Especial – Tendência 8 – Biodiversidade

Especial – Tendência 8 – Biodiversidade

Às comunidades e às florestas o que a elas pertecem
Tão importante quanto a conservação da diversidade biológica é assegurar a utilização sustentável de seus componentes e a participação equitativa nos benefícios que derivam dos recursos genéticos. Sendo assim, o uso ético da biodiversidade implica não só a redução dos impactos ambientais na extração de matérias-primas, mas também proporcionar o desenvolvimento justo e sustentável, sobretudo das comunidades tradicionais.
Ao manter com os ecossistemas relações de interdependência, essas comunidades formadas por caboclos, índios e ribeirinhos detêm grande parte do conhecimento das espécies e ciclos naturais. E o saber popular é um instrumento imprescindível para descobrir todo o potencial da biodiversidade, que inclui desde a exploração de princípios ativos até as incontáveis possibilidades de inovação apresentadas pelo biomimetismo.
A Convenção sobre Diversidade Biológica  (CDB) representa o principal tratado internacional para o reconhecimento e a valorização oficiais dos conhecimentos e práticas das comunidades tradicionais relacionadas à biodiversidade. Assinada por 188 países na Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (CNUMAD), realizada em 1992, no Rio de Janeiro, ela definiu as bases de uma nova cultura para o uso de ativos da floresta.
Com o passar do tempo, a CDB se transformou numa convenção-quadro, cujo objetivo consiste em estabelecer princípios e regras gerais, não determinando, portanto, prazos ou obrigações aos signatários. A sua implementação se dá a partir das decisões das Conferências das Partes (COP). Nelas, delibera-se sobre os temas relativos à implementação da CDB, por meio de protocolos anexos ou legislação dos países.
“A distribuição de benefícios é chave no trabalho ético com a biodiversidade. Este ano, haverá discussões internacionais sobre o tema. Esperamos para o mês de outubro um novo acordo internacional em matéria de distribuição de benefícios. E isso vai dar lugar à implementação nacional por meio de legislações e regulações. Haverá leis obrigando as empresas a operar segundo esses princípios. E as companhias que trabalharem com esses temas antes que sejam incluídos na legislação estarão em vantagem”, destaca Maria Julia Oliva, consultora sênior de acesso e repartição de benefícios da Union for Ethical BioTrade (UEBT).
A partir da CDB, tanto os recursos genéticos como os conhecimentos tradicionais associados a eles deixaram de ser de livre acesso, pois foram estipulados critérios para a sua regulação.

Respeito à sabedoria dos índios e aos direitos da natureza
A distribuição de benefícios da biodiversidade tem sido objeto de reflexão de alguns importantes pensadores. Um dos primeiros a tratar do assunto foi o economista norte-americano Jeremy Rifkin, conselheiro de líderes como Angela Merkel e Nicolas Sarkozi. Em seu livro O Século da Biotecnologia – A Valorização dos Genes e a Reconstrução do Mundo, escrito em 1999, o autor já afirmava que os conflitos gerados pela usurpação da sabedoria indígena e dos recursos nativos ocorreriam com cada vez mais frequência, à medida que os mercados globais, em uma mudança histórica, começassem a passar de uma economia baseada em combustíveis fósseis e metais raros para outra fundada em recursos genéticos e biológicos.
Diante desse cenário antecipado por Rifkin, Elizabeth Laville, da consultoria francesa Utopies, defende que as empresas precisarão desenvolver modelos de inovação opensource e aprender a não patentear mais certos ingredientes. “As companhias já admitem que, se possuem uma patente, seus concorrentes vão encontrar uma forma de lançar um produto equivalente. Então, qual o sentido de patentear um ingrediente que representa 0,03% do produto, especialmente se essa atitude viola os direitos de propriedade intelectual – ainda não reconhecidos formalmente – das populações locais?”, pondera a especialista.
Laville reforça ainda a importância de assegurar que o fornecimento desses ingredientes siga critérios de comércio justo. A fim de reduzir impactos sociais e ambientais, propõe também uma realocação da cadeia de valor. “Por que não usar ingredientes naturais da França para produzir cosméticos franceses, em vez de buscar matéria-prima em regiões tão distantes?”, questiona.
Verde que vale ouro
A proteção da biodiversidade representa um diferencial estratégico para o Brasil e uma oportunidade de orientar sua economia ao desenvolvimento sustentável. Classificado como megadiverso (puxar fio: denominação dada a qualquer uma das 17 nações mais ricas em biodiversidade do mundo), o Brasil abriga entre 15% e 20% de todas as espécies animais e vegetais existentes, muitas delas com exclusividade. O Ministério do Meio Ambiente estima que mais de três milhões de espécies ainda desconhecidas compõem a biodiversidade brasileira, e, entre as nativas já documentadas, menos de 1% foram pesquisadas geneticamente.
No entanto, grande parte desse potencial não tem gerado melhores oportunidades de desenvolvimento para o País. Os sistemas legais existentes não dão conta do caráter coletivo dos conhecimentos das comunidades tradicionais resultantes de heranças e patrimônio culturais.
No Brasil, o tema obedece a Medida Provisória 2.186-16/01 que instituiu regras para o acesso, a remessa e a repartição de benefícios. Também estabeleceu o Conselho de Gestão do Patrimônio Genético como a autoridade nacional, com função normativa e deliberativa sobre as autorizações de acesso e remessa.
O País é também signatário do Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual (TRIPS), firmado junto à Organização Mundial de Comércio (OMC). Essa diretriz foi incorporada pelo Decreto nº 1.355/ 1994 e regulamentada pela Lei Federal nº 9.279/1996. Trata-se da Lei de Patentes ou de Propriedade Industrial que prevê a possibilidade de patenteamento dos processos biotecnológicos obtidos a partir de plantas e animais, sem a necessidade de repartição de benefícios com as comunidades tradicionais detentoras dos conhecimentos sobre os recursos explorados.
A falta de parâmetros claros para o tema abre espaço para a apropriação indevida da biodiversidade e dos conhecimentos tradicionais associados.

