A Inovação para a Sustentabilidade III

A Inovação para a Sustentabilidade III

Sistemas e liderança
Por Dra. Aileen Ionescu-Somers e Professor Francisco Szekely

A atual demanda mundial por recursos não é sustentável. Se todos no mundo comessem como o cidadão europeu comum, seriam necessários os recursos de três planetas. Se todos consumissem como o cidadão americano comum, seriam necessários cinco. Se todos nós pudéssemos espelhar nossos hábitos alimentares ao da dieta típica da Malásia, que é relativamente baixa em proteína animal, até 2050 precisaríamos somente de 1,3 planetas Terra para atender nossas necessidades. No entanto, temos apenas um planeta.

Há evidências de que na medida em que as pessoas ficam mais ricas, elas desejam comer mais carne e laticínios. Isso cria um verdadeiro problema para a sustentabilidade, pois a conversão de calorias de base vegetal para de base animal é ineficiente, o que contribui para o aquecimento global e desperdício de recursos e deixa as pessoas menos saudáveis. Em um mundo com recursos limitados, a sociedade terá de enfrentar a questão de quanta terra deverá ser atribuída ao pasto e outros alimentos para animais e quanto precisa ser usado para a produção de safras diretamente para consumo humano.

A única solução realista para a humanidade é usar a terra de forma mais produtiva e optar por uma dieta menos dependente da proteína animal. Isso exigirá uma grande mudança de mentalidade e, fundamentalmente, de liderança em todos os patamares da sociedade.

Pensamento em nível de sistema

A primeira parte da mudança é a forma como pensamos e resolvemos problemas. A inovação incremental – a abordagem de “pequenos passos” – é, sem dúvida, importante, mas a mudança transformacional que precisamos só virá através de um novo paradigma econômico. O mundo precisa dar passos gigantes que incorporam mudanças em nível de sistema se quisermos enfrentar os desafios que estão pela frente. Partes interessadas da sociedade, incluindo as empresas, terão de reunir recursos e compartilhar conhecimento em parcerias cada vez mais produtivas que atravessam e se entrelaçam nas cadeias de valor. Um bom exemplo dessa colaboração é o lançamento feito por sete organizações globais – incluindo o IMD – do primeiro guia praticante do mundo para o fornecimento sustentável de commodities agrícolas, no dia 14 de março. O projeto baseia-se em conhecimentos e recursos de diversas empresas e partes interessadas.

Esse novo paradigma precisa incorporar uma série de aspectos:

• Visão e liderança: essas características precisam ser melhoradas tanto dentro dos governos quanto nas empresas e são fundamentais para garantir um futuro sustentável;
Foco em diversos níveis: a inovação para a sustentabilidade tem de ocorrer ao mesmo tempo em vários níveis e em diferentes dimensões. Uma indústria sozinha é um ‘silo tecnológico’ em que ela se isola de outras indústrias. Modelos devem ser ligados um ao outro para que a renovação sistêmica ocorra;
• Prontidão: existem soluções sendo desenvolvidas que ainda não atingiram seu potencial, como a mobilidade e o planejamento urbano. Líderes e organizações precisam manter o foco nisso;
• Integração total da cadeia de valor: muitas vezes as empresas criam valor em uma parte da cadeia apenas para destruí-lo em outra. Por exemplo, uma empresa de alimentos pode abordar questões sustentáveis ??de fornecimento, mas ignora assuntos como restos alimentares, obesidade ou saúde em geral. Este tipo de abordagem fraturada e contraditória deve ser superada;
• Eliminação de subsídios perversos: instrumentos econômicos prejudiciais ao meio ambiente e sociedade devem ser reduzidos e depois eliminados. Subsídios na agricultura podem promover práticas prejudiciais que depois têm efeito multiplicador sobre a erosão, degradação do solo, poluição (por exemplo, com fertilizantes sintéticos e pesticidas) e liberação de gases de efeito estufa. Subsídios dados aos combustíveis fósseis podem acanhar o investimento em energias renováveis. Subsídios da água incentivam o desperdício e mau uso de um recurso extremamente valioso e cada vez mais escasso. Subsidiar a pesca incentiva a sobre-colheita das populações de peixes. E assim por diante;
• O envolvimento dos interessados: manter as partes interessadas envolvidas na determinação do status e evolução das megatendências e em como a sustentabilidade é abordada irá acelerar novas tecnologias, mercados e ideias de financiamento.

