Especial – Uma revolução verde no agronegócio (parte 1)

Especial – Uma revolução verde no agronegócio (parte 1)

Fotos: Guilherme Polidoro

O aumento nos preços dos alimentos ressuscitou uma velha tese malthusiana de que a população cresce em velocidade sempre superior à dos estoques disponíveis de comida. Ainda que a idéia soe anacrônica, o fato é que a atual crise de alimento já provou que mais tecnologia parece não ser suficiente para prover indefinidamente a demanda global por produtos agrícolas. As respostas para reverter o quadro de escassez podem estar em uma segunda revolução verde — segundo alguns especialistas, já em curso–, caracterizada pela busca e adoção de práticas mais sustentáveis na agricultura.
Reconciliar produções maiores com o uso racional dos recursos naturais é a ordem do dia para o setor agrícola. E, em nome dela, já se observa uma crescente pressão exercida por meio de regulamentações e, sobretudo, pelo mercado. “A pressão por melhores práticas no agronegócio vem de longa data. O movimento de sustentabilidade só reforçou as oportunidades de negócios a partir de uma gestão mais eficiente da produção agrícola”, afirma Meire Ferreira, superintendente do ARES, Instituto para o Agronegócio Responsável.
A própria organização, criada em 2007 por meio da parceria entre empresas e associações do setor agropecuário, é um exemplo de como o segmento está mobilizado para adaptar suas práticas a um modelo de desenvolvimento sustentável. Segundo Meire, a ARES tem como objetivo a geração e a difusão de conhecimento, assim como a promoção do diálogo entre os representantes do agronegócio e a sociedade civil organizada visando a construção de uma agenda de responsabilidade social para o setor.
“O conhecimento sobre sustentabilidade precisa ser consolidado no setor agrícola. Ainda hoje está muito fragmentado em cada sistema produtivo. A missão da ARES é traduzir sustentabilidade na prática, tangibilizando conceitos como o do triple bottom line por meio de uma linguagem mais acessível para quem está no campo”, ressalta Meire.
Segundo o Worldwatch Institute, cerca de 70% da água consumida mundialmente, incluindo a que decorre de desvios e de bombeamento do subsolo, atende a irrigação na agricultura. Algo em torno de 20% abastecem a indústria e 10%, as residências. Além disso, de acordo com o Banco Mundial, 13 milhões de hectares de florestas tropicais são degradados ou desaparecem a cada ano, principalmente para expansão da atividade agrícola.

Além do consumo mais eficaz de água, outro desafio do agronegócio sustentável é a expansão sem agressões ao meio ambiente. Para Carlos Clemente Cerri, pesquisador do Centro de Energia Nuclear na Agricultura da Universidade de São Paulo (CENA/USP), o Brasil tem total condição de suprir boa parte da demanda de alimentos, fibras e biocombustíveis mundiais sem necessidade de novos desmatamentos. “Precisaremos de 18 a 20 milhões de hectares nos próximos dez anos para cultivo de soja, milho, cana de açúcar e oleaginosas para produção de biodiesel. Essas atividades podem ser realizadas em áreas hoje ocupadas por pastos. Para isso, basta aumentar a concentração de gado de 0,9 para 1,5 cabeças por hectare”, explica Cerri.
O relatório “Agricultura para o desenvolvimento” do Banco Mundial ressalta que as tecnologias devem fazer mais do que ampliar a produção. Precisam contribuir para a economia de água e energia, a redução de riscos, o aumento da qualidade dos produtos e a proteção do meio ambiente. “A sustentabilidade na agricultura depende da combinação de uma série de tecnologias que vão desde o melhoramento genético até o preparo e a adubação mais racional do solo. Requer ainda melhorias nos sistemas de colheita, transporte e armazenamento a fim de evitar perdas”, explica Cerri.
Na análise do Banco Mundial a agricultura segue sendo, no século 21, um instrumento fundamental para o desenvolvimento sustentável e a redução da pobreza. Três em cada quatro pessoas de baixa renda nos países em desenvolvimento vivem na zona rural. Cerca de 2,1 bilhões vivem com menos de US$ 2 por dia, e 880 milhões com menos de US$ 1 por dia. A maioria depende da agricultura para sua subsistência. “Considerando onde estão e o que fazem melhor, é imperativo promover a agricultura para cumprir a Meta de Desenvolvimento do Milênio de cortar pela metade a pobreza e a fome do mundo até 2015. A agricultura por si só não será suficiente para reduzir substancialmente a pobreza, porém já demonstrou ter uma eficiência única para a tarefa”, reforça o relatório.


