundações e institutos, mas o investimento privado no terceiro setor diminuiu depois do movimento da sustentabilidade. Hoje, as organizações da sociedade civil estão se debatendo em busca de recursos”, alerta Merege, do Iats.

Uma saída está na profissionalização das ONGs para que busquem outras formas da captação financeira e diversifiquem suas fontes de forma eficiente. “Do ponto de vista estratégico seria importante que as empresas se unissem às ONGs nas comunidades para obterem resultados mais velozes por meio dessas parcerias. O governo também não despertou para a importância das organizações da sociedade civil como forma de investir”, avalia Merege.

Nessa fase de transição do papel das ONGs, as empresas podem ajudar muito na melhoria de gestão, de acordo com Pinney, do Aspen Institute.

“Ambos os lados devem ser claros sobre seus objetivos e encontrar metas comuns nos projetos, além de estabelecer como vão medir o progresso nesse sentido. Então, há alguns passos básicos para negociar uma boa parceria – e nisso as empresas têm experiência.”

A Ford Foundation é um exemplo de fundação que conseguiu caminhar com as próprias pernas e contribuir para a sociedade. Criada por Edson Ford, em 1936, tornou-se completamente independente a partir de 1972.  Ao longo dos anos, tem documentado as formas como as comunidades colaboram para a gestão de recursos naturais, principalmente nas florestas.

Pablo Farias, vice-presidente do programa Ativos e Oportunidades Econômicas da Ford Foundation, conta como as comunidades da Amazônia têm ajudado na redução do desmatamento, tanto pelo reconhecimento de sua importância e dos direitos dos indivíduos quanto pelo entendimento de que o manejo das florestas é central para criar novas políticas e mecanismos para o gerenciamento desses recursos. “Esse tipo de capacidade é única da filantropia – ter flexibilidade para atuar sem as restrições do espaço governamental e identificar onde a inovação está acontecendo. Nenhum outro ator tem capacidade de fazer isso. Nesse processo, as empresas desempenham um papel chave para estreitar diferentes vozes da sociedade civil”, avalia.

Futuro compartilhado

Diante de um quadro que começa a exibir contornos mais evidentes, algumas possibilidades se explicitam para o futuro. Empresas inteiramente sustentáveis ainda são utopia, mas podem deixar de ser. Mesmo assim, parte delas deve manter seus institutos.

E, outra parte, também deve manter o investimento social de forma dissociada da empresa.  Para Graziella, do Ceats, gerir uma empresa e, ao mesmo tempo, manter certa autonomia para lidar com a dinâmica social podem ser atividades complementares.

“A sustentabilidade acabou unindo dois lados, incorporando às empresas ações de institutos – às vezes de maneira abrupta. Agora, com o movimento mais maduro e as estratégias de sustentabilidade no core business, essas instituições terão mais asas para voar no sentido de resolver objetivos sociais”, pondera.

De qualquer forma, um olhar integrado será essencial para a perenidade dos negócios e da sociedade como um todo. “A questão fundamental é que, atualmente, as tarefas para os nossos países são muito grandes. Quando se pensa em educação, saúde e capacitação profissional, o setor privado também precisa refletir de forma inovadora em como contribuir para lidar e resolver esses problemas graves. O conhecimento deve ser compartilhado no sentido da criação de novas modelagens de negócios – algo muito pouco explorado, ainda em estágio inicial”, avalia Ros, do BID.

Nesse sentido, o Banco Interamericano de Desenvolvimento auxiliou um caso de sucesso junto à Pepsi, no México. A empresa queria reduzir a quantidade de gordura saturada de seus produtos e, para isso, necessitava de novos provedores de óleo vegetal. Por meio de uma ação conjunta com sua fundação, alcançou o objetivo. Além disso, muitos seguimentos negligenciados podem proporcionar negócios inovadores. “Desse modo, a empresa atua de forma complementar – unindo filantropia e área de negócios, construindo novas relações e ofertando novos serviços. Assim, consegue-se um impacto social muito maior do que temos visto até hoje”, destaca Ros.

Aqui no Brasil, o Instituto Votorantim conta com parcerias como a do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para projetos visando alavancar a geração de trabalho e renda nos municípios em que atua, por meio de sua capilaridade. “Não vamos substituir o papel do Estado, e sim ajudar a prefeitura a viabilizar o que necessita. Existem recursos disponíveis para obras de saneamento, por exemplo, mas não há um plano e um projeto executivo para acessá-lo. Então, a empresa auxilia na compreensão das linhas de financiamento, em como buscar recursos para fazer as obras necessárias ao município e a prefeitura vai atrás”, destaca Gioielli, do Instituto Votorantim.

Também seguindo essa linha de trabalho conjunto, o Instituto BR Foods coordena a gestão do investimento social da empresa atuando em três frentes estratégicas: redes intersetoriais, terceiro setor e políticas públicas. Em 2013, pretende dar início a mais um ramo de atuação: empregabilidade e empreendedorismo. “Acreditamos que essas quatro frentes sejam promotoras de desenvolvimento em um município. Não há uma receita pronta, mas algumas ‘avenidas’ que, se fortalecidas, ajudarão o local a encontrar sua própria concepção de desenvolvimento”, destaca Luciana Lanzoni, diretora executiva do Instituto.

O incentivo fiscal para projetos público-privados pode ser uma boa solução nesse sentido – desde que não pensado de forma utilitarista, principalmente em períodos eleitorais. “Se existem políticas públicas consistentes para engajar a sociedade, o resultado é positivo. O incentivo fiscal é uma ferramenta muito importante, mas o Estado precisa estar estruturado para usá-la bem, senão acaba acontecendo simplesmente uma apropriação privada de dinheiro público”, pontua Rossetti, do GIFE.

Para Merege, do Iats, a ideia dos três setores trabalhando em conjunto precisa amadurecer, a exemplo do que aconteceu na cidade de Jacksonville, na Flórida (EUA), onde há mais de 30 anos se tem essa visão para melhorar a qualidade de vida da comunidade com base em uma metodologia de indicadores em nove dimensões – entre elas, sociabilidade, saúde e segurança. A cada ano a cidade mensura dados, avalia o cenário e discute onde governos, empresas e ONGs podem atuar. “Em alguns países como Itália, Espanha e EUA existem exemplos impressionantes de como a união entre os três setores pode modificar a realidade numa velocidade muito grande”, ressalta. A ideia de que a união faz a força, afinal, apesar de chavão, faz muito sentido.

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