Dimensões da liderança

Os líderes devem assumir a responsabilidade pelas mudanças que acabamos de descrever. O ponto de partida, claro, é o compromisso pessoal seguido por ações específicas, como: desmantelar os silos existentes, mudar mentalidades e implementar sistemas de incentivos que promovam a inovação estratégica do sistema dentro e entre as organizações e grupos de interessados.

No entanto, estarão todos os líderes comprometidos a se esforçarem o necessário para desenvolver a sustentabilidade de curto e longo prazo? Infelizmente, provavelmente não será o caso.

Muitos têm culpado o “vácuo moral” dos CEOs como sendo a raiz da atual crise e pediram aos mesmos para reverter essa mentalidade e desenvolver a humildade. Da mesma forma, a escassez de CEOs e membros de conselhos na conferência internacional Rio+20, em junho de 2012, indica que ainda há uma gigantesca lacuna de liderança para a sustentabilidade.

Treinamento dado a altos executivos para o planejamento e desenvolvimento de cenários deveria ser incentivado nas empresas e escolas de negócios. As organizações precisam de mais exemplos de liderança sobre como integrar plenamente a sustentabilidade na estratégia central da organização. John Mackey, do Whole Foods; Paul Polman, que lançou o Sustainable Living Plan da Unilever; e Muhammad Yunus, fundador do Grameen Bank, são alguns exemplos de líderes que conseguiram mudar e inovar para a sustentabilidade.

Como angariar mais líderes assim? Uma solução pode ser por meio de oportunidades de aprendizagem para os CEOs que se baseia em exemplos de melhores e piores práticas. Por exemplo, líderes como Yunus poderiam compartilhar conhecimento com diretores executivos e colegas sobre como gerenciar a complexidade e como dar largos passos para a sustentabilidade bem-sucedida.

A globalização colocou a sustentabilidade na pauta do conselho; porém, ainda são poucos os agentes da sustentabilidade que trabalham diretamente com os diretores. O Pacto Global da ONU – ainda que falte profundidade e amplitude – pede aos conselhos a darem passos importantes e relevantes que acabará por influenciar suas decisões:

• Assumir total responsabilidade referente a questões e fatores não-financeiros;

• Analisar relatórios sobre o desempenho da sustentabilidade e supervisionar as medidas feitas pela administração;

• Reportar às partes interessadas ??e participar de diálogos mais sistemáticos entre as diversas partes;
• Recompensar a criação de valor de longo prazo pelos gestores;
• Reavaliar os membros do conselho e suas competências para incluir a sustentabilidade.
Conclusão da série de três partes dos artigos.

Há uma grande oportunidade para promover a inovação estratégica para a sustentabilidade. Isto pode ser feito através do desenvolvimento do diálogo e colaboração entre as diversas partes interessadas, tornando isso parte da estratégia de negócios.

Novos polos de inovação aberta – com plataformas sobre temas críticos, como mobilidade, segurança alimentícia ou água – cada vez mais irá girar a cultura em torno da inovação. Essa série de três partes estabeleceu alguns parâmetros para se ter uma mudança bem-sucedida nas empresas para um admirável – e sustentável – mundo novo.

Para chegar ao mundo do amanhã, precisamos de um compromisso cada vez maior das empresas, da adoção de novos valores no local de trabalho, de novas competências e habilidades, de novas abordagens de medição e novos sistemas de reconhecimento e recompensa, que permitem a revisão da mobilidade, alimentação, desenvolvimento urbano e outros sistemas. E, mais importante, precisamos de novos programas de formação de executivos para desenvolver líderes com uma mentalidade totalmente nova.

LEIA TAMBÉM:

A Inovação para a Sustentabilidade I: Contexto empresarial e fatores-chave

A Inovação para a Sustentabilidade II: Os desafios da implementação

Dra. Aileen Ionescu-Somers é diretora do Centro Global de Liderança Sustentável do IMD (CSL).

Francisco Szekely é professor de Liderança e Sustentabilidade da Sandoz Family Foundation e Diretor do Centro Global para Liderança Sustentável do IMD (CSL).

O Centro Global de Liderança Sustentável do IMD foca principalmente na inovação estratégica para a sustentabilidade através do desenvolvimento do pensamento de liderança relevante, pesquisa e atividades de aprendizagem. Em especial, seu inovador programa “One Planet Leaders “– um esforço colaborativo com a WWF, voltado para o desafio do amanhã de viver dentro dos limites de um só planeta.

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