Especial – Tendência 4: Desmaterialização

Especial – Tendência 4: Desmaterialização

Quando menos é muito mais para o planeta
O esgotamento dos recursos naturais e os problemas decorrentes da poluição reforçam a necessidade de redução drástica do consumo de recursos naturais e energia. Diante desse quadro, a transição gradual para uma economia desmaterializada se apresenta como uma saída. Aumento da eficácia dos produtos, reutilização e reciclagem, virtualização de produtos e processos são alguns dos princípios a serem incorporados pelos negócios
Detergentes concentrados, eletrônicos que cabem na palma da mão, softwares de comunicação reduzindo a necessidade de deslocamentos. Esses são apenas alguns exemplos de desmaterialização. O tema – como se vê – não é necessariamente novo, mas ganhou fôlego com a expansão das tecnologias da comunicação e informação e a promessa de substituir átomos por bits.
Segundo Jonathan Koomey, pesquisador do Lawrence Berkeley Lab e professor na Universidade de Stanford, um dos maiores especialistas em desmaterialização, algumas necessidades nunca serão substituídas por informação (alimentos, por exemplo), mas muitas outras que hoje tomamos como certas, como se deslocar para o trabalho todos os dias, podem ser substancialmente alteradas em alguns anos.
“Os setores de mídia e transporte serão as primeiras indústrias a se remodelar. Mas veremos efeitos estruturais maiores como companhias começando a integrar a tecnologia da informação nas suas operações completamente. Maior disponibilidade de sensores a um preço mais baixo significa mais medidas e informações, que deverão permitir às companhias ser ainda mais eficientes em como elas produzem e transportam bens”, destaca.
A automação e a virtualização, no entanto, representam apenas parte de uma economia desmaterializada, que inclui a criação de novos e melhores produtos (reduzindo o consumo de energia e necessidade de transporte) ou ainda a eliminação da necessidade dos antigos e a definição de novos comportamentos, entre outras estratégias.
A desmaterialização se apresenta como uma rota alternativa frente ao atual modelo de produção e consumo, que tem causado o esgotamento dos recursos naturais. Como consequência de uma economia baseada na lógica do descartável, desenvolvida nos últimos 50 anos, a humanidade ultrapassou em 20% a capacidade de suporte e reposição da biosfera.
O ambientalista Lester Brown é outro assíduo estudioso do tema. Em seu Plano B 4.0: Mobilização Para Salvar a Civilização (coeditado no Brasil por Ideia Sustentável), ele reforça que, na natureza, fluxos lineares descartáveis não sobrevivem por muito tempo porque os processos se organizam em ciclos fechados.

Resíduo zero
Como primeiro passo para a desmaterialização da economia, Brown defende a redução do uso de materiais, citando a Alemanha como exemplo de pioneirismo e fonte de inspiração. Na década de 90, Ernst von Weizsäcker, líder ambiental no parlamento alemão (o Bundestag), demonstrou que as modernas economias industriais poderiam funcionar sem problemas usando apenas um quarto das matérias-primas exploradas na época. “Alguns anos mais tarde, Friedrich Schmidt-Bleek, fundador do Instituto Fator Dez, na França, mostrou que era tecnologicamente possível aumentar – por um fator 10 – a produtividade dos recursos, dada a política de incentivos”, destaca Brown.
O arquiteto americano William McDonough e o químico alemão Michael Braungart também foram pioneiros nessa área. Em seu livro Cradle to Cradle: Remaking the Way We Make Things (Berço ao Berço: Refazendo a Maneira Como Fazemos Coisas), concluíram que o desperdício e a poluição devem ser inteiramente evitados. “A poluição é um símbolo do fracasso do projeto”, diz McDonough.
Nas últimas duas décadas, ecologistas e designers de todo o mundo trataram de difundir essa lógica ao ponto de, hoje, a ideia de McDonough já ter se tornado consenso em grande parte dos setores industriais.
