Mindsets para o avanço

Mindsets para o avanço

De que matéria são feitos os líderes em sustentabilidade?

Por Ricardo Voltolini

Ao botar o ponto final no livro Conversas com Líderes Sustentáveis (a ser lançado no dia 02 de junho de 2011, pela Editora SENAC-SP), dois anos depois de iniciado o seu processo de elaboração, ocorreu-me, pela primeira vez, que eu estava mais próximo de responder à pergunta-título deste artigo, feita, certa vez, por Joel Makower, autor de A Economia Verde (Gente Editora, 2009).

Como Makower, sempre me interessou compreender as razões pelas quais, em algumas empresas, a sustentabilidade avançou mais rápido do que em outras, deixando o conforto periférico das ações socioambientais pontuais – que, em muitos casos, mudam pouco ou quase nada – para ocupar o centro das estratégias de negócio. Mais precisamente desde setembro de 2007, época em que Ideia Sustentável entrevistou líderes empresariais para um ensaio jornalístico intitulado Quem são os Mandelas da Sustentabilidade, comecei a investigar as variáveis que levam determinadas companhias a substituir pequenas mudanças incrementais pelas que rompem modelos.

Após a primeira sondagem, feita a partir de entrevistas com 19 executivos de sustentabilidade, identifiquei a existência de cinco pontos comuns entre as corporações mais bem-sucedidas, no esforço de implantar o conceito na gestão empresarial: (1) a existência de uma visão de oportunidade e não de risco; (2) a inserção do conceito na cultura e nos valores; (3) a preocupação de escutar, envolver, engajar e, principalmente, educar as partes interessadas no processo de sustentabilização do negócio; (4) a capacidade de comunicar o valor da sustentabilidade aos diversos públicos, começando pelos funcionários; e (5) a presença de um líder que acredita apaixonadamente no valor do tema para o negócio e se incumbe, ele próprio, de ser o seu principal porta-voz, influenciando e formando outros líderes na organização.

Cada uma dessas variáveis pede um campo de investigação específico. E exige alguns anos de imersão. Analisando, no entanto, as relações entre as cinco, com base nos depoimentos colhidos, não foi difícil concluir que as quatro primeiras representavam, a rigor, condições decorrentes da existência de uma liderança sensível, atenta e interessada, sentada na cadeira de presidente. A sustentabilidade não se constrói só com o CEO, na medida em que são as lideranças de alto e médio escalão que operam as mudanças necessárias em processos e sistemas. Mas é absolutamente inviável sem o CEO. E isso ficou muito evidente quando comecei a comparar as práticas de empresas que se atribuem nota alta em sustentabilidade: naquelas em que o tema “entrou” no negócio, o principal líder faz diferença, sim. E a diferença se apresenta tanto mais clara quanto mais firmes são suas crenças e valores, quanto mais consistente é o seu modo de pensar, agir e decidir.

Os achados do estudo da Avastone

Cheguei a essa constatação três anos antes de ler o estudo Liderança e o Desafio da Sustentabilidade Empresarial (2007), realizado pela Avastone, uma consultoria norte-americana. Nessa pesquisa, uma das raras a estabelecer correlação entre liderança e resultados em sustentabilidade, Cynthia McEwen e John Schmidt entrevistaram executivos de dez megacorporações globais.  Interessados em verificar o progresso das organizações na implantação da sustentabilidade, os pesquisadores queriam, sobretudo, testar a hipótese de que o mindset dos líderes influencia o ritmo com que a empresa salta de um estágio para outro na escalada da sustentabilidade, podendo ajudar ou atrapalhar esse esforço.

Segundo o estudo, utilizando modelo proposto em 2004 pelo Pacto Global das Nações Unidas, há cinco “engrenagens” de sustentabilidade empresarial a considerar. Na número 1 (Cumprir), o reconhecimento é muito limitado sobre à importância – a empresa faz aquilo que é obrigada por lei ou pelo mercado, baseada em  raciocínio fundado na noção de conformidade e filantropia.

Na  2 (Voluntária), a empresa já reconhece como legítima a agenda da sustentabilidade e sabe que precisa oferecer respostas construtivas. Concentra-se, ainda, em atividades de ecoeficiência, gestão de riscos, medição e gerenciamento de redução de impactos diretos. Os públicos participam um pouco mais; no entanto, não se pode dizer que estejam efetivamente engajados.

