Especial – Tendência 6 – Biomimetismo

Especial – Tendência 6 – Biomimetismo

Imitando a natureza
A natureza atuará não apenas como provedora de ativos para a produção de produtos, mas na orientação de novos processos e modelos de negócios, com benefícios econômicos, ambientais e sociais
Em 1948, depois de um passeio com seu cão de estimação, o engenheiro suíço George de Mestral dedicou-se por alguns minutos a observar os cardos – popularmente chamados de “carrapichos” – retirados das próprias calças e do pêlo de seu animal. Descobriu que as pequenas e “pegajosas” sementes vegetais continham, em sua estrutura, minúsculos ganchos nas pontas. A partir dessa experiência, inventou o velcro.
Na época, ele ficou desiludido com o fato de os estilistas de moda não aderirem imediatamente ao material, “provavelmente devido ao barulho de rasgão.” Anos mais tarde, a invenção seria utilizada na primeira cirurgia cardíaca artificial, tendo como um dos clientes inaugurais nada menos que a Agência Espacial Americana (NASA), que passou a usar o velcro para prender objetos soltos em condições de gravidade zero e no interior dos capacetes e nas luvas – maneira de facilitar aos astronautas, por exemplo, coçar a cabeça com mais facilidade na hora do sufoco.
Experiências como a de Mestral integram o chamado Biomimetismo ou Biomimética, disciplina que procura soluções sustentáveis por meio da imitação dos padrões da natureza, testados ao longo de muitos anos. Hoje, ninguém contesta que os ecossistemas apresentem soluções interessantes para muitos dos dilemas enfrentados pelas indústrias dos mais variados setores. Segundo Janine Benyus, bióloga, escritora e consultora americana do The Biomimicry Institute, os organismos utilizam conservantes e estabilizantes, sem necessitar de químicos persistentes, substâncias tóxicas ou perigosas.

