Especial – Tendência 2: Água

Especial – Tendência 2: Água

Água, o próximo carbono
Potencial escassez desse recurso vital, como reflexo do aquecimento global, ampliará a preocupação das sociedades e dos consumidores, obrigando as empresas a reportarem como utilizam o recurso, evitam desperdícios e inovam em processos e produtos para eliminar substâncias que são lançadas em rios, mares e oceanos
No último dia 22 de março, Dia Mundial da Água, um grupo independente de avaliação do Banco Mundial divulgou estudo mostrando que, nos próximos anos, o número de pessoas sem água potável pode chegar aos 800 milhões – o que equivale ao tamanho da população de todo o continente africano. Segundo o UNICEF – Fundo das Nações Unidas Para a Infância – somente nas regiões Ocidental e Central da África, hoje, 155 milhões de pessoas já não dispõem do recurso – a cifra corresponde a 33% da população desses locais. Metade tem menos de 18 anos.
Recentemente, o relatório Charting Our Water Future, da McKinsey, também fez um alerta: em apenas 20 anos, a necessidade de água será 40% maior do que hoje. Nos países em desenvolvimento a demanda chegará a 50%. Num cenário em que as novas gerações enfrentarão restrições de acesso à “fonte da vida”, como conciliar também as necessidades de empresas de setores como os de alimentação, bebidas, farmacêutico e da indústria de cosméticos, que utilizam em seus produtos a mesma água para consumo humano?
O problema não está só em conciliar, mas em mensurar exatamente quanto e de que maneira essa água será consumida. A publicação Fatos e Tendências – Água, do World Business Council for Sustainable Development (WBCSD), atenta para o seguinte fato: quando um país exporta bens, exporta também “água virtual”.
A esse propósito, documento divulgado no ano passado pela World Wildlife Foundation (WWF) traz informações relevantes. O estudo Determinando a Pegada da Água; Identificando e Abordando os Riscos Associados à Água nas Cadeias de Valor avaliou a pegada ecológica da água das cervejas da empresa SAB-Miller, produzidas na África do Sul e na República Tcheca, e todos os elos de sua cadeia produtiva.
O relatório revela que, na África do Sul, essa pegada é de 155 litros de água para cada litro de cerveja produzido. No entanto, 98,3% provêm do cultivo das culturas envolvidas, tanto locais como importadas. Ou seja: a maior parte da pegada se concentra na agricultura, em especial da cevada, e não na cervejaria.
Se isso parece muito, estudo recente conduzido pelo Pacific Institute  (puxar fio) apontou que o café, o vinho e o suco de maçã apresentam pegadas de água três vezes maiores que a da cerveja.