Na agenda
2010, Ano Internacional da Biodiversidade
Uma das discussões mais importantes para a Convenção de Diversidade Biológica durante a COP-10, que acontecerá em Nagoya (Japão,) no mês de outubro, será a repartição de benefícios oriundos do uso da biodiversidade. Os membros dos países megadiversos pretendem chegar à construção de um Regime Internacional de Acesso e Repartição de Benefícios que estabeleça o cumprimento dos acordos feitos entre todas as nações.

No radar
Conhecimento tradicional e biotecnologia
– O conhecimento tradicional aumenta em 400% a eficiência na identificação de propriedades medicinais das plantas. Dos 120 princípios ativos utilizados pela indústria farmacêutica, 75% foram revelados pelo saber tradicional.
– Entre os negócios brasileiros de biotecnologia, 75% representam pequenas ou médias empresas com menos de 10 anos de existência (Leda Castilhos, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro).
– As vendas mundiais de produtos biotecnológicos apresentam um crescimento médio anual de 15% (Leda Castilhos, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro).
– Até o mês de julho de 2010, o Instituto Nacional de Propriedade Industrial registrou 1.296 pedidos de patentes na área de inovações biotecnológicas, combinando as classificações de Bioquímica, Engenharia Genética e preparações para usos médicos: 15% são de brasileiros e 51% dos Estados Unidos.
Fonte: Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI)
Para saber mais
Boas práticas
– A vernonia, uma erva daninha endêmica da Etiópia, tem sementes pretas brilhantes, ricas num tipo de óleo que está sendo estudado por sua possível utilização como “produto químico verde” na fabricação de compostos plásticos, produzidos em larga escala, atualmente, apenas com petroquímicos. Em 2006, uma empresa britânica, a Vernique Biotech, assinou um contrato de 10 anos com o governo etíope para ter acesso à vernonia e comercializar o seu óleo. Como parte do acordo, a companhia pagará uma combinação de taxas de permissão, royalties e uma parte de seus lucros para o governo etíope. Além disso, os agricultores locais serão pagos para cultivar a planta em terras impróprias para o cultivo de alimentos.
– Em 2005, como parte de sua Lei Nacional do Meio Ambiente, Uganda criou uma regulamentação que estabelece procedimentos para o acesso aos recursos genéticos, prevê a repartição dos benefícios decorrentes desses recursos e promove o seu manejo e uso sustentável.
Fonte: Panorama da Biodiversidade Global, Secretariado da Convenção sobre Diversidade Biológica – CDB
X (versus)
Apropriação indevida da biodiversidade
– O patenteamento do cupuaçu pelas companhias japonesas Asahi Foods e Cupuaçu Internacional impediu que qualquer outro empreendedor utilizasse o nome do fruto típico da Amazônia em seus produtos, nem mesmo como ingrediente. A situação só foi normalizada quando a organização não governamental Grupo de Trabalho da Amazônia (GTA) solicitou a repatriação do cupuaçu. Por conta disso, as empresas japonesas assinaram um termo de compromisso renunciando em favor do Estado do Pará todos e quaisquer direitos de oposição por uso do cupuaçu.
– Outro exemplo é caso do Capoten, medicamento para regular a pressão arterial comercializado pela empresa americana Bristol-Myers Squibb. Com faturamento anual estimado em US$ 5 bilhões de dólares, o Capoten é feito à base de captotril, substância encontrada no veneno da jararaca. A cobra é um animal brasileiro, mas todo o lucro com a venda do medicamento fica com a empresa americana, que detém a patente sobre o produto.
– A secreção cutânea do sapo verde (Phyllomedusa bicolor) é utilizada por populações indígenas da Amazônia brasileira e do Peru para afastar a má sorte na caça e com as mulheres. Objeto de pesquisa desde os anos 80 por laboratórios internacionais, essa substância contém propriedades analgésicas, antibióticas e de fortalecimento imunológico, que já foram desdobradas em dez patentes internacionais, quatro delas norte-americanas.
Fonte: Campanha contra a biopirataria da Amazon Link.org

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