O efeito lótus
Na área de cuidados com a pele e com o cabelo, há uma série de modelos da natureza que podem ser replicados. O “efeito de lótus” é um dos casos de biomimetismo mais bem-sucedidos nessa área. No início da década de 70, o botânico germânico Wilhelm Barthlott, da Universidade de Bona, notou que a flor de lótus mantém sua superfície sempre limpa. O segredo reside nas micro e nanoestruturas cerosas. Devido ao ângulo de contato com elas, a água forma gotas que rolam, levando consigo toda a sujeira encontrada no caminho. Anos mais tarde, além da cosmetologia, a patente de Barthlott seria aplicada por uma pequena empresa de tintas de Atlanta. Ao recriar as microssaliências da flor de lótus, o produto repele a água e resiste a manchas durante décadas.
Em outro exemplo do potencial do biomimetismo, as estruturas das asas de muitas borboletas interagem com a luz para produzir cor. A borboleta usa o sistema para camuflagem, termorregulação e sinalização. Esse processo está sendo reproduzido para fabricação de pigmentos e tintas sem a utilização de substâncias tóxicas (por exemplo, para tecidos furta-cor e cosméticos).
Chuveiro com jeito de girassol
Exemplos recentes demonstram que o biomimetismo oferece repertório vasto para inovações em produtos e processos. Segundo o site de economia verde Green Biz, a Moen, gigante americana do ramo de encanamentos, introduziu no mercado um chuveiro eficiente, cujos orifícios da ducha são inspirados nas formas espirais das sementes do girassol.
A fabricante alemã Ziehl-Abegg adaptou uma pá do ventilador de ar-condicionado que imita as bordas serrilhadas da asa da coruja, reduzindo ruído e consumo de energia. A também americana InterfaceFlor – já veterana em iniciativas de sustentabilidade – desenvolveu a linha de carpetes Entropy, que imita a paleta de cores dos solos naturais da floresta, o que resulta em produtos de fácil adequação, menos resíduos e devoluções, além de instalação simplificada. Herman Miller, Nike e Boeing, entre outras, são corporações que também têm apostado no biomimetismo.
Já a Biomimicry Guild, empresa especializada em orientar designers, engenheiros e arquitetos a inovar por meio da bioinspiração, anunciou uma parceria com a potência do ramo da arquitetura HOK para incorporar princípios do biomimetismo em projetos para edifícios, vilas e cidades. Segundo o Green Biz, a parceria começou a atuar recentemente em Lavasa, Índia, em uma área de 21 milhões de metros quadrados.
Por meio da Unilever Technology Ventures (UTV), a Unilever ajuda empreendedores a começar seu negócio. E um dos seus focos de investimento tem sido companhias recém-criadas nas áreas de ciência da vida e ciência material; medicina personalizada, biologia dos sistemas, identificação por radiofrequência, ciência das plantas e purificação da água.
No campo do design de embalagens também há uma série de modelos naturais que podem ser reproduzidos para ajudar a obter soluções que consumam menos recursos e que sejam, ao mesmo tempo, reutilizáveis, recicláveis ou biodegradáveis. O mesmo vale para os processos produtivos que podem se inspirar na natureza para estabelecer ciclos fechados.
Capitalismo natural
O biomimetismo é também um dos princípios do chamado “capitalismo natural”, apresentado por Amory Lovins e L. Hunter Lovins, juntamente com Paul Hawken, no livro de mesmo nome. Esse princípio prevê a reorientação da produção segundo linhas biológicas, com circuitos fechados, nenhum desperdício e zero toxicidade. Isso reduz as pressões sobre os sistemas naturais, transforma os materiais descartados em aportes para novos compostos e permite que produtos de qualidade superior sejam produzidos com custos mais baixos.
Em artigo publicado na revista Exame, o casal Lovins conta o caso da Steelcasem. Quando a empresa pediu ao arquiteto William McDonough e ao químico “verde” Michael Braungart que recriassem certo produto têxtil, eles mostraram que, eliminando 99,5% de toxicidade das substâncias químicas usadas na fabricação, podia se chegar a uma mercadoria mais atraente e durável. Seu custo também seria reduzido, pois o processo de fabricação não mais causaria o envenenamento de trabalhadores ou de vizinhos. McDonough diz que essa reengenharia “tirou os filtros das chaminés e colocou-os onde deviam estar, isto é, na cabeça dos projetistas”.
Apesar dos avanços rumo a uma mudança de modelo mental das empresas, o caminho para utilizar conceitos do biomimetismo não é plano e livre de barreiras nas empresas. Pesquisadores da University of Massachusetts apontam que, como muitos conceitos científicos, existem problemas na forma de inseri-lo no processo industrial. “Enquanto substâncias como metal, vidro e plástico são fáceis de reciclar, materiais compostos complexos são mais difíceis e exigem uma decomposição química. Estruturas fortes de conchas e compostos de ossos para carros, por exemplo, podem ser mais leves e tão resistentes quanto o aço, mas também potencialmente mais difíceis de reciclar”, afirma o professor Paul Calvert.
Como a natureza faria…
A expansão do conceito de biomimetismo – e a busca de soluções a partir de seu uso – passa por um aumento da circulação e partilha de informações. Em todo o mundo, já há esforços nesse sentido. A AskNature.org, projeto do Biomimicry Institute, publica um banco de dados amplo – a única biblioteca online aberta do gênero – no qual os usuários podem pesquisar e estudar as soluções da natureza para os desafios do design.
O site permite – como o próprio nome indica – fazer uma consulta que começa com “Como a natureza faria …” Basta adicionar um verbo, palavra-chave ou frase curta. Assim, por exemplo, se a pergunta for: “Como a natureza iria aderir”, são apresentadas respostas sobre a forma de aderência de um inseto, bactéria, vegetal, animal ou outro ser vivo relacionado no banco de dados. Novos cliques podem revelar, ainda, potenciais produtos e ideias de aplicação.
Outra iniciativa relevante é o Nature’s Best 100, projeto em desenvolvimento para pesquisar as informações biológicas disponíveis em cerca de 10 a 30 milhões de espécies. Uma relação de designs e estratégias bem adaptadas da natureza está sendo compilada, classificada e votada em colaboração com cientistas, empresários e políticos de todo mundo. A lista final, com 100 indicações, destacará os organismos e ecossistemas ao redor do mundo com maior potencial de soluções inovadoras nas áreas de fabricação, materiais, saúde, energia, química, agricultura, silvicultura, pesca, construção e economia. A IUCN (União Internacional Para Conservação da Natureza) e o INEP (Programa Ambiental da ONU) estão entre os parceiros dessa experiência.
Se a tendência do biomimetismo realmente se confirmar, nos próximos anos, ela acabará por dar novo tom à conhecida paródia da Lei de Lavoisier de que “neste mundo, nada se cria, tudo se copia.” Se é para copiar, que, pelo menos, seja do original!