Água virtual e os serviços do ecossistema
Quinto maior produtor de cerveja, o Brasil é também, segundo o Conselho Mundial da Água (World Water Council – WWC), o 10º maior exportador de água virtual do mundo, em lista encabeçada pelos Estados Unidos, que anualmente vendem ao exterior em média 164 milhões de metros cúbicos desse recurso.
Como o sistema econômico não considera os serviços do ecossistema, o preço dos produtos exportados pode não compensar os gastos, no longo prazo, para a recuperação dos mananciais e de ambientes locais. Dessa forma, as nações exportadoras acabam mais perdendo do que ganhando, especialmente se os artigos agrícolas são produzidos de forma insustentável, com danos para os ecossistemas locais, como por exemplo, a poluição do solo e a exploração demasiada dos recursos hídricos.
Um país que sofre com escassez de água pode importar produtos que demandam muito essa matéria-prima em vez de produzi-los internamente. Fazendo isso, ele não só economiza volumes expressivos de água como alivia a pressão sobre os seus recursos hídricos, tornando-o acessível para outros usos.
Daí decorre, portanto, a importância de se calcular a pegada ecológica. No caso da cerveja da África do Sul, a fabricante SAB Ltda. trabalha com os produtores de cevada para melhorar a irrigação e a produtividade, mantendo seus esforços junto à WWF para proteger as bacias hidrográficas onde opera.
“O que mais importa é que a informação está sendo usada para garantir que seus associados comerciais, particularmente os produtores agrícolas, sejam estimulados a fazer uso mais eficiente dos recursos hídricos”, declarou Stuart Orr, responsável pelo programa de pegada ecológica da água da organização não governamental.
De acordo com Conselho Mundial da Água o comércio de água virtual tem implicações geopolíticas, induzindo à dependência entre países. Sendo assim, pode, ao mesmo tempo, ser um estímulo para a cooperação e a paz ou um foco de potenciais conflitos.
Disponibilidade e qualidade do recurso
Além da disponibilidade, a qualidade desse recurso é extremamente importante para alguns setores industriais, como os de beleza, higiene e cosméticos. “A água será o próximo carbono. Na verdade, ela é mais relevante para esses e outros segmentos do que o próprio carbono. Cerca de 95% dos cosméticos são compostos de água. Nunca sabemos exatamente a sua procedência, com exceção dos produtos feitos a partir de água mineral, casos da Vichy ou La Roche Posay”, afirma Elisabeth Laville, CEO da Utopies.
Além disso, o consumo desses produtos também tem impacto na natureza. Quando se utiliza gel para banho, xampu ou filtro solar, várias substâncias são lançadas nos rios, mares e oceanos. Filtros solares não biodegradáveis, por exemplo, podem destruir recifes de corais.
“Assim como as pegadas de carbono já estão orientando as escolhas dos consumidores, as pessoas vão optar por um produto em detrimento de outro porque ele usa menos água”, aposta Janine Benyus, do The Biomimicry Institute, observando uma realidade bastante comum na Europa e nos EUA.
O consumo de água deve também influenciar cada vez mais a decisão de investidores. O exemplo mais notório é o CDP Water Disclosure. Depois de incentivar as empresas a revelar suas emissões de carbono e estratégias para combater as mudanças climáticas, os investidores reunidos no Carbon Disclosure Project agora solicitam informações sobre o consumo e gestão de água. O pedido – enviado a 302 empresas dos setores de uso intensivo de água – foi assinado por 137 instituições financeiras globais, entre elas Allianz Group, CalSTRS, HSBC, ING, Mitsubishi UFJ Financial Group (MUFG) e National Australia Bank, que juntas totalizam U$S 16 trilhões em ativos.
“As mudanças climáticas impactarão a disponibilidade dos recursos hídricos, podendo até inviabilizar uma série de atividades econômicas. Portanto, é natural que os investidores queiram saber como as empresas estão lidando com essas questões, que passam a integrar a gestão de riscos dos mais variados tipos de negócios”, destaca Paul Dickinson, executivo chefe do CDP.
O estudo do WBCSD destaca, ainda, uma outra questão: a elevação das temperaturas por conta das mudanças climáticas pode aumentar a taxa de evaporação dos cursos de água e dos reservatórios e também conduzir à perda da água doce retida nos glaciares. Além disso, o aumento da chuva deve surgir na forma de tempestades que provocarão cheias, certamente mais prejudiciais do que benéficas. Ou seja, vale a pena – mesmo – refletir sobre a frase de Elisabeth Laville, da Utopies: “A água será o próximo carbono.”
O que dizem as empresas
Até alguns anos atrás, o problema da escassez era tema de preocupação basicamente entre os setores que utilizam o recurso de forma intensiva. Hoje, a questão está na pauta de todas as empresas: água foi a segunda tendência mais citada, junto com emissões de CO2, e também a segunda apontada como mais relevante pelos representantes de empresas ouvidos por Ideia Sustentável. Justifica-se. A falta de água potável poderá ampliar conflitos sociais em diversos países, afetando diretamente a economia. Desse modo, ninguém está imune aos riscos de uma possível escassez.
De acordo com Claudia Malchitzky, executiva sênior de sustentabilidade do HSBC, a água é um dos principais insumos de grande parte da carteira de financiamentos da instituição, que abrange desde o crédito rural até projetos de geração de energia. “O risco de crédito também vai resultar em grandes oportunidades relacionadas ao desenvolvimento de serviços que aliem retorno financeiro a soluções como linhas de crédito para impulsionar inovações, financiamento de mudanças tecnológicas frente às constantes pressões legislativas e produtos de seguros que protejam nossos clientes de possíveis perdas relacionadas à falta de água – ou ao seu excesso, em eventos climáticos extremos”, ressalta.
No caso do setor de mineração, que utiliza o recurso intensivamente, o debate integra a agenda de empresas líderes. Na Anglo American, trabalha-se o conceito de circuito fechado de água (que leva em conta desde a extração até a reutilização em alguns procedimentos), além do estabelecimento de metas para o controle dos recursos hídricos. Já a Vale, que tem buscado reduzir o uso de água em seus processos, conseguiu alcançar um nível de 76% de reutilização. “Hoje em dia não é possível realizar uma operação de exploração de minérios sem um controle efetivo da emissão dos gases poluentes e da utilização da água no processo industrial”, ressalta Vania Somavilla, diretora de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Vale.
Outro setor de consumo intensivo, o de bebidas, tem atuado fortemente na conservação e otimização de recursos hídricos dentro e fora de suas unidades. A composição da cerveja, por exemplo, leva 95% de água. Contingências desse tipo obrigam empresas como a Ambev a investir em metas agressivas para reduzir sua utilização no processo produtivo. “O uso eficiente da água é fundamental para o crescimento contínuo e sustentável do nosso negócio. Estabelecemos o objetivo de diminuir o consumo na produção de bebidas em 11%, até 2012”, destaca Sandro Bassili, diretor de Sustentabilidade da Ambev.
Para tanto, a empresa desenvolve o projeto Pegada Hidrológica, cujas etapas de mapeamento e medição estarão finalizadas até o final de 2010. A ação integra o Movimento Cyan – Quem Vê a Água Enxerga o Seu Valor, iniciativa por meio da qual a companhia pretende chamar a atenção da sociedade para o consumo racional do recurso.
 

