Especial – Uma revolução verde no agronegócio (parte 2)

Especial – Uma revolução verde no agronegócio (parte 2)

Mudança de hábito

O modelo de produção baseado na monocultura, uso intensivo de insumos químicos e mecanização, consagrado pela revolução verde no século XX, tem sido alvo constante de críticas.
Não sem razão. Essa combinação de tecnologias e métodos levou à perda de biodiversidade, dependência excessiva de combustíveis fósseis, erosão do solo, e à poluição dos recursos hídricos entre outros efeitos negativos.
Reduzir as externalidades tem sido, por exemplo, o grande desafio para as fabricantes de defensivos e fertilizantes. Nos últimos anos, essas empresas, ícones da revolução verde, investiram continuamente na redução da toxicidade de seus produtos e na conscientização dos agricultores para uso racional e seguro dos insumos. “Há muitos exemplos de boas práticas no setor agrícola. No entanto, a sustentabilidade vem despertar para questão social e ambiental de uma forma muito mais intensa, propondo o alinhamento dessas iniciativas ao negócio”, afirma Meire, do ARES.
Walter Dissinger, vice-presidente de proteção de cultivos para a América Latina e Care Chemicals para a América do Sul da BASF, destaca que a sustentabilidade é determinante para a perenidade do agronegócio. “O crescimento da agricultura ocorre justamente em um momento que se torna evidente o desafio de conciliar o crescimento econômico às questões socioambientais, em que a sustentabilidade não deve ser considerada um diferencial, mas o princípio que garantirá a sobrevivência das organizações”, ressalta.
Revisão de processos e estratégias

A partir da perspectiva da sustentabilidade, as empresas do setor agrícola passaram a revisar alguns processos e estratégias de negócio. Na unidade da Bunge Fertilizantes de Guará (SP), desde 2003, utiliza-se a biomassa em substituição ao gás liquefeito de petróleo (GLP). Além da economia de cerca de R$ 6 milhões anuais em combustível, o Projeto Biomassa Guará permitiu a redução de 24.221 toneladas de CO2, entre setembro de 2003 e outubro de 2006. Aprovado em outubro de 2007, pelo Conselho Executivo do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), o projeto deve gerar mais créditos de carbono para a empresa em 2009.

A BASF, por sua vez, vem focando a sua estratégia na área de proteção de cultivos. Segundo Leduc, diretor da área no Brasil, além de combater pragas e doenças, os produtos dessa linha proporcionam ganhos de produtividade de 10 a 15% a partir dos chamados efeitos fisiológicos que atuam na funcionamento da planta. “Essa tecnologia está diretamente ligada à sustentabilidade porque o agricultor precisa produzir mais na mesma área. Vamos ter que aumentar muito a produtividade para atender a demanda mundial. Não adianta só expandir a área agrícola”, esclarece.
A empresa também investe em pesquisa e desenvolvimento de genes que aumentam a produtividade e a tolerância à seca. Segundo Leduc, a BASF tem buscado parceiros com conhecimento na área de sementes para oferecer essa tecnologia ao mercado. “O modelo de negócios adotado pela empresa prevê a introdução de novas soluções no mercado por intermédio de parcerias, respeitando a cadeia de produção de sementes estabelecida”, afirma.
Em agosto de 2007, a BASF e a Embrapa anunciaram um acordo de cooperação na área de biotecnologia para desenvolvimento de uma variedade brasileira de soja geneticamente modificada. As duas empresas estão trabalhando para registrar a nova tecnologia junto à Comissão Técnica  Nacional de Biossegurança (CTNBio), atendendo às exigências da Lei de Biossegurança 11.105/05. A expectativa é que as novas variedades de soja estejam disponíveis para o produtor de sementes em 2010 ou 2011. Para o agricultor, a partir de 2012.
Desde março de 2007, a corporação de origem alemã mantém parceria com a Monsanto para pesquisa e desenvolvimento de produtos com características de tolerância à seca e maior rendimento para as culturas de milho, soja, algodão e canola. Durante o período de colaboração, as duas companhias vão investir em conjunto US$1,5 bilhão.
Pioneira na área de biotecnologia, a Monsanto comprometeu-se a dobrar o rendimento de sementes de milho, soja e algodão, reduzindo em 1/3 a quantidade de recursos para o cultivo das mesmas variedades até 2030. Nos próximos cinco anos, destinará US$ 10 milhões ao setor público de pesquisa visando acelerar o desenvolvimento de novas variedades de trigo e arroz. A cada ano, um painel mundial de especialistas selecionará um projeto diferente, oferecendo US$ 2 milhões em investimentos.
A empresa também integra uma parceria firmada em março deste ano com os governos de Quênia, Uganda, Tanzânia e África do Sul com o objetivo de pesquisar variedades resistentes à rigidez do clima árido. A tecnologia será disponibilizada a pequenos produtores sem a cobrança de royalties.
O programa Milho Eficiente para a África (WEMA, na sigla em inglês) conta ainda com a participação da Fundação Bill & Melinda Gates e Howard G. Buffett, a Fundação Africana de Tecnologia Agricultural (AATF) e o Centro Internacional de Melhoramento de Milho e Trigo (CIMMYT). “A biotecnologia sozinha não é a solução, mas tem uma contribuição importante para reverter a crise de alimentos. Com esses três bilhões de pessoas que virão para o mundo nos próximos 20 anos é imperativo produzir mais com menos recursos. E a biotecnologia representa uma boa opção para aumentar a produtividade, utilizando menos áreas e recursos da natureza”, afirma Gabriela Burian, gerente de responsabilidade ambiental da Monsanto.