BOX: Candidatos à lista Nature’s Best 100
•  Ar-condicionado inspirado em cupinzeiros
•  Cluster econômico inspirado nas florestas tropicais
•  Negócios com maior valor agregado baseados na reciclagem de nutrientes
•  Controle de bactérias inspirado nas algas vermelhas
•  Material de construção de CO2 inspirado em moluscos
•  Sistema de “colheita nevoeiro” (fog harvest) inspirado em um besouro do deserto
•  Cluster econômico inspirado no manguezal
•  Vacinas sem refrigeração inspiradas na planta da ressurreição
•  Fabricação de fibra inspirada nas aranhas orbitelas ouro
•  Sistema de purificação de água inspirado no ecossistema pantanal
•  Sistema de captura de C02 baseado nas algas
•  Substituição de marcapasso inspirada nas baleias jubarte
•  Retardante de fogo inspirado em células animais
•  Plásticos de CO2 baseados em plantas
•  Automontagem de vidro inspirada em esponjas do mar
•  Método de cicatrização que reproduz técnicas das moscas
•  Células fotovoltaicas inspiradas no mecanismo das folhas
•  Ventilador sem atrito inspirado no molusco nautilus
•  Controle bacteriano inspirado na planta bérberis
•  Superfícies de autolimpantes inspiradas na flor-de-lótus
•  Branqueadores ópticos inspirados no besouro Cyphochilus
•  Adesão sem cola inspirada no lagarto geckos

Biomimetismo à brasileira
Fome de carbono
O Brasil também está representado na galeria de casos de inovações inspiradas na natureza. Em 1996, um grupo de pesquisadores ligados à Zeri, fundação presente em várias partes do mundo que busca soluções para reduzir as emissões de gases poluentes, passou a fomentar pesquisas na área de biomimetismo no Brasil.  Depois desse pontapé inicial, os projetos receberam novos investimentos e seguiram trajetória própria, como é o caso das pesquisas realizadas com microalgas na Universidade de Rio Grande (Furg).
Iniciadas em 1999, elas dividem-se em duas frentes. A primeira relaciona-se ao cultivo da spirulina para produção de alimentos enriquecidos, iniciativa que contou com investimentos de instituições como a Amana-Key, Fundação Banco do Brasil, Petrobras e Copesul (atual Braskem) ao longo do seu desenvolvimento. Em 2010, transformou-se em política pública, com a aprovação pelo Plano Municipal de Segurança Alimentar de Rio Grande (RS). A partir de então, os alimentos enriquecidos com spirulina e produzidos na fábrica da Furg passaram a integrar a merenda de duas escolas da rede pública de ensino do município, atendendo mil crianças.
Na outra linha de pesquisa, as algas demonstram seu potencial de redução das emissões de carbono em unidades fabris. Em 2007, a Furg firmou um convênio com a Companhia de Geração Térmica de Energia Elétrica – Eletrobras CGTEE para instalação de uma planta-piloto para fixação de carbono por microalgas na Usina Termelétrica Presidente Médici – UTPM – Candiota II. Nesses três anos de operação, constatou-se um potencial de redução de 50% nas emissões, estimadas em três milhões de toneladas por ano naquela unidade.
A Furg também tem uma parceria com a Afasa, indústria de sacos plásticos localizada em Ribeirão Preto, onde instalou uma planta-piloto para desenvolvimento de biopolímeros PHB a partir de microalgas. “Esses materiais podem ter uma série de aplicações como a fabricação de sacolas plásticas e embalagens de alimentos biodegradáveis”, explica Jorge Alberto Vieira Costa, professor da Universidade Federal do Rio Grande, responsável pelos projetos citados.
Skate de Bambu
No Instituto de Tecnologia do Paraná (Tecpar), o foco de pesquisa está na exploração de novas funcionalidades apresentadas pelos organismos e sistemas naturais. Esse tipo de abordagem proporcionou o desenvolvimento de um shape de skate feito de bambu para a empresa Cisco. “Nos baseamos nas funções flexibilidade e resistência do bambu, que é até cinco vezes mais resistente do que a madeira. Além de ser mais sustentável, devido ao seu rápido crescimento”, explica Alexandre Akira Takamatsu, gerente da divisão de Tecnologias Sociais da Tecpar.
Outro projeto do instituto é o de biossistemas integrados, em que os pesquisadores procuraram compreender como a natureza estabelece ciclos fechados, reproduzindo essa lógica na gestão de resíduos da suinocultura.

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