Crise de alimentos

Discutir o papel da agricultura não só como provedora de alimentos, mas como atividade capaz de gerar renda é essencial no cenário atual de crise de alimentos. “A humanidade acomodou-se em um determinado padrão de consumo. Ao invés de desenvolver a agricultura nos países mais pobres, optou-se por abastecê-los com doações. Com a ascensão das nações emergentes como China e Índia, suas populações começaram a consumir mais e passou-se a transferir os excedentes de produção para esses mercados, comprometendo o abastecimento dos países mais pobres”, explica José Geraldo Eugênio de França, diretor-executivo da Embrapa.
Segundo o Banco Mundial, nos países com economias baseadas na agricultura, a atividade gera uma média de 29% do produto interno bruto (PIB), emprega 65% da força de trabalho. As indústrias e serviços vinculados ao agronegócio nas cadeias de valor representam, freqüentemente, mais de 30% do PIB nos países em transformação e urbanizados.
Diretor de proteção de cultivos da BASF no Brasil, Eduardo Leduc, destaca que a principal causa da fome no mundo tem sido a falta de renda e não de alimentos. Para ele, a recuperação de preços dos produtos agrícolas era necessária para manter os investimentos na agricultura. “O setor como um todo estava sendo muito mal remunerado, pelo alto nível de investimentos em pesquisa, desenvolvimento e adequação às práticas socioambientalmente responsáveis que o mercado exige”, ressalta. Em sua opinião, o elevado desperdício de alimentos indica que eles estavam baratos demais para quem podia comprar. “Não adianta ter alimento se ele não vai para o lugar certo e não adianta produzir alimentos se as pessoas não têm dinheiro para comprar”, afirma Leduc.
Dados da Organização das Nações Unidas revelam que o Brasil desperdiça 1,4% do PIB com cerca de R$ 17 bilhões de alimentos jogados no lixo todos os anos. Um montante como esse seria suficiente, segundo cálculo da Secretaria de Abastecimento e Agricultura do Estado de São Paulo, para custear a alimentação de 35 milhões de brasileiros,.
A política norte-americana de incentivo a produção de etanol a partir do milho também contribuiu para inflar os preços dos alimentos. Além de diminuir a disponibilidade do grão para alimentação, a cultura avançou sobre outras áreas de cultivo tradicional como as de soja. Adalgiso Telles, diretor de comunicação corporativa da Bunge no Brasil, alerta que o desequilíbrio da oferta e demanda é apenas um dos fatores que contribuem para a inflação dos alimentos. Segundo ele, a menor disponibilidade de insumos também afetará os preços dos produtos agrícolas, ainda que essa não seja exatamente a motivação da crise atual.
“A oferta de insumos para produção de fertilizantes no mundo – nitrogênio, fósforo e potássio (NPK) – está diminuindo. Nos Estados Unidos, houve fechamento de minas de fósforo nos últimos dois anos por esgotamento. Jazidas de potássio na Rússia também foram desativadas por conta de inundações e vazamentos, diminuindo em mais de seis milhões de toneladas a oferta de cloreto de potássio, o que representa mais de 10% da produção mundial desse mineral”, conta. Telles lembra que para a extração do nitrogênio, os gases da atmosfera são submetidos a altas temperaturas, processo que utiliza combustíveis fósseis, cujos preços seguem nas nuvens.
“Os fertilizantes são elementos químicos da natureza que readequamos para uma aplicação superficial com a finalidade de tornar a terra mais produtiva. Se de um dia para o outro deixássemos de utilizar esses insumos para nutrir o solo, seria necessário pelo menos o dobro de áreas para produzir a mesma quantidade de alimentos disponível hoje”, esclarece o diretor de comunicação.
A Bunge anunciou investimentos da ordem de 3,2 bilhões para a abertura de quatro minas de rocha fosfática no Brasil. A meta da empresa é aumentar em 3,5 milhões de toneladas a produção desse mineral.