Produtos mais eficientes
Se a escassez pode afetar diversos pontos da cadeia produtiva de grandes empresas, a necessidade de uso de água para consumo em certos produtos deve, obrigatoriamente, entrar na conta de uma gestão eficiente. Reduzir custos e ampliar a consciência do consumidor foi um dos objetivos da Unilever ao lançar produtos mais concentrados, como o amaciante Confort, que faz parte do projeto Sustentabilidade de Ponta a Ponta do programa Pacto pela Sustentabilidade, uma parceria entre fornecedores e a rede de varejo Walmart.
“Os concentrados representam uma categoria que consegue incorporar a ideia da sustentabilidade, pois demandam menos água na formulação e no uso. Estamos tentando estender o conceito, estimulando o consumidor a integrar essa cadeia consciente”, destaca Juliana Nunes, diretora de Assuntos Corporativos da Unilever.
Em um contexto de potencial escassez global, possuir água em abundância aumenta a responsabilidade do Brasil de conservar o recurso. Para lidar com esse desafio, o Banco do Brasil mantém o programa Água Brasil, que desenvolve projetos socioambientais em 14 microbacias, em sete unidades hidrográficas de gerenciamento de recursos hídricos, junto com a Agência Nacional de Águas (ANA), a Fundação Banco do Brasil e a WWF.
“Ter a maior bacia hidrográfica do mundo é motivo de orgulho. Por outro lado, obriga a todos nós, brasileiros, a sermos mais responsáveis. O Banco do Brasil considera essa tendência muito relevante por causa de sua forte presença  no segmento do agronegócio”, ressalta Robson Rocha vice-presidente de Pessoas e Desenvolvimento Sustentável do Banco do Brasil.
A forte atuação do País no setor agrícola também levou a Amanco a investir em produtos para otimizar o uso de água. Bom exemplo é o tubo gotejador, uma solução desenvolvida para reduzir o desperdício por evaporação. “A irrigação é um dos processos que mais consome água no Brasil: cerca de 59% de seu uso total tem essa finalidade. Então temos uma grande oportunidade para trabalhar com produtos mais eficientes”, destaca Regina Zimmermann, diretora industrial da empresa.