Na engrenagem 3 (Parceria), a empresa enxerga que só é possível promover a sustentabilidade com outros atores. Surge com ênfase a ideia de que o tema impacta a gestão de reputação, o que a leva a adotar postura mais pró-ativa em sua gestão e na construção coletiva com funcionários, fornecedores, clientes, comunidades e ONGs.

Na 4 (Integrar), a sustentabilidade torna-se cada vez mais estratégica e incorporada ao negócio, constituindo objeto de vantagem competitiva e de criação de valor para a sociedade. Está inserida em todos os sistemas e processos, incluindo, além de produtos e serviços, a cadeia de valor. Altos executivos e Conselho passam a capitanear as decisões. E a participação das partes interessadas assume a forma de alianças multissetoriais.

Já na 5 (Redesign), a empresa procura construir novas oportunidades de negócios a partir de novos paradigmas. Nessa fase, observa-se uma remodelação das regras do jogo. O sistema começa a ser revisado. Novos players passam a compor a base de atuação da empresa, com participação efetiva de lideranças empresariais, empresas, investidores, governos, ONGs e comunidade global.

O mindset da liderança faz toda a diferença

Em suas conclusões, McEwen e Schmidt observam uma nítida, ainda que lenta, evolução das engrenagens mais baixas para as mais altas. Esse movimento representa um desafio, pois implica substituir os métodos tradicionais de fixação de metas e medição de resultados (comuns nos estágios inferiores) para uma ênfase na inovação, adaptabilidade e resiliência (característicos das duas engrenagens superiores). Ao enfrentar uma tensão inerente entre a necessidade de construir uma visão para o futuro sem deixar de entregar resultados imediatos, a mudança em curso tem se mostrado difícil e desconfortável. Mas absolutamente necessária, na visão dos entrevistados.

Os autores definem o movimento como uma progressão da noção de “poupar dinheiro” para uma outra de “fazer dinheiro”, e, para uma mais avançada, de “transformar o dinheiro”.  Na prática, a escalada evoluiu das atividades que reduzem custos (engrenagens 1 e 2) para empreendimentos geradores de novas oportunidades (3 e 4) e, por último, para iniciativas transformadoras (5) dos sistemas por meio dos quais se dá o fluxo de dinheiro.

Para o que nos importa neste artigo, vale ressaltar que, na avaliação dos especialistas, a baixa velocidade na transição não se dá por falta de sistemas e atividades. O que, de fato, limita o sucesso da empreitada é a escassez de um certo tipo de liderança que eles definem como “de capacidade superior”, aberta ao chamado “desenvolvimento vertical”.

Apoiando-se em uma definição da pesquisadora Suzan Cook-Greuter, da Universidade de Harvard, eles citam duas formas de desenvolvimento. Uma chamada “horizontal” (ou lateral) pressupõe expandir conhecimentos e habilidades sem ampliar o mindset atual. A outra, vertical, trata, por sua vez, de como o indivíduo aprende a partir de um novo olhar, de novas referências e patamares, “vivenciando” o conhecimento e transformando-o em experiência nova – exatamente como propõe a Teoria U, de Otto Scharmer (Teoria U, Editora Campus Elsevier, 2010). Enquanto a primeira requer os métodos convencionais de educação, a segunda exige os que excedem a sala de aula e a simples leitura, como grupos de diálogo, autorreflexão, investigação e interações com indivíduos de diferentes áreas.

As duas formas de aprender são evidentemente importantes. Mas, para a questão da sustentabilidade, que exige construir o futuro, o desenvolvimento vertical é fundamental. Líderes capazes de pensar ‘fora da caixa’ fazem toda a diferença.  Entre outras razões, porque a mudança intrínseca ao processo de sustentabilização de um negócio, baseada em revolução de paradigmas, requer um outro “nível de consciência”. Para McEwen e Schmidt, velhas perspectivas, capacidades e estruturas serão insuficientes para enfrentar eficazmente os “desafios do futuro”. Construir uma nova realidade exigirá dos líderes capacidade de lidar com o pensamento complexo, de aprender de um jeito novo – desapegado das experiências do passado – e de conjecturar para além das amarras do business as usual, aceitando a possibilidade de uma nova economia. Verde, se preferirem atribuir-lhe uma cor.

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