Produzir mais com menos

A Embrapa anda preocupada com o desenvolvimento de práticas que proporcionem o uso mais racional dos recursos naturais e insumos químicos. Tanto que o transformou em um de seus focos de atuação. “A agricultura do futuro terá que produzir mais dispondo de menor quantidade de água que é um bem finito cada vez mais requisitado e menos disponível. O mesmo vale para os insumos. A produção atual está fortemente baseada no uso de defensivos químicos para combater pragas e doenças. Além dos insumos estarem cada dia mais caros, eles representam um problema ambiental grave para a natureza e saúde humana, tanto para os trabalhadores que os manipulam, quanto para os consumidores dos alimentos”, afirma França.

De acordo com o seu diretor-executivo, a instituição também tem buscado produtos e métodos substitutos aos insumos químicos. Um deles é o controle biológico, que consiste no emprego de um organismo (predador, parasita ou patógeno) para combate a pragas na lavoura. Outra possibilidade, a fixação biológica do nitrogênio possibilita a redução significativa da aplicação de fertilizantes químicos em culturas como a da soja. “A fixação se dá por meio de uma bactéria, que associada à soja, mineraliza o nitrogênio para a planta. Essa técnica já é aplicada em cerca de 23 milhões de hectares de cultivo do grão no Brasil”, expõe França.
Por meio do melhoramento genético, a Embrapa desenvolve espécies mais resistentes a doenças e adaptadas a condições climáticas adversas como a menor disponibilidade de água.
No semi-árido nordestino, por exemplo, depois do cruzamento de espécies, a empresa formulou variedades menos suscetíveis às secas. O milho catingueiro e a asa branca, desenvolvidos pelos pesquisadores da unidade da Embrapa na região, apresentam ciclos menores, podendo ser colhidos depois de 90 a 95 dias após o plantio, enquanto a colheita da variedade convencional leva cerca de 130 dias. “A estratégia de redução do ciclo permitiu que se passasse a colher milho todos os anos, diminuindo os riscos da lavoura perecer com a seca”, explica França.
Outra experiência conduzida na Embrapa Meio Norte possibilitou o desenvolvimento da variedade Guariba do feijão caupi. “A cultivar apresenta maior produtividade e resistência a pragas como a mosca branca e cigarrinha”, explica França.
Mudança de hábito

O modelo de produção baseado na monocultura, uso intensivo de insumos químicos e mecanização, consagrado pela revolução verde no século XX, tem sido alvo constante de críticas.
Não sem razão. Essa combinação de tecnologias e métodos levou à perda de biodiversidade, dependência excessiva de combustíveis fósseis, erosão do solo, e à poluição dos recursos hídricos entre outros efeitos negativos.
Reduzir as externalidades tem sido, por exemplo, o grande desafio para as fabricantes de defensivos e fertilizantes. Nos últimos anos, essas empresas, ícones da revolução verde, investiram continuamente na redução da toxicidade de seus produtos e na conscientização dos agricultores para uso racional e seguro dos insumos. “Há muitos exemplos de boas práticas no setor agrícola. No entanto, a sustentabilidade vem despertar para questão social e ambiental de uma forma muito mais intensa, propondo o alinhamento dessas iniciativas ao negócio”, afirma Meire, do ARES.
Walter Dissinger, vice-presidente de proteção de cultivos para a América Latina e Care Chemicals para a América do Sul da BASF, destaca que a sustentabilidade é determinante para a perenidade do agronegócio. “O crescimento da agricultura ocorre justamente em um momento que se torna evidente o desafio de conciliar o crescimento econômico às questões socioambientais, em que a sustentabilidade não deve ser considerada um diferencial, mas o princípio que garantirá a sobrevivência das organizações”, ressalta.

Inscreva-se em nossa newsletter e
receba tudo em primeira mão

Conteúdos relacionados

Entre em contato
1
Posso ajudar?