Relacionamento com stakeholders

A aplicação do conceito de sustentabilidade no setor agrícola tem produzido mudanças importantes no modo como as empresas se relacionam com os seus públicos de interesse, em especial, os clientes.
Na BASF, todos os projetos sofreram uma revisão e os investimentos foram priorizados nas áreas mais próximas à estratégia de negócio. “Como empresa de pesquisa e desenvolvimento que atende as legislações ambientais e sociais, o que a companhia tem de know-how que pode levar para o mercado?”, replica Leduc a indagação que motivou uma evolução da sustentabilidade no negócio de agricultura na companhia.
A partir dessa reflexão, percebeu-se que a experiência da empresa na implementação do conceito de sustentabilidade poderia ser estendida aos parceiros de negócios. O Mata Viva Propriedades Rurais é um bom exemplo disso. Realizado desde 1984 para recuperação da mata ciliar do Rio Paraíba do Sul, no Complexo Químico da empresa em
Guaratinguetá (SP), o programa começou a ser implementado, a partir de 2007, para a readequação ambiental de propriedades rurais.
A iniciativa conta com o apoio da fundação corporativa da BASF, Espaço ECO, e de cooperativas parceiras. “A propriedade agrícola tem que gerar lucro, e também cuidar do meio ambiente, dos seus funcionários e das próximas gerações. Mas a falta de clareza quanto à lei, dificulta o engajamento do agricultor na adequação de sua propriedade. Por isso, desenvolvemos um pacote completo para que ele saiba exatamente o que fazer, com que prazo, os custos, técnicas e vantagens de atender as leis ambientais”, afirma.
Segundo Leduc, o negócio do agricultor que não atende as exigências ambientais começa a ser prejudicado tanto pela aplicação de multas como pela perda de mercados. “Se a propriedade está inadequada o produtor enfrenta dificuldades para documentá-la e vendê-la por causa do passivo ambiental. Também encontra restrições no financiamento bancário. Além disso, a responsabilidade socioambiental tem sido cobrada por parte de cadeias de supermercados e importadoras cada dia mais exigentes”, ressalta.
As ações de responsabilidade socioambiental da Bunge junto aos produtores são divididas em quatro etapas. A empresa promove a conscientização por meio da distribuição da cartilha “Responsabilidade Ambiental na Produção Agrícola”, elaborada em parceria com o Ministério do Meio Ambiente. “Primeiro, o produtor entende o que é o Código Florestal, como obter os licenciamentos e tornar a propriedade mais produtiva do ponto de vista socioambiental. Essa fase é importante porque o agricultor, que não tem a sua propriedade 100% adequada, normalmente, fica receoso de buscar orientação junto ao governo e ser autuado. Por isso, acaba deixando de atender às exigências legais”, explica Telles.

Havendo o interesse do produtor em investir na adequação, a Bunge aciona ONGs parceiras como aConservation International para fazer o georeferenciamento e propostas de regularização da propriedade, conforme as categorias definidas legalmente para as áreas de preservação: Reservas Legais, Áreas de Preservação Permanente (APPs) ou Reservas Permanentes de Preservação Natural (RPPNs)
A terceira etapa é a de reconhecimento. Há cinco anos, a Bunge realiza o “Destaque Bunge Agricultor Brasileiro”, que reconhece produtores rurais que obtiveram os melhores resultados em sustentabilidade nas culturas de soja, trigo, milho, algodão, cana-de-açúcar, café e, a partir deste ano, arroz. “Por meio de indicadores desenvolvidos e revistos, anualmente, junto a ONGs e universidades, selecionamos de 14 a 15 produtores com o objetivo de estimular e disseminar a adoção de práticas mais sustentáveis”, explica Telles.
A última etapa é a da cobrança. Para fornecer matérias-primas à Bunge, os produtores devem estar rigorosamente adequados às legislações ambiental e social. “A empresa entende que, para continuar no mercado, um produtor precisa ser sustentável. E por isso inclui em todos os seus contratos comerciais uma cláusula de sustentabilidade”, explica Telles.
Se a qualquer momento ficar comprovado que agricultor descumpriu a legislação, a Bunge tem o direto de rescindir o contrato unilateralmente.
Em relação aos clientes, a empresa cruza os dados fornecidos para cadastro com a lista suja do Ministério do Trabalho que relaciona propriedades com ocorrências de trabalho escravo. “Desenvolvemos um sistema que captura os dados dessa lista de modo que se o produtor constar na relação, a operação comercial é automaticamente bloqueada”, explica Telles.

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