Caminho das pedras – O que as empresas podem fazer para controlar riscos1. Medir as pegadas de água e carbono em toda cadeia de valor.2. Avaliar riscos físicos, regulatórios e de reputação relacionados à água e associados às mudanças climáticas.
3. Integrar as questões da água e do clima no planejamento estratégico e atividades operacionais do negócio.
4. Engajar os principais stakeholders como parte da avaliação sobre água e riscos climáticos, do planejamento de longo prazo e de atividades de implementação.
5. Identificar e comunicar o desempenho de carbono e água e os riscos associados.
6. Buscar oportunidades para a ação coletiva. Pelo fato de água e energia estarem ligadas a questões sociais, culturais e ambientais, as empresas raramente conseguem sozinhas alcançar os melhores resultados de gestão.
Fonte: Estudo Climate Change and the Global Water Crisis: What Businesses Need to Know and Do (Mudanças Climáticas e a Crise Global da Água: o que os Negócios Precisam Saber e Fazer), produzido pelo  Programa das Nações Unidas Para o Meio Ambiente (UNEP), Global Compact e Pacific Institute.
Para saber mais – Iniciativas e organizações importantes de conhecerIniciativa de Ciclo de Vida UNEP/ SETAC
Lançou um grupo de trabalho para avaliar o uso da água e o consumo interno dentro de Análise de Ciclo de Vida (ACV). Este grupo foi criado para oferecer às empresas um indicador de ACV sobre quantidade e qualidade da água, integrando-o à ISO 14040.Commonwealth Scientific and Industrial Research Organisation (CSIRO)
Recentemente, facilitou a implementação de ACV em empresas de mineração na Austrália, ajudando-as a avaliar as implicações da produção de diferentes metais e rotas de processamento no uso da água e os componentes de sua cadeia de valor com os maiores impactos relacionados ao recurso.WASB – Water Accounting Standards Board
Como parte do programa do governo australiano Raising National Water Standard, o WASB é responsável pela supervisão e coordenação do desenvolvimento de todos os padrões nacionais para a mensuração de água. Publicou recentemente o Water Accounting Conceptual Framework (WACF), que fornece orientação para a preparação e apresentação das contas de água de uso geral, bem como um padrão preliminar de contabilidade destinado a harmonizar os métodos e indicadores usados para medir o consumo de água e a descarga de resíduos. Esses documentos são aplicáveis a diversos setores, incluindo o privado.BIER Water Footprint
Uma coalizão de empresas globais de bebidas formou esse Grupo de Trabalho para desenvolver diretrizes específicas para o setor e avaliar o uso da água e impactos de uma empresa ou produto. Essas orientações representam uma tentativa de estabelecer padrões para mensurar o uso de água e definir métodos de cálculo comuns para a indústria de bebidas. As diretrizes fornecerão instruções detalhadas para insumos e operações específicas do setor. Sua publicação está prevista para o final de 2010.Corporate Water Gauge
É uma ferramenta/método de medição baseada em um contexto que mede a sustentabilidade de uma instalação e/ou uso de água da empresa em função das condições locais relevantes, levando em conta os volumes, as fontes, as entradas e saídas de água e as populações com as quais esse recurso deve ser compartilhado. Foi desenvolvida pelo Centro de Inovação para o Desenvolvimento Sustentável.Minerals Council of Australia (MCA)
Desde 2005, o MCA tem desenvolvido uma plataforma para a indústria de mineração com o objetivo de quantificar o fluxo de água dentro e fora das instalações, métricas para reportar uso de água e descarga de resíduos, água reciclada e um modelo detalhado para balanço operacional de água.
Alliance for Water Stewardship (AWS)
Iniciativa para o desenvolvimento de um programa global de certificação e manejo de água doce, esse programa proporcionará um rótulo ambiental voluntário que recompensa a gestão responsável do uso da água como vantagem competitiva. O sistema vai requisitar a quantificação do uso da água, descarga de resíduos e impactos. A Aliança pretende se basear em metodologias já existentes como uma tentativa de evitar sobreposição de esforços. O programa de certificação será aplicado tanto a “usuários” (empresas) quanto a “fornecedores” de água.
Water Footprint Network (WEN)
Lançada com o objetivo de coordenar esforços entre academia, sociedade civil, governos, setor privado e organizações para desenvolver e disseminar conhecimento em conceitos de pegada de água, métodos e ferramentas.
FONTE: Estudo Corporate Water Accounting – An Analysis of Methods and Tools for Measuring Water Use and Its Impacts (Contabilidade Corporativa de Água – Uma Análise dos Métodos e Ferramentas Para Medir o Uso de Água e seus Impactos) – Programa das Nações Unidas Para o Meio Ambiente, Pacto Global e Pacific Institute – 2010.

 
 

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