Outra medida que deve ser combinada à redução do uso de materiais é a reciclagem. Em Plano B 4.0, Brown resgata os dados do artigo Recycling Industry Offers Recession-Proof Investing (As Ofertas de Investimentos à Prova da Recessão da Indústria de Reciclagem), de Rona Fried, publicado na revista Solar Today (julho/agosto de 2008). “As crescentes taxas de reciclagem e a transição para sistemas mais eficientes de manufatura podem facilmente reduzir em 32% o uso de energia nesse segmento industrial em todo o mundo”, afirma a autora.
A indústria, incluindo a de aço, cimento e papel, responde por 30% do consumo mundial de energia. A petroquímica, que reúne produtos como plásticos, fertilizantes e detergentes, é a maior consumidora no setor manufatureiro, representando cerca de um terço do uso industrial global.
Fried lembra, ainda, que o aço feito de sucata consome apenas 26% de energia em relação ao produzido com minério de ferro. Para o alumínio, esse número é de 4%. O plástico reciclado usa apenas 20%. E o papel 64%, com bem menos químicos durante o processo.
“Se as taxas mundiais de reciclagem desses recursos fossem equiparadas àquelas já adotadas pelas economias mais eficientes, as emissões de carbono cairiam rapidamente”, conclui Fried em seu artigo.
Embalagens, grandes vilãs
Como deve ser feita a disposição de um produto depois do uso? Ele poderá ser reciclado ou reutilizado? Se lançado no meio ambiente, seus materiais são biodegradáveis? Possuem substâncias prejudiciais à saúde das pessoas e do ambiente? É possível utilizar resíduos de algum processo produtivo na sua fabricação? Essas são algumas das questões com as quais os designers começam a se deparar na concepção de seus projetos e também as empresas, na sua decisão de investimento em pesquisa e desenvolvimento e gestão de processos produtivos.
Essas preocupações se voltaram principalmente para a questão das embalagens. À medida que as montanhas de lixo se multiplicam em todo o mundo, reforça-se a necessidade de estabelecer limites para o modelo de produção atual.
Segundo pesquisa realizada recentemente pela The Packaging Community  (puxar fio), a questão ambiental passou a ser um fator mais importante para tomadores de decisão no setor. Mais da metade dos entrevistados (57%) afirma que a sustentabilidade influencia suas escolhas, e mais de um terço (35%) diz que as embalagens se tornarão mais ecoamigáveis. As exigências dos varejistas, como utilidade do espaço e facilidade de armazenamento, são as maiores preocupações. Mas o estudo revela um outro aspecto interessante: critérios tradicionais, como diferenciação de marca, conveniência e proteção, ficaram abaixo do item sustentabilidade na lista de prioridades apontadas pelos entrevistados.
A publicação Packaging in the Sustainability Agenda: A Guide for Corporate Decision Makers explica que a pressão acerca do tema embalagens não é um fenômeno novo, mas tem crescido significativamente nos últimos anos. O estudo, produzido pelo European Organization for Packaging and Environment, em parceria com o ECR Europe, ressalta que as embalagens são vistas normalmente pelos consumidores e pela mídia de forma isolada.
O guia destaca ainda que se atinge uma melhor performance quando produto e embalagem são desenhados juntos, desde a concepção. Janine Benyus, do Biomimicry Institute, também defende esse tipo de abordagem, apontando para a possibilidade de desenvolver embalagens que sejam parte do produto.
Na natureza – acredita – há uma série de estratégias de embalagem. “Uma laranja não é uma bola com líquido dentro. É uma bola que está cheia de células que contêm líquido dentro”, atenta. Segundo a bióloga, quando se corta uma laranja, o líquido não se espalha porque existem enzimas que funcionam como um “gatilho”. “Essas enzimas permitem que se possa quebrar a embalagem um pouco, sem dispersar todo o volume. Então poderíamos usar esse princípio no setor de cosmético, desenvolvendo uma embalagem de xampu feita do próprio produto ou então, talvez, transformando a embalagem em um sabonete”, afirma.
O que dizem as empresas
A desmaterialização parece uma prática distante da realidade de muitas empresas. Apenas parece. Como compreende vários níveis – do design à TI – o conceito começa a ser percebido como uma grande oportunidade para redução de custos e otimização de produtos e serviços. Não são poucas as companhias que estão mudando a composição de seus lançamentos, reduzindo embalagens e virtualizando processos.
A Unilever, por exemplo, tem investido na nova concepção de itens e na conscientização do consumidor sobre seus benefícios. Exemplos disso estão em opções de produtos mais concentrados e na eliminação de partes desnecessárias de embalagens, como a tampa do desodorante de uma das marcas da empresa. “A ideia é questionar de que maneira se consegue realmente reduzir a quantidade ou o peso das embalagens, ou garantir seu reaproveitamento”, destaca Juliana Nunes, diretora de Assuntos Corporativos da Unilever.
Seguindo essa tendência, a Cargill diminuiu o uso de matéria-prima para produção das garrafas de óleo Liza como parte de um compromisso assumido com o Walmart, no projeto Sustentabilidade de Ponta a Ponta, que visa tornar sustentável todo o ciclo de vida de diversos produtos. “Com isso conseguimos reduzir o uso de matéria-prima não renovável, as emissões de CO2 no transporte e a geração de resíduos, entre outros benefícios. É uma economia de escala”, avalia Fernando Costa, consultor de Responsabilidade Corporativa da Cargill. No campo da inovação, a empresa lançou recentemente um novo tipo de plástico – o Ingeo – feito à base de plantas, que se decompõe em poucos meses em condições de biodegradabilidade.
Os consumidores também estão cada dia mais críticos em relação ao excesso de material nos produtos e embalagens. De olho nessa tendência, a Phillips começou a embalar de forma mais eficiente algumas linhas de produtos, principalmente os de iluminação e eletrônica de consumo. A ideia já integra a estratégia da companhia. “No curto prazo, a tendência é chegar ao mínimo possível do consumo de materiais e optar por versões recicláveis, de modo que o ciclo de vida seja fechado. No longo prazo, novas técnicas de distribuição de produtos serão comuns, o que pode levar à eliminação quase por completo do uso de embalagens para transporte e conservação”, avalia Walter Duran, diretor de Sustentabilidade da empresa.
Por outro lado, alguns estudos europeus sobre tendências para embalagens indicam que a proteção que o plástico oferece aos produtos (evitando quebras ou desperdício de alimentos no transporte, por exemplo) somada ao seu peso (mais leve que muitos materiais, o que diminui a pegada de carbono na logística de transporte) são aspectos fundamentais para um mundo sustentável, no qual a eficiência produtiva e logística tornam-se essenciais para reduzir a pressão sobre os recursos naturais. “As embalagens serão menos descartáveis e mais inteligentes, informando ao consumidor dados importantes sobre o produto (quando foi produzido, se a embalagem foi violada, se a temperatura está adequada, pegadas de água e carbono), acredita Jorge Soto, diretor de Desenvolvimento Sustentável da Braskem.
A mesma lógica vem sendo discutida também em outros setores. No bancário, por exemplo, experiências com virtualização de serviços crescem entre as instituições financeiras, transformando antigos modelos de negócios. Segundo Domingos Figueiredo Abreu, vice-presidente do Bradesco, o mercado brasileiro tem caminhado para a desmaterialização com o apoio da tecnologia.
“Temos exemplos como os processos de pagamento eletrônico, cartões e internet, que em um curto período de tempo praticamente desbancaram o bom e velho talão de cheques. Mais recentemente, implantou-se o Débito Direto Autorizado (DDA), um sistema de boleto bancário eletrônico desenvolvido pela Febraban que permite o acesso eletrônico às contas a pagar, sem que seja necessário recebê-las de forma impressa. Os próprios consumidores já começam a ficar incomodados com a quantidade de resíduo gerada de forma desnecessária”